quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A lombriga...

No verão de 1952, a Piedense faz ensaios com os seus novos comboios automóveis, que o povo irá em breve apelidar de "os carrinhos".  São dois tractores Ferguson que rebocavam carruagens de 16 lugares, abertas de lado, e que irão estabelecer três circuitos urbanos dentro da Costa de Caparica. (1)

Costa da Caparica, Caminhos da Praia, ed. Passaporte, 12, década de 1950.

Na imagem, anterior a 1975, vemos esse comboio com as cores da "Transul", empresa de transportes constituída em 1 de Janeiro de 1968 pela fusão da "Transportes Beira-Rio" de Rodrigo Zagalo e Melo (falecido a 10 de Agosto de 2012 com 87 anos) com sede na Cova da Piedade e a "Empresa de Camionetes Piedense", de José Sousa Silva e Fernando Sobral, com sede na Trafaria.

Costa da Caparica, ed. Centro de Caridade N. Sra. do Perpétuo Socorro, década de 1970.
Delcampe

Este comboio funcionava anteriormente à fusão, com as cores da "Piedense" - cinza prata e azul - a concessionária dos transportes públicos rodoviários no concelho de Almada para a Costa da Caparica - "Praia do Sol". (2)

Costa da Caparica, Largo Comandante Sá Linhares, ed. Passaporte, 08, década de 1950.
Delcampe


Pelo menos até finais dos anos 70 o comboio ou como também se chamava, a lagarta, fazia o vai-vem entre o centro da Costa e o "Ninho" localizado na zona de pinhal em Santo António da Caparica, e tinha várias paragens pelo caminho.

Costa da Caparica, Bar Valverde na Mata, ed. Passaporte, 26, década de 1950.

O "Ninho" (ainda hoje assim lá está assinalado), era um local de lazer muito procurado no Verão pelos veraneantes por ser sombreiro de dia e fresco nas noites cálidas de Verão.

Costa da Caparica, Esplanada da Pensão Sto. António, foto António Passaporte, década de 1960.
Delcampe


A última viagem ocorria do "Ninho" para a Costa às 00h25. Nos anos 60, o bilhete custava 2$50. (3)


(1) José Luís Covita, Memórias de Um Século de Autocarros - A Sul do Tejo, Lisboa, Scribe, 2012
(2) almaDalmada
(3) Idem (Luis Filipe Veiga)

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Bem Vinda Seja (TR-41-L)

Trata-se de uma embarcação sem nome, com o número de matrícula TR 41 L (Fig. 2), construída cerca de 1940, adquirida em 1974 pelo Exeter Maritime Museum, cuja coleção conta com várias outras embarcações portuguesas, incluindo outros saveiros, moliceiros, etc. Sobre as suas dimensões apenas sabemos que tem 8,23 m de comprimento.

Costa da Caparica, Pescadores varando os barcos, ed. Passaporte n.° 68, década de 1950.
Delcampe


Segundo as informações colocadas ao nosso dispor, esta embarcação chegou ao Museu britânico muito danificada, sem quase nenhum vestígio de tinta, daí não ter nome, apenas com alguma cor em volta do “olho”. Ainda conforme a informação disponibilizada, a pintura foi recuperada por voluntários ingleses, trabalhando aos domingos, de acordo com a pintura tradicional e, naturalmente, preservando o famoso “olho” característico, ao qual também adiante nos iremos referir com maior detalhe.

Bem Vinda Seja, TR-41-L (Fig. 2).
O Saveiro da Costa da Caparica, Revista MUSA 4, 2014


Contactada a Delegação Marítima da Trafaria, apuramos que a matrícula TR 41 L esteve registada nesta Delegação com a denominação “Bem Vinda Seja”, tendo sido originalmente registada na Delegação Marítima do Barreiro em 1956.

O Exeter Maritime Museum viria a encerrar em 1997, cedendo todas as suas embarcações ao “World of Boats”, situado no porto piscatório de East Berwickshire, em Eyemouth, no centro da costa escocesa oriental, cuja paisagem é Património da Humanidade.

Este Meia-Lua, porém, encontra-se em armazém, conjuntamente com algumas outras embarcações tradicionais portuguesas, não estando na coleção acessível diretamente aos visitantes.

Só foi possível reconstituir a história deste Meia-Lua e ter acesso à sua documentação, a qual anexamos, graças a Mary-Lou Watt, diretora deste museu, a quem muito agradecemos, não só pela simpatia, acessibilidade e prontidão de resposta, mas também, agradecendo através dela, às instituições inglesas e escocesas, por preservarem ainda estas embarcações. (1)


(1) Ricardo Salomão, Meia-Lua: O Saveiro da Costa da Caparica, Revista MUSA 4, 2014

Mais informação:
Ricardo Salomão, Meia-Lua: O Saveiro da Costa da Caparica, Revista MUSA 4, 2014 (capa)
Ricardo Salomão, Meia-Lua: O Saveiro da Costa da Caparica, Revista MUSA 4, 2014 (anexos)

Artigo relacionado:
O Pombinho (TR-32L)



De novo encontrámos o S. Paio, e perto descobrimos o Bem Vinda Seja, aquele que pensáramos ser o Pombinho...

