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quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Sarah Affonso por Mário Domingues e com Fernanda de Castro

Sarah Affonso, embora ao primeiro golpe de vista nos recorde imediatamente a pintura mole de Columbano, possui, entretanto, qualidades suas que deve lutar por conservar ou desenvolver. Os retratos que apresenta são tecnicamente bem feitos — academicamente falando. Possuem, entretanto, um quê de impalpável que só consegue fixar nas obras de arte quem tem alma para sentir. Desses retratos ressalta ainda uma qualidade que não se assimila: o carácter. Há um certo à-vontade que só obtêm aqueles que têm um pensamento superior a nortear-lhes o pincel (...)

Autorretrato (detalhe), Sarah Affonso, 1927.
MNAC

D. Sarah Affonso devia — que nos seja permitido dar conselhos — fazer as malas, meter-se no Sud-Express e desembarcar em Paris (Sarah Affonso esteve em Paris, em 1923-1924 e em 1928-1929). Nessa cidade entregar-se-ia ao estudo dos pintores modernos e antigos, clássicos e bizarros. Veria tudo com olhos de ver, examinaria sem parti-pris, abriria a sua alma às mil almas de artista que, por intermédio da arte, pudesse conhecer (...) (1) 

Mário Domingues, revista Ilustração 16 de fevereiro de 1928 (detalhe).
Biblioteca Nacional de Portugal


Em 1924, Sarah parte para Paris o que não a impede de, no ano seguinte, em 1925, desenhar a capa e ilustrar a primeira edição de Mariazinha em África de Fernanda de Castro. A obra viria a ser reeditada 10 vezes com ilustrações de diferentes autoras: Sarah Afonso, Ofélia Marques e Inês Guerreiro que foi a única discípula de Sarah.

Em 1927, nasce o segundo filho de Maria Fernanda, Fernando Manuel; para a festa do baptizado realizado na Igreja dos Anjos em Lisboa, é convidado apenas, além da família mais chegada, um grupo restrito de amigos (Sarah Affonso, António e Narcisa de Meneses, os primos Pedro e Maria Helena Ferro da Cunha, Raul Feio, e outros).

Em 1928, Sarah imortaliza Fernanda de Castro com seu filho António, num óleo sobre madeira cuja reprodução viria a ilustrar a capa de Ao Fim da Memória I 1906-1939, de Fernanda de Castro, em 1988. Ao longo dos anos, Sarah vai fazendo desenhos para várias camisolas dos pequenos António e Fernando que, alternadamente com Fernanda de Castro, vai bordando.

Fernanda de Castro e Antoninho Gabriel por Sarah Affonso, 1928.
MNAC/Flickr

Em 1929, Janeiro, depois de uma estadia de cinco meses em Paris, Sarah recebe a notícia de que a sua mãe está muito doente e escreve a Maria Fernanda aconselhando-se sobre se deveria voltar a Portugal ou ficar em Paris. Pede-lhe que visite o médico da mãe para melhor poder entender o seu real quadro clínico pois

"Se deixo Paris agora todo o esforço será perdido. Sem receber uma resposta, não tenho coragem de tomar uma resolução. Se for só uma crise, a minha pobre mãe que tenha paciência mais uma vez, tenho lá duas irmãs que são já umas mulheres e podem tratá-la. Se for grave, irei então cheia de resignação… Peça conselho ao António."

Lamentavelmente, o estado de saúde da mãe de Sarah agrava-se o que a obriga a voltar para Portugal. Depois da morte da mãe e devido à ausência do pai, Sarah vê-se responsável pelos irmãos o que a impede de voltar para Paris.

Ilustra e desenha a capa para As Aventuras de Mariazinha, de Fernanda de Castro obra que viria a ser reeditada em 1935 com o título de As Aventuras de Mariazinha, Vicente e Comp.ia (romance para meninos) e, em 1959, com capa e desenhos de Viviane e o título de Novas Aventuras de Mariazinha.

Em Julho de 1930, da Costa da Caparica, volta a escrever à amiga:

"Está aqui muita gente, relações antigas e outras recentes. Eu trouxe grande conhecimento de livros, materiais de pintura. Para encher o tempo faço bolos, experimento receitas de petiscos e o tempo há-de passar… Apesar de tudo sempre é melhor estar aqui que em Lisboa. E você como vai com as suas costuras? Grande sucesso na exposição? Lembra-se de que me prometeu uma visita?"

A Praia do Sol, Costa Caparica, ed. Acção Bíblica Casa da Bíblia, c. 1930.
Casa Comum


"Venha com os seus pequenos. Mas venham de manhã, almoçam connosco. O vapor é em Belém. Na Trafaria tem camioneta para aqui. A nossa casa é à entrada da povoação. Traga costura. Se quiser traga um vestido dos de Grés que eu bordo-o e depois levo-lho."

O alar das redes por Sarah Affonso.
Jornal Praia do Sol, 15 de Março de 1950

Ainda nesse Verão, a 4 de Setembro, escreve de novo, num grito de desespero, o espírito quase quebrado:

"Há dias em que nas 24 horas, estou 15 na cama! Pouco a pouco vou perdendo as ilusões que por vezes me levavam a fazer perguntas, há falta de melhor, estou sem grande gosto pelo trabalho e vai-me faltando a força para reagir. Sinto que isto já deu o que tinha a dar, e a Sarah Afonso ficará na história (?) como uma risonha esperança (...)" (2)


(1) Mario Domingues, Os trabalhos dos alunos da Academia de Belas Artes, Revista Portugueza, 1923 cit. em Emília Ferreira, Forte, para resistir, Sarah Affonso, um percurso ímpar no modernismo português, 1999
(2) Sarah Affonso e Fernanda de Castro, Uma história de duas vidas por Mafalda Ferro

Artigos relacionados:
Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)
Sarah Affonso
Mário Domingues (1899-1977), escritor
Ao fim da memória
A casa cor-de-rosa

RTP Arquivos:
Sarah Afonso: Biografia do Centenário 1899-1999

Mais informação:
O primitivismo na pintura portuguesa (1905-1940)
Programa de exposição de Sarah Afonso no Salão Bobonne, em Lisboa. Nota introdutória de António Ferro, 18 de Janeiro de 1928
Arte e Género, Mulheres e Criação Artística, Faculdade de Belas-Artes
Emília Ferreira, Forte, para resistir, Sarah Affonso, um percurso ímpar no modernismo português, 1999
Maria João Gomes Pedro, Sarah Affonso, vida e obra, 2004 (3 vols.)
Sarah Affonso (Google Arts & Culture)
Sarah Affonso (MNAC)
Sarah Affonso (Centro de Arte Moderna Gulbenkian)
Sarah Affonso (Fundação Mário Soares e Maria Barroso/Casa Comum)
Almanak Silva: Mariