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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Mar da Calha

Na grande fortaleza de S. Julião, que cruza os seus fogos com a do Bugio, e nesta torre, marcando e limitando ambas as entradas do porto de Lisboa, estão montados os competentes pharoes.


Uma chalupa armada emergindo da foz do Tejo passado o Bugio, Thomas Buttersworth (1768 – 1842).
Imagem: Bonhams

O pharol da torre de S. Julião data de 1785, e é de luz fixa e branca, com o alcance de 12 milhas. E de 4.a ordem, tem próximo um posto semaphorico, e fica á latitude N. de 38° 42' 22" e á longitude W. de 9° 19' 27" de Greenwich.

A estação semaphorica communica-se com a estação central de Lisboa e com a torre do Bugio por meio de telephone.

Veleiros no Tejo junto ao Bugio, Carlos Ramires, 2014.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Na torre está estabelecido um posto de soccorro a náufragos.

A SW. da fortaleza ha uma restinga chamada ponta da Lage, a qual entra pelo mar dentro, descobrindo na baixa-mar, e que tem cerca de meia amarra de comprimento [1 amarra eq. 120 braças; 1 braça eq. 8 palmos, c. 1,76m].

Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa (detalhe), Francisco M. Pereira da Silva, 1857.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Quando, na entrada da barra, se enfia a guarita cylindrica de NE. da fortaleza com a parte leste da muralha da mesma fortaleza, é signal de estar passada a ponta da Lage, a que era mister dar resguardo, e pôde então a navegação seguir sem receio.

A torre do Bugio, ou fortaleza de S. Lourenço, é circular e levantou-se das aguas no século XVII, tendo desde 1755 montado um pharol, que é hoje de luz branca, fixa, com um clarão vermelho de 20'' em 20'', de 3.a ordem, e com o alcance de 15 milhas, illuminando 360°.

Bugio, Defesa maritima de Lisboa, gravura João Pedroso, Archivo Pittoresco, n 30, 1862.
Imagem: Hemeroteca Digital

Foi esta torre construída no logar da Cabeça Secca, separada da torre pela golada do Sul, ou do Bugio, que só dá passagem a pequenas embarcações. O seu apparelho dioptrieo está 26 metros acima do nivel do mar, na latitude N. de 38° 39' 31" e na longitude W. do 9° 17' 52" de Greenwich.

São estas luzes de capital importância para a navegação que demande o porto de Lisboa.

Desde este ponto continua a costa para o S. em uma larga curvatura, e é formada por um extenso areal, e limitada ao longe pela serra da Arrábida e de S. Luiz, que se estende para ENE. do cabo Espichel, e que termina no pico do Formozinho, 500 metros acima do mar.

Linha de costa da Torre do Bugio ao Cabo Espichel (fotomontagem).
Observam-se as elevações moinhos do Chibata, Monte Córdova (Serra de S. Luís) e Serra da Arrábida, conforme descrito no Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa, Francisco Maria Pereira da Silva, 1857.
Imagem: AVM

Na serra de S. Luiz, o pico mais elevado é o Monte Córdova, que se apresenta de forma circular, quando é enfiado pela torre do Bugio.

No extremo mais occidental de terra, a partir do Bico da Calha, que é a ponta de areal em que termina a margem esquerda do Tejo, depara se primeiro, a 2 milhas para o S., o forte da Vigia, a 850 metros, e por E. 4 3/4 SE. do Bugio o reducto de Alpena [...]

Fragata HMS Lancaster (F229) na foz do Tejo.
Observam-se em 2° plano a Cova do Vapor e a rebentação das ondas fora da barra.
Imagem: Barcos no Tejo

Barra de Lisboa — A entrada do Tejo fica situada entre as torres de S. Julião e do Bugio, que distam 2:750 metros uma da outra, e entre o Bugio e o Bico da Calha, ou ponta do cabedelo do S. 

Dois grandes bancos se prolongam para o mar na direcção geral de NE.-SW., que se denominam Cachopo do N. e Cachopo do S., ou Alpeidão. 

Formam estes cachopos dois canaes, o do N., ou corredor do N., que fica entre o cachopo do N. e a torre de S. Julião da Barra, e o do S., ou Barra Grande, que fica entre os dois cachopos indicados.

Alem d'estes canaes ha um outro, estreito, pouco fundo e variável em planta, chamado Golada, entre a torre do Bugio e a terra.

O cachopo do N. estende-se naquelle rumo por 5:500 a 6:500 metros. 

O do S. é formado da cabeça do Pato, das coroas de Santa Catharina e do cachopo propriamente dito.

Sobre a primeira parte ha peio menos 10 a 12 metros de agua.

As coroas de Santa Catharina ficam entre a cabeça do cachopo e a do Pato. 

Este cachopo do S., ou Alpeidão. na extensão proximamente de 5:500 metros, é um banco de areia, que descobre em baixa-mar em diversos logares.

O banco, ou barra que liga os extremos dos cachopos pelo W., fica entre a cabeça do Pato e o Espigão, na máxima largura de 3:700 metros, e forma grande escarcéu com ventos do quadrante do SW., levantando ás vezes um rolo do mar, ou arrebentação, que fecha de um lado ao outro o canal da barra e offerece nessas occasiões perigo em arrostar com elle.


Esta barra é descripta pelo distincto hydrographo e geographo Franzini, no seu Roteiro das costas de Portugal, publicado em 1812, nos seguintes termos:
"A barra de Lisboa (a melhor e única da costa de Portugal, que admitte em todos os tempos a entrada dos maiores navios), é formada pelos baixos seguintes:

A S. 35° O. da fortaleza de S. Julião, na distancia de 280 braças, está situado o extremo NE. de um baixo de pedra, a que chamam o Dente do Cachopo cujo baixo se prolonga 2 milhas e 3 décimos a S. 65° O. com pouco fundo, tendo umas 300 varas de largura, e sobre o qual rebenta o mar, quando é agitado pelos ventos do 3.° e 4.° quadrantes.

Chamam Barra pequena, ou Corredor, o canal que fica entre o sobredito Cachopo e a costa do N., o qual tem sempre desde 8 até 10 braças de fundo na baixa-mar.


Plano hydrográfico do Porto de Lisboa e costa adjacente até ao cabo da Roca,
Marino Miguel Franzini, 1806.
Imagem: GEAEM Instituto Geográfico do Exército

Uma milha a SO. do extremo occidental d'este cachopo, e quasi N.-S. com a fortaleza de Santo António da Barra, está a Cabeça do Pato, que é um baixo-fundo, no qual se não encontra menos de 6 a 7 braças de agua em baixa-mar; mas que não obstante se deve evitar, especialmente em tempos borrascosos, podendo acontecer que na descida de uma grande vaga cheguem a tocar nelle as embarcações, que demandam muita agua.

Ao S. 55° E. de S. Julião, na distancia de uma milha e 4 décimos, está a Torre do Bugio, formada por dois corpos circulares concêntricos, no meio dos quaes se eleva uma pequena torre em que está o pharol, na altura de 63 pés.

Os dois recintos são edificados sobre um baixo de areia muito extenso, que se cobre no prea-mar, deixando a torre perfeitamente ilhada.

O dito baixo, ou Cachopo do Sul, denominado também da Alcáçova, ou Alpeidão, prolonga-se 2 milhas ao SO., e forma o do Norte, um grande canal, a que chamam a Barra Grande, cuja menor largura é de uma milha e um decimo, com 10 a 18 braças de bom fundo, a não ser perto dos dois mencionados cachopos, em que só ha 6 ou 7 braças, as quaes diminuem de repente.

A frota francesa commandada por Roussin força a entrada do Tejo, Pierre-Julien Gilbert, 1837.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

A torre do Bugio deve considerar-se como o extremo SO. do Rio Tejo, por que ainda existe, entre ella e a costa da Trafaria, um pequeno canal (que sempre conserva alguma profundidade, e cuja direcção soffre muitas alteracoes); comtudo, é tão estreito, que na baixa-mar quasi se juntam as areias da costa com as do baixo, formando uma vasta praia, até a sobredita torre.

Este grande baixo forma uma semelhança de enseada aberta ao 3., na qual se acham 5 a 7 braças de fundo.

Estes dois cachopos podem considerar-se reunidos por uma espécie de banco, situado 3 milhas e meia ao SO. das torres de S. Julião e Bugio, o qual corre em direcção perpendicular á barra; porem, como o seu menor fundo é de 8 para 9 braças, segue-se que qualquer embarcação poderá navegar afoitamente por elle em todas as circunstancias.

Logo para dentro d'este banco cresce o fundo regularmente de 15 até 20 braças, que conserva pelo meio da mesma barra".