Turistas na praia da Costa da Caparica junto ao meia-lua (Pombinho).
Delcampe

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

À margem do mar, Manuel Tavares Junior

Autodidacta, com tendência para a vida boémia, saltitou de terra em terra, esquissou aguarelas em varadíssimos lugares. Segundo Mário de Oliveira, crítico de arte, o artista foi dos maiores aguarelistas nacionais, pincelando a aguarela, com espontaneidade e grande impulso emocional.

Costa da Caparica, As redes, aguarela de Manuel Tavares, 1964.
Cabral Moncada Leilões

Tem lugar ao lado dos grandes aguarelistas nacionais tais como Alberto de Souza, de quem foi grande admirador e de que são visíveis algumas influências. (1)

Recanto piscatório, Caparica,  Manuel Tavares, 1962.
Veritas

Alguns evocam a venda de aguarelas nos Restauradores (Lisboa) e a visita sem desfalecimento a consultórios de médicos e advogados, comerciantes e industriais, tentando vender as muitas obras que ia produzindo com aparente facilidade.

 Praia da Caparica,  Manuel Tavares, 1956.
Drouot digital



Se a venda não corria de feição, e a receita era magra, poupava nas tintas e nos papéis, mas não renunciava. (2)



(1) Ana Maria Lopes, Manuel Tavares - um aguarelista a fixar... Marintimidades, 2016
(2) Diamantino Vasconcelos, MANUEL TAVARES (1911 - 1974), Pintura e Pintores, 2010

Artigo relacionado:
À margem do rio, Manuel Tavares Junior

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

Trafaria, concurso de natação

A 6 de Setembro, foi disputada no percurso da Trafaria a Pedrouços (2 500m), reservada exclusivamente a praças do Exército e da Armada. Foi vencedor o 2º grumete Joaquim Matheus Júnior do navio D. Carlos, que fez o tempo de 42 minutos. Tomaram par te nesta competição, oitenta concorrentes, tendo como assistente o Infante D. Afonso. Ao vencedor foi entregue uma medalha de prata da Liga e 15 mil reis oferecidos pela Sociedade de Geografia.

Trafaria, concurso de natação, 6 de setembro de 1908.
Diário das viagens do Comandante António Jervis de Atouguia Ferreira Pinto Basto, vol. V.
Biblioteca Nacional de Portugal

Por curiosidade transcrevemos as instruções que foram dadas aos concorrentes:
  • Depois de alinhados na praia e na frente das estacas numeradas, só avançam para a agua quando ouvirem um tiro de pistola;
  • Conservarem os gorros na cabeça e restituírem-nos ao sargento do seu destacamento, quando terminar a corrida; Não atrapalharem os outros nadadores;
  • Seguirem, tanto quanto possível, o caminho das embarcações guias (levam uma bandeira vermelha);
  • Quando precisarem de socorro, gritam, levantam um braço ou fazem qualquer outro sinal;

Anuncio do Serviço de Carreiras da Parceria dos Vapores Lisbonenses em 1908.

  • Para ganharem, precisam de chegar à praia de Pedrouços e ficarem com a água pelos joelhos depois de que ali se conser vam esperando embarcações que os conduza para os vapores. (1)

(1) A história da natação portuguesa

Mais informação:
A Trafaria em 1908
Trafaria 1900, cliché Faustino António Martins
Ponte dos vapores da Trafaria
Trafaria e Cova do Vapor em 1946

sábado, 9 de outubro de 2021

Uma casa diferente

A falta de casas de aluguer com as devidas comodidades, é notória. Todas as casas se alugam, boas ou más; mas as casas com comodidades e higiene, ficam, em geral, arrendadas de ano para anno, pelas famílias que primeiro as tomem. Muitas pessoas teem mandado construir habitações próprias, para se garantirem a sua estadia na praia, para terem ali, durante o ano, sempre acolhedor, o seu refugio, a sua cura de repouso.

Invulgar casa de férias art deco no areal da Costa da Caparica, década de 1930.
Colecção Carlos Caria

Uma casa, na Costa, de aparência modesta, mas, emfim, como seu ar portuguez, um alpendre, 300m2 de terreno, 5 a 6 divisões, agua canalisada, louças sanitárias, etc., pode importar em cerca de 22 contos. Por aqui se pode avaliar da relativa facilidade em garantir-se uma habitação higiénica e comoda.

Nestas condições há muitas dezenas de proprietários.

Mas há também habitações grandes, muito boas, tomando já as proporções de luxo e de bom gosto que honram os seus proprietários. (1)



(1) Almada na História, Boletim de Fontes Documentais nº 32 (2019)

Artigos relacionados:
Casario
Costa da Caparica — urbanismos
Sobre o projecto de Cassiano Branco

domingo, 26 de setembro de 2021

Lá baixo, as terras do arneiro

Auras do amanhecer infundem alegrias
Até no coração das feras mais bravias !


Costa da Caparica. rapazes das Terras a caminho de casa.
Deutsche Fotothek

Venha a agreste cantiga, a jovial desgarrada

«Estrella da madrugada.
Ai! como és bella!
Quem na terra não tem nada,
É bem que tenha uma estrella
No fundo azul da alvorada !


Já lá vem o sol abrindo,
Pelas bandas do levante.
Olha como o sol vem lindo !

— Chega-te ao rego... Eh!... Galante!

«Por esses ares, voando,
Vão altas as cotovias,
Mais as calhandras em bando !

Não me alembro.
Da primavera ter dias
Dum sol, de brilho tamanho
Como este sol de dezembro :
Solzinho de Deus ! . . .


— Avante! . . .
— Chega-te ao rego ! . . . Eh!
. . . Castanho !
Chega, chega ! . . . olá!
. . . Galante!

«Lá baixo, as terras do arneiro
— Anno de pasto abundante!
São como pingue nateiro
Agora para o rebanho !


— Chega, chega! . . . Eh! . . . oh! . . . Galante!
Chega-te ao rego ! . . . Castanho !


O dia vae recrescendo ;
O gado sempre lavrando,
E alegre, de quando em quando,
A desgarrada rompendo !


As arveloas sobre a terra,
Do ferro agudo movida,
Aos bichitos fazem guerra :


Sempre a lucta pela vida!

Costa da Caparica, Terras da Costa, lavrador gradeando o solo com junta de bois.
Colecção Carlos Caria

São bois de vigor estranho,
Mas começam de cançar;
E o lavrador, vigilante,
De vez em onde a bradar :

— Chega, chega ! . . . Eh ! . . .  oh ! . . . Castanho,
Olha a aguilhada . . . Galante !

*
*     *

Vae-se o sol a afundar.
Agora, na invernia,


Logo que o sol se põe,
desapparece o dia.


Quando é duro o torrão, a canceira é tyranna !
Soltos, mugindo, os bois lá vão para a arribana.

De novo o lavrador, cantando a desgarrada.
Voltará amanhã!


Quem é pobre, e quem lida,
Aligeira, a cantar, o peso d'esta vida !



*
*     *

Alagado em suor, apesar da nortada!
Quasi sem descançar, durante o dia inteiro
Labutar, labutar! Tem o campo estes dias ! . . .


Na gleba, fresca ainda, afincou a aguilhada ;
Poz debaixo do braço o seu amplo sombreiro ;
Enclavinhou as mãos. . .

Davam Ave Marias !

Janeiro, 93.



Tema:

Bibliografia:

domingo, 1 de agosto de 2021

Penna de pato... d'ouro

Se eu um dia fosse cicerone de algum estrangeiro illustre, e se esse estrangeiro, depois de ter visto a Batalha, as rendas da Peniche, a custodia de Belem e a Collegiada de Guimarães, me pedisse para conhecer a creatura mais imensamente pomposa, mais cheia de sol e de raça que tivesse deitado Portugal, eu levava-o á Torre da Caparica e mostrava-lhe essa relíquia solemne do velho espirito lusitano que se chama no seculo o grande poete Bulhão Pato. 

Bulhão Pato (1828-1912) 
Álbum das Glórias Volume II, n.º 39, Abril de 1902

Com effeito, nenhuma figura de homem reveste em Portugal mais amplamente o caracter da sua nacionalidade e da sua raça. 

Tem um pouco do mosarebe pela ardendo e pelo amor da côr, pela espontaneidade e pele'impetuosidade, pelo exagero e peto pittoresco,— e um, pouco do godo puro, pela linha fidalga da sua figura ossea e nobre, pela polidez excessiva das suas falas e pelo palacianismo empoado das suas mesuras. 

Juba leonina de prata oleosa, ampla testa espiritual e grave, olho arguto de aguia, envergadura poderosa de valente, medulla educada pelas rudezas da caça, o typo do velho poeta marcou urna individualidade brilhante na sociedade romantica de 1860, e é hoje uma linda e sagrada saudade no meio desta pequena burguesia cosmopolita e balofa, que se perpetua em pimpolhos loiros e imbecis, e reza ladainhas beatas pela sombra picada d'ouro das sacristias. 

Bulhão Pato representa um caracter, fugido á grande onda amorpha dos incaracteristicos. 

Vestissem-lhe um gibão hollandes, á Rembrandt, e teriem uma das extraordinarias figuras dos syndicos. Envolvessem-n'o numa ampla samarra de panno de Galles, e surgiria uma especie barbera de Nun'Alvares.

O seu gesto é largo, em curva, ampliado, castelhano, excessivo, como os typos das Comédias de Moreto; a palavra escandida, batida 'as vezes n'uma seccura de matraca, outras vezes plastica, redonda, cheia, n'um feito de declamação constante e cantante, onde se apercebe um exagero sympethico e ligeiramente cervantino. 

Em tamanho natural, é o symbolo perfeito do portuguez; ampliado, seria uma excellente caricatura. 

Mas a chancella de raça, em Bulhão Pato, é extensiva ás suas predilecções, aos seus costumes e aos seus habitos. O velho poeta refugiado tem hoje ume lenda de quasi devoção. 

Vive recolhido como um frade bento,— e foi tumultário conto um poeta mundano. O sonhador da Paquita, todo espiritual, d'olhos illurninados e grande cabelleira é Capoul, é tambem caçador ousado, de casaco de velludo e grande sombreiro castorenho, batendo perdizes nos montes e correndo lebres nos espargaes. 

Indistinctamente, sem se sentir, com a mesma simplicidade e e mesma facilidade, deita uma parelha de galgos ás lebres ou ume parelha de alexendrinos à Fama. 

A idéa da vistoria e da conquista estava para elle, indifferentemente, na mulher perseguida que cahia a um beijo, como na perdiz cinzenta que abate a um tiro. 

Santo Umberto dava o braço e D. Juan. 

Hoje, duas saudades o acompanham: a da sua mocidade agitando triumphos como uma bandeira rubra ao vento, e a  das pernas rijas, que principiam agora a envergonhal-o e a vacillar. 

Mas o estomago e a cabeça conservam-se fortes. O poeta e o cosinheiro, estão ainda no esplendor de primeira mocidade. 

Não ha bom portuguez que não tenha lido as Satyras, e as Georgicas, ou comido, ao menos uma vez na vida, "lebre é Bulhão Pato". Porque, fiquem os senhores sabendo, se o não sabiam ainda, que o grande poete é um cosinbeiro como de resto o é tambem Ramalho Ortigão, esse complexo e precioso espirito que ensinou Portugal a escrever põe prosa e a fazer batatas fritas. 

A cosinha de Bulhão Pato é toda de emoções e de coloráu picante,— uma cosinha declamatoria e grandiosa, cortada de especiarias e drogas, corno os Colloquios de Garcia da Orta, e puxando a lagrima, piedosamente, á força de pimentão, como um sermão do Frade Lagosta.

De vez em quando, a cosinha do grande poeta mette a sua picadinha de sal attico: então o nosso Berchoux passa a mão ossea e fidalga pela barba argentea de velho de Espanholeto, e ou sae uma satyra valenth á antiga portuguesa, ou um prato picante de perdizes castelhanas. 

De resto, é em tudo um vitorioso. 

As suas liricas parecem um desfilar de pedras preciosas: as suas tradições de caçador honrariam a memoria do Farrobo; a sua lenda de D. Juan faz ainda hoje córar muita dôce velhinha de cabellos brancos. 

Mas uma das maiores paixões de Bulhão Pato é sem duvida a cosinha, essa tentadora cosinha portuguesa, fradesca e solémne, que faz ao mesmo tempo arthriticos e heroes. 

E tento assim é, tanto a sua paixão é grande, que o illustre poete não hesitaria de certo em arrancar uma folha á coroa de louros, —só para temperar melhor a sua célebre "assorda á Andaluza"!

Rufo (1)



Tema:

Bibliografia:

quinta-feira, 1 de julho de 2021

A construção do Barco do Mar por Manuel Fidalgo

A obra “Barco Xávega – Tecnologia da sua construção” de Manuel Fidalgo descreve com pormenor todas as fases de construção do Barco-do-Mar, uma embarcação que não tem leme, e que é orientada por remos, e está preparado para fazer até 5 viagens por dia. É utilizado por uma companha constituída por 8 a 12 homens.

Proa e ré do Barco do Mar.
Manuel Fidalgo, Barco da Xávega: Tecnologia da sua Construção...

(legenda da imagem acima)
1) Bica 2) Painel 3) Golfiões [mâozinhas] 4) Coberta [cachulo, céu da proa] 5) Boçardas 6) Arganéu 7) Lavaças 8) Escalamão [tolete] 9) Descanso da muleta 10) Armelas.

Estes barcos são utilizados essencialmente no verão e outono, indo ao mar raramente durante os meses de inverno.

A construção deste barco é uma cadeia operatória constituída por 18 fases. Contudo, esta cadeia foi revista com a motorização do barco. O motor necessário para este barco era diferente dos utilizados até então, foi necessário um rombo até à ré para o encaixar sem existir risco da água entrar. Este motor é a gasolina ou gasóleo e debita de 40 a 60 HP. Os remos do barco são assentes em labaças, colocados perto da proa de modo a deixar mais espaço livre para manear a rede.

Os estaleiros onde estes barcos são construídos mudaram-se de junto à praia para locais onde existisse a matéria-prima necessária para a construção dos barcos, isto é, a madeira. Cada barco demora cerca de um mês a ser construído sem a pintura.

O barco é feito de pinheiro bravo ou manso e alguns construtores utilizam ainda o carvalho para a roda da ré. O pinheiro bravo é fundamental para as tábuas de fora e do fundo do barco. As árvores de onde esta madeira é reti-rada devem ter, pelo menos 3 mil quilos, e devem possibilitar tirar tábuas de, pelo menos, 10 metros. São também feitas de pinheiro bravo a roda da proa, o forcado da proa, o forcado da ré e os bancos.

Pormenor da praia da Caparica, ed. Fotex, 144
Delcampe

1º. Escolha, serração e transportes das madeiras

De pinheiro manso são feitas as 16 cavernas e a roda da popa para os que não utilizam o carvalho. O pinheiro manso é escolhido quanto mais tortas forem as suas raízes e o tronco, este deve ter, pelo menos, 2 mil quilos. Do tronco do pinheiro são feitas as dragas, os bordos, as falcas, entre outras peças mais pequenas.

2º. Pregar as estacas

Num barco de 10 metros são necessárias 7 estacas de eucalipto para assentar a tábua da quilha e dos fundos. Estas têm comprimentos diferentes e são cortadas com base no “pau de pontos”, instrumento primordial na sua construção. São adicionadas ainda pequenas ripas ou tábuas para auxiliar esta construção. O comprimento do barco é que vai determinar a sua largura e a quantidade de estacas necessárias, como as suas dimensões e a distância entre estas e o tesado do barco. As tábuas da quilha e do fundo devem ser resistentes e ter a espessura necessária para suportarem dez anos de desgaste e corrosão. A utilização da chapa metálica para cobrir o fundo do barco não tem sido uma boa opção porque a areia que se acumula entre o metal e a madeira diminui a duração de vida do casco.

"Um dos instrumentos mais importantes na construção de um barco Xávega é o “pau de pontos”, um aparelho, que substitui o metro ou a fita métrica, sendo que todos os componentes do barco têm obrigatoriamente de obedecer ao pau de pontos. Usualmente, um pau de pontos consiste numa vara de metro e meio, de quatro faces iguais, aplainada, com cortes, ou ranhuras quase impercetíveis em todos os lados e a alturas diferentes de leitura só acessível aos carpinteiros navais da mesma arte. Associados, às ranhuras, há traços a lápis, com (ou sem) números, que também entram na medição das peças a construir."

Mestre Gadelha no estaleiro do Seixo segura o pau dos pontos.
Ricardo Salomão

3º. Pregar as tábuas da quilha, dos fundos, e respetivos braços

Início da construção do Saveiro, Paul Johnstone.
An unusual portuguese fishing boat

As tábuas da quilha e de aresta devem ter 10 metros de comprimento e 5 ou mais centímetros de espessura. Nas tábuas é exercida uma forte tensão de modo a estas atingirem a curvatura necessária, isto é feito com base no macaco, grampos e gatas. Aqui é necessário um elevado esforço físico. As dimensões das três cavernas da proa não são iguais às três da ré e as do meio são todas diferentes. Para a realização das cavernas é necessário limpar o pinheiro e as raízes, desmancha-las com a motosserra, fazer a medição com o pau de pontos e cortar e afarizar até esta estar concluída. Quando as 16 cavernas estiverem concluídas, a roda da proa e a da ré, os forcados e os braços também já devem estar operacionais para de seguida o Mestre dar início à construção, pregando as cavernas da proa e da ré à tábua da quilha e às tábuas do fundo, e posteriormente as cavernas do meio, os braços e a roda da quilha e da ré.

4º. Acavernar, pregar a roda da proa e a roda da ré os forcados e os braços
5º. Cintar o barco com as tábuas de verdegar
6º. Pregar os foliamentos no bico da proa e no bico da ré

Alves Redol e José Cardoso Pires, Fonte da Telha, 1957.
Hemeroteca Digital

Após essa operação vão ser pregadas às cavernas as primeiras tábuas do lado, as tábuas de verdegar. Depois o foliamento que é uma tábua de bico que se prega às cavernas e ao bico da proa e à roda da ré.

7º. Pregar os bordos, a capa da proa, as tábuas de fechar e a entre dois 

No final deste processo é necessário revestir o barco com tábua com as medidas dadas pelo pau de pontos. Primeiramente são pregadas as tábuas dos bordos, de seguida a capa da proa, as tábuas de fechar e as entre-dois.

8º. Dragar, pregar bancos e a entre dois do fundo
9º. Pregar as falcas

É necessário dragar o barco, isto é, pregar as tábuas de dentro, assentar os bancos e a tábua entre-dois do fundo. A draga é colocada acima das tábuas dos lados e dos foliamentos e abaixo das tábuas de forro. Para uma embarcação de 10 metros a dra-ga deve ter 7,5 metros por 25 centímetros de largura e 3 centímetros de espessura. O banco de remar possui duas partes, o banco e o grosso.

10º.Pregar os forros

De seguida são presos os forros, isto é, duas tábuas que se prendem às cavernas acima das dragas. Estes têm 8 metros de comprimento, 16 centímetros de largura e 2,5 de espessura. É aqui que são presas as labaças ou remadouros de metal onde irão depois assentar os remos.

11º. Pregar as labaças
12º. Pregar a capa da proa
13º. Fechar o barco

O passo seguinte é pregar as labaças e a capa da proa que serve para tapar os últimos buracos desta. Ao assentamento das últimas tábuas dá-se o nome de fechar o barco. Este fica pronto para a calafetagem e para pintura.

14º. Calafetar
15º. Abrir o buraco do motor

Em seguida é aberto o buraco onde irá encaixar o motor e é feita a calafetagem. As zonas calafeadas são enchidas por breu. As ferragens utilizadas no barco são os pregos e as cavilhas de ferro e madeira.

16º. Pintar
17º. Transportar para a praia

Por fim, o barco é pintado, por norma de três cores à escolha, o branco deve estar sempre presente nos costados, na proa e na ré. Os barcos possuem símbolos relativos à companha a que pertencem.