Esta descripção, muito precisa e exacta, é perfeitamente applicavel á actualidade, em que a profundidade da barra e a disposição dos canaes e dos bancos submarinos teem sido modificadas muito pouco, como terei occasião de mostrar [...]

Costa da Caparica, Bairro de Santo António e Foz do Tejo, ed. Passaporte, 2, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

Na margem esquerda do Tejo, que principia na ponta da costa, ou bico da Calha, existe um grupo de pedras, conhecido pelo nome de Calhaus do Mar, que fica a duas e meia amarras do areal da Trafaria, que é uma povoação de pescadores, hoje muito concorrida na época balnear.

Trafaria — Vista geral da praia, ed. J. Quirino Rocha, 06, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O seu bello areal estende-se até o bico da Calha, continuando para o S. na costa oceânica.


(1) Loureiro, Adolfo, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, Vol III parte 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906

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terça-feira, 14 de junho de 2016

Trafaria e Cova do Vapor em 1946

A Trafaria é uma capital de freguesia de que depende também a Costa de Caparica.

Trafaria (Portugal), Vista geral e rio Tejo, ed. Martins/Martins & Silva, 28, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Esta localidade tinha, em 1940, 1716 habitantes, repartidos em 679 lareiras e cerca de 700 famílias, das quais hoje [1946] apenas 40 vivem bem.

Há na Trafaria 330 famílias indigentes, o que quer dizer que cerca de 50% da população se encontra nesta má situação económica.

A localidade foi, na sua origem, uma aldeia de pescadores.

Aproximadamente no ano 1914, vieram instalar-se nela 3 fábricas de conservas de peixe.

Nesta altura, o peixe abundava na costa da Trafaria, de tal modo que as fábricas empregaram, além dos homens locais, operários que ali chegaram de fora.

Transporte da sardinha na Trafaria, Joshua Benoliel, início do século XX.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Mas actualmente, como já o dissemos, não se acha peixe nenhum perto da costa. Ora, os pescadores não estão apetrechados para poder pescar ao largo da costa.

Trafaria, João Ribeiro Cristino da Silva, 1933.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

De maneira que a base económica da Trafaria deixou de existir.

As duas fábricas de conservas não trabalham senão por intermitência, e a população local caiu na miséria.

O único expediente da localidade reside no facto de o desembarcadouro para os turistas da Costa de Caparica estar neste ponto da margem Sul do Tejo.

Les amants du Tage, Henri Verneuil , 1954.
Imagem: CAIS DO OLHAR

A Trafaria é portanto um lugar de trânsito e de estacionamento para os autocarros desta carreira.

Trafaria, paragem de autocarros, Mário Novais, década de 1940.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Existem em volta do embarcadouro vários cafés e restaurantes que servem principalmente os turistas de Lisboa e que estão particularmente frequentados nos domingos de Verão quando multidões enormes se encaminham para a grande praia da Caparica e inundam mesmo a praia local.

A praia da Trafaria não é conveniente para os banhos de mar, pois que as correntes do Tejo trazem para cá e acumulam em frente dela todos os despejos dos esgotos de Lisboa.

A primitiva aldeia nasceu de um triângulo natural disposto entre o Tejo e as duas encostas de um vale que aí desemboca; as casas mais antigas, por vezes muito pitorescas, estão aí agrupadas.

A localidade cresceu depois mais para o fundo do vale e ao longo da estrada (ramal da E.N. nº. 76-2ª) que liga com a Costa de Caparica.

Trafaria, Estrada da Costa, ed. Manuel Henriques, 16, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Construiu-se tudo em grande desordem.

Há um número exagerado de ruas, muitas das quais são demasiado estreitas, e todas elas (ou quase) não tem arranjo nenhum, nem são conservadas de qualquer maneira.

Reina em muitos sítios um cheiro desagradável por falta de instalações sanitárias nas casas.

Há horríveis barracas, feitas com pranchas e com ferro-velho, e um grande número de casebres de todas as espécies que servem como habitação para uma grande parte da população, que por causa disso sofre de todos os danos físicos e morais.

A tuberculose reina aí.

Ouvi dizer que não era raro verificar que numa destas barracas minúsculas habita uma família numerosa composta por 12 ou 13 pessoas, o que cria uma porcaria inimaginável e uma promiscuidade depravadora.

Felizmente, a Trafaria possui uma boa escola primária e um bonito mercado.