18º. Remos

Os remos são feitos de eucalipto e servem para equilibrar o barco quando as ondas são de maior dimensão. Servem, também, para substituir o motor quando falha. O remo tem 8,4 metros, tendo a pá menos de 20 centímetros

Construído o barco-do-mar e antes de começar a operar era necessário proceder à sua bênção e para esse feito, e para além do Padre da freguesia que se deslocava à praia e dentro do barco fazia a pequena cerimónia religiosa da bênção, era escolhida uma jovem de famílias de pescadores como madrinha da embarcação. (1)


(1)  O Barco do Mar, Museu de Espinho [Manuel Fidalgo, Barcos da Xávega: Tecnologia da sua Construção. Lisboa: Edições Colibri e INATEL, 2000]

Artigos relacionados:
Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)
A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão
A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone
Os nomes dos barcos (1 de 3)

Leitura relacionada:
Andreia Leite, Estaleiros e embarcações, A salvaguarda do património, 2004
Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

segunda-feira, 28 de junho de 2021

Bateira do Mar, o elo perdido

Barcos do tipo do barco do mar no Litoral Central

Ao sul do rio Douro, os barcos usados na pesca do pilado, diferentemente, eram de fundo chato, sem quilha, de roda de proa e cadaste em bico elevado, podendo andar igualmente a remos ou à vela, de um tipo geral relacionado com o barco do mar da pesca da xávega, na região litoral central do País, designadamente a costa de Aveiro.

Barco da Sardinha e Pescadores da costa de Lavos, Figueira da Foz, Portugal.
Delcampe

Dentro desse tipo geral, eles apresentavam-se também sob formas diferentes, em que, do norte para o sul, se vão definindo de maneira cada vez mais característica os seus traços fundamentais, e especialmente esse formato de meia-lua, em que os bicos da proa e da ré, e o arqueado do fundo, se acentuam progressivamente. São eles:
  1. a bateira da Afurada, de bicos pouco altos e fundo pouco arqueado, e que se encontra desde a Afurada até à Cortegaça ;
  2. as bateiras dos grupos da ria de Aveiro;
  3. a bateira do mar, de bicos extremamente elevados e fundo muito arqueado, semelhante, em mais pequeno, ao grande barco do mar, da xávega ;
  4. a bateira de Buarcos, de bicos pouco elevados e fundo muito menos arqueado;
  5. o barco de bico, da Nazaré, de bico de proa aguçado, mas de ré cortada muito larga. (1)
Como dissemos, o barco usado na Costa de Lavos para a pesca do pilado tinha a mesma forma dos grandes barcos da xávega, com o fundo chato muito arqueado, e a proa e a ré muito erguidas, mas aquela avançando e subindo num movimento forte, extremamente bem lançado; e não tinha leme. É pois um dos barcos chamados geralmente de meia-lua. O seu comprimento rondava os 8 m, com 2,40 m de largura; o barco desenhado era dos pequenos (des. 45 e 46).

Na proa há um espaço coberto, o cachulo, cuja boca tem, em cima, uma peça arqueada, o alvaçuz, firmada nas bordas contra um par de braços, e cujo fundo é um estrado fixo, já debaixo do cachulo ; funcionando como caverna e braços, há 2 peças largas, recortadas de modo a deixarem em cima uma abertura semicircular, e cujas pontas superiores, passando acima da cobertura, formam as mãosinhas para amarração do cabo do ferro. À ré há um pequeno banco rectangular.

Costa de Lavos, Bateira do Mar.
Actividades Agro-Marítimas em Portugal



(legenda da imagem acima)
1) Cachulo [céu da proa] ; 2) Alvaçuz [arco da proa] ; 3) Mãosinha [golfiões] ; 4) Cinta ; 5) Borda falsa ; 6) Talabardões ; 7) Verdugo; 8) Escalamão [tolete] ; 9) Draga; 10) Banco da proa; 11) Banco da ré; 12) Paneiro da proa; 13) Paneiro da ré; a) Pormenor do bico; b) corte da borda, fora dos talabardões ; c) corte da borda na altura dos talabardões.

Os braços do cavername têm, a quase todo o comprimento do barco, a mesma curvatura e inclinação ; apenas junto da proa e da ré estas variam. No sector em que estão os talabardões, nos quais assentam as barras que servem de chumaceiras dos remos, os braços do cavername são, em cima, cortados horizontalmente; nos restantes braços, essa parte é cortada parcialmente em bisel, o que dá origem à inclinação do interior da borda.

Tanto a roda da proa como a da ré têm secção losangular e são cuidadosamente executadas. A da proa é, no bico, talhada de modo a simular o prolongamento da cinta. A da ré é ainda mais elaborada, e a ela se adapta um remate que do mesmo modo prolonga a cinta e a borda falsa (des. 46 b).


Costa de Lavos, Bateira do Mar.
Actividades Agro-Marítimas em Portugal



(legenda da imagem acima)
a) Vista interior da proa; b) pormenores do remate da ré.

O barco é movido a dois remos.


Como o barco pode varar de proa ou de ré, há no exterior do costado 2 ganchos a cada lado. Cravada na roda da ré há uma peça de ferro para a alagem do barco.

A bombordo, logo adiante do banco da ré, e adaptada a 3 braços do cavername, há uma tábua larga fazendo um banco a meia altura do costado. Banco semelhante mas mais pequeno está a estibordo, logo à frente da antepara da ré. (2)


(1) Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira, Actividades Agro-Marítimas em Portugal
(2) Idem

Artigos relacionados:
Anatomia comparada
Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)
A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão
A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone
Os nomes dos barcos (1 de 3)

Leitura relacionada:
As bateiras, genealogia, tipologias, distribuição
Manuel Fidalgo, Barcos da Xávega: Tecnologia da sua Construção. Lisboa: Edições Colibri e INATEL, 2000
Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Antonio Arthur Baldaque da Silva, Estado actual das pescas em Portugal, Imprensa nacional, 1892

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

sábado, 26 de junho de 2021

A ascendência dos barcos tradicionais portugueses (o Barco da Xávega ou Barca do Mar)

E o mesmo Museu [de Marinha], e também estranhamente, indica que o “Meia Lua” da Costa da Caparica, é um “Saveiro”, sem ter em conta que o Saveiro era o barco utilizado no Douro para a pesca do sável, designativo que já vem mencionado em documentos desde 1254, como “barca séeyra” ou em 1258 como “barco savaleiro”.

Costa da Caparica, Meia-lua, Paul Johnstone.
Portuguese fishing boats, Country Life Magazine, 1966

Tudo isto engendrado a partir das semelhanças das rodas de proa e popa em arco e da falta de algum bom senso na caracterização das embarcações, pois que todos nós teríamos a obrigação de saber que as conclusões retiradas apenas de semelhanças, são extremamente perigosas (...)

Povos havia que levavam a bordo grossas traves para que, numa situação destas, ao chegar a terra, as pudessem atravessar sobre os bordos, e que presas aos costados e sus-pensas aos ombros das tripulações, pudessem ser arrastadas, mais do que transportadas, para local seguro.

As provas disto estão escritas nos trabalhos de Homero, e até esta prática se podia encontrar em Portugal, em tempos idos, vendo o modo das companhas das Meias-luada Costa da Caparica trazerem os barcos para o areal, a salvo da rebentação das ondas.

Portanto, as proas e popas levantadas em arco mais ou menos fechado de alguns dos nossos barcos tradicionais, não são prova suficiente de que descendam seja de que barcos forem. Os “barcos de mar” de qualquer povo, em qualquer parte do Globo, eram assim construídos. (1)

Início da construção do Saveiro, Paul Johnstone.
An unusual portuguese fishing boat

Iremos tentar estudar os dois diferentes tipos de barcos que até nós chegaram, ou seja, os barcos de fundo chato, porque esta é uma das características comuns a todos, e que atesta a sua antiguidade, além de outras, e os barcos já com esboço de quilha:
  • um tipo cujas rodas de proa e popa eram pregadas directamente ao fundo e subiam em linha oblíqua, de que apenas existem dados para o Rabelo e Rabão, também chamado de Valboeiro.
  • e o outro tipo, com as proas muito levantadas em arco fechado, oferecendo o aspecto de uma meia-lua, de que ainda ficaram alguns dados, poucos, sobre a sua técnica de construção antiga, como sejam os Barcos da Xávega, ou Barcas de Mar e a Meia-Lua da Caparica, que é uma versão mais curta e mais estreita do Barco da Xávega, assim como o Mercantel, o Moliceiro, a Salineira e a Bateira do Norte.
  • O Saveiro constitui um caso à parte, e como tal será tratado (...)
O “barco de mar” veio do Norte para Ílhavo, Figueira da Foz, Mira e Peniche, daí para a Caparica e para o Algarve. (2)

Costa da Caparica, Cavername do Meia-lua.
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory
É deprimente constatar-se a falta de Monografias e de desenhos ou fotos que tivessem acompanhado a construção de um dos barcos de pesca mais antigos do mundo ocidental.


Existem barcos destes em muitos Museus, incluindo o nosso Museu de Marinha, constroem-se réplicas um pouco ao deus-dará por fotografias ou desenhos modernos, mas do seu passado, e da forma como eram construídos, muito pouco se sabe.

E desse muito pouco, ganham vulto as quatro fotografias que Johnstone publicou, e que por isso deram a volta ao mundo dos estudiosos destas matérias.

Das fotografias publicadas por Johnstone, a mais importante é aquela de uma meia-lua da Costa da Caparica e outra que agora repetimos abaixo. A fotografia ao lado, representa a tal Meia-lua. Johnstone deve ter ficado impressio-nado com as formas exteriores do barco, que o tornam descente directo do Barco da Xávega, mas desiludido quando observou o seu interior, pois não podia de ter deixado de reparar nos pormenores que demonstram que era um barco antigo, sem dúvida, mas sucessivamente modernizado na sua construção:
  • as balizas já são de três peças, uma caverna e dois braços, como vimos na construção do Rabelo, o braço formando um L muito curto, que vai embara-çar com a caverna junto ao costado.
  • tem toletes ajustados à posição de cada banco, o que quer dizer que os remadores remavam sentados, em oposição aos barcos da xávega e saveiros, que remavam de pé virados para a proa, empurrando o remo em vez de puxar por ele.
Quanto à fotografia do que ele chama saveiro, e que ele também diz que é o barco da xávega, ao contrário do que se vê na legenda, não é um saveiro em construção, mas um cenário montado para mostrar como é que se construía um saveiro. Repare-se bem:
  • o fundo não está completo, logo sobre ele não podiam ser montadas cavernas, nem poderia estar montado no picadeiro;
  • não tem ainda assente, nem de um lado nem do outro, sequer a primeira fiada do tabuado do costado, onde forçosamente se teria que encostar e fixar o braço, o que confirma a nossa primeira observação;
  • as cavernas ainda nem sequer foram afeiçoadas, são praticamente os paus em bruto tal como acabaram de ser serrados.
Costa da Caparica, Cavername em "L", Paul Johnstone.
To illustrate the monuments

Esta fotografia provêm de uma encenação que o construtor naval muito provavel-mente montou para o “senhor estrangeiro” que o visitava. Mas note-se, não é falsa nem dolosa – as madeiras estavam lá, cortadas, o barco estaria a ser, ou iria ser construído e Johnstone não poderia perder a oportunidade de fotografar, nos dias de hoje, uma técnica milenar. E ainda bem que o fez.

No entanto, a sua descrição das fases de construção, por não a ter compreendido em face do que lhe mostraram, é sintética e pouco clara, ou em abono da verdade, totalmente confusa. Mas num outra comunicação fez melhor.

Quando se começa a estudar a não muita Bibliografia portuguesa publicada sobre os nossos barcos tradicionais e barcos de pesca do passado, de uma forma geral muito pouco investigada, a primeira vontade que nos dá é a de largar imediatamente o trabalho e abandonar o estudo, tantas são as afirmações não comprovadas, as confusões cronológicas e a atribuição de errados nomes a vários tipos de embarcações.

De todos estes trabalhos que consultámos, o que apresenta um estudo mais cuida-doso baseado numa Bibliografia extensa, é a do Dr. Armando de Mattos que, por isso mesmo vamos continuar a seguir. (3)


(1) Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
(2) Idem
(3) Idem, ibidem

Artigos relacionados:
Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)
A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão
A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone
Os nomes dos barcos (1 de 3)

Leitura relacionada:
Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

segunda-feira, 21 de junho de 2021

O Oceano saindo para o mar

Os pescadores sentiam-se na obrigação de assumir a responsabilidade de continuar com a tradição de governar as artes de pesca que eram herdadas dos pais não as deixando ficar nas mãos de outrem. (1)

Saída de barco para a pesca, meia-lua Oceano.
Arquivo Municipal de Lisboa

Mestre Manuel Vicente, casou em 1855 com a filha de Salvador Joaquim Félix, Lucinda Maria Rodrigues, herdeira da arte do marido após o seu falecimento
[Apolo, 1921, T-95-F, Comp: 08,80; Boca: 1,84; Pontal: 0,60; T: 3000 e Dois de Maio (comprado em Ovar), Comp: 08,63; Boca: 2,00; Pontal: 0,6é; T: 2081]. Foram pais de Cecília Maria Rodrigues. (2)

Manuel dos Santos Mau, era casado com a filha de Mestre Manuel Vicente, Cecília Maria Rodrigues que depois do falecimento do marido continuou como mestra da arte [Oceano, 1923, Comp: 09,80; Boca: 2,55; Pontal: 0,90; T: 5040].  (3)


(1)  Mário Silva Neves, Tu, Costa Minha!... o passado e o presente, 2002
(2)  Idem
(3)  Idem, ibidem

Artigo relacionado:
O nome dos barcos (2 de 3)

sábado, 19 de junho de 2021

Bulhão Pato por Raphael Bordallo Pinheiro em 1870

Agora temos o meu velho amigo Bulhão Pato em extasi poetico, esquecido da caça e ludibriado pelas perdizes e pelos coelhos e lebres em cuja perseguição saira a campo. Descobriu porventura alguma nova "flor agreste" e medita principiar por ella outro volume tão desejado pelos que leram o primeiro. Acaba gentilmente com esta caricatura o primeiro fasciculo da sua obra. (1)

Bulhão Pato por Raphael Bordallo, Pinheiro (1846-1905).
O calcanhar d'Achilles, album de caricaturas, 1870.
Museu Bordalo Pinheiro

Tem licença amplissima para publicar a minha caricatura.
Que ha n'ella d'offensivo?
Apenas uma coisa; mas essa é co 'a minha vaidade:
Quando o seu lapis me desenhou com a face esqualida, a mão espalmada, as pernas como dois finissimos floreies, quer-me parecer que fez mais um retrato do que uma caricatura.

Seja como for, acceite um aperto de mão agradecido do seu
Admirador o do seu amigo
Lisboa, Março de 1870

R. de Bulhão Pato (2)



(1) Teixeira de Vasconcellos, Raphael Bordallo Pinheiro, O calcanhar d'Achilles... 1870
(2) Bulhão Pato, Raphael Bordallo Pinheiro, O calcanhar d'Achilles - album de caricaturas, 1870

Artigo relacionado:
Retratos de Bulhão Pato

Leitura relacionada:
Raphael Bordallo Pinheiro, O calcanhar d'Achilles - album de caricaturas, 1870

Mais informação:
Museu Bordalo Pinheiro

Tema:
Bulhão Pato