Trafaria — Avenida Florestal, ed. Alberto Aguiar, década de 1930.
Imagem: Delcampe

Está actualmente em obras um pequeno "bairro para pobres".

As suas casas são bem pequenas, mas a sua criação respondeu a uma necessidade imperativa e deve ser considerada como o primeiro passo para o melhoramento da saúde física e moral dos indigentes da Trafaria.

O bairro contém 36 casas com 3 divisões, e 14 casas com 4 divisões.

As casas estão dispostas numa parte da mata do Estado e estão rodeadas de árvores que será preciso conservar na medida do possível.

Na parte Este da Trafaria, num terraço acima do rio, há uma cadeia militar e, na parte Sudoeste do vale, um quartel.

Nos pontos altos que dominam a região estão instalados dois fortes, e a maior parte da mata que veste os declives do planalto é pertença do Ministério da Guerra (zona militar).

No entanto, há também atrás da estrada nacional, uma linda encosta arborizada que não constitui parte deste domínio militar e do alto do qual se disfruta uma vista esplêndida sobre o Tejo e sobre as vastas paisagens da banda oposta.

Trafaria, Valle da Enxurrada, ed. J. Quirino Rocha, 3, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Algumas pessoas muito espirituosas colocaram ali umas casinholas de fim-de-semana.

O sossego, a frescura e a beleza da vista de que elas gozam são objecto de inveja.

Grandes e lindas matas estendem-se ao pé desta encosta e a Oeste da Trafaria e pertencem ao Estado e à Companhia das fábricas de Explosivos.

Nos domingos de Verão, estas matas estão cheias de pessoas que aí resolveram fazer um pic-nic, vindas de Lisboa, o que é muito natural, visto estas florestas serem as mais acessíveis aos habitantes da capital, entre todas as dos seus arredores.

Com efeito, a passagem do Tejo num barco é muito agradável e não custa caro.

Infelizmente, o facto de haver nesta mata duas fábricas de explosivos, com os seus respectivos depósitos, constitui um perigo para toda esta gente, perigo que se agrava à medida que cresce o número da população local e dos passeantes.

Não devemos perder de vista a possibilidade de qualquer falta de cuidado da parte dos fumadores ou das mães de família que trazem consigo pequenos fogões para poderem cozinhar durante estes dias feriados.

Ora, vemos ao longo da praia da Trafaria uma verdadeira muralha contínua, feita de pedaços de madeira: são as barracas fixas para o “camping”, quase encostadas umas às outras, cuja construção foi autorizada pela Direcção do Porto de Lisboa, sem que tivesse sido aplicada uma regulamentação severa.

Trafaria, Praia dos Banhos, ed. J. Quirino Rocha, 4, década de 1900.
Imagem: Delcampe

É fácil imaginar que um incêndio venha, num dia qualquer, a estalar neste agrupamento perigoso, transformando-se forçosamente num braseiro que porá fogo à mata.

Este poderá chegar até aos depósitos de explosivos, que se encontram nela e mesmo bastante perto das ditas barracas.

Nestas condições é lógico preconizar o afastamento das fábricas de dinamite para fora deste sítio já tão povoado.

[...] a "Cova do Vapôr", um pequeno porto formado por uma enseada entre as dunas, perto da embocadura do Tejo.

Trafaria, Ponte de embarque, ed. Manuel Henriques, década de 1900.
Imagem: Restos de Colecção

Sobre a língua de areia que se formou entre o rio e o mar, ergueram-se minúsculas barracas de madeira, sobre estacaria, construídas nas parcelas das dunas que alugou aos seus proprietários a direcção do Porto de Lisboa. São casas de fim-de-semana ou de "camping".



Trafaria, casa na Cova do Vapor, 1949.
Imagem: Público

Lamento ter de dizer que tudo isto foi construído na maior desordem possível: as casinholas estão demasiado perto umas das outras e apresentam, no seu conjunto, o aspecto de uma aldeia de pretos.

Trafaria, casa na Cova do Vapor, 1952.
Imagem: Público

Não têm nem água, nem esgotos. As águas usadas e tudo o resto deita-se na areia, que se torna progressivamente insalubre e de mau cheiro. (1)


(1) Gröer, Etienne de, Plano de Urbanização do Concelho de Almada, PUCA, Análise e Programa, Relatório, 1946, mencionado em Anais de Almada, 7-8 (2004-2005), pp. 151-236.

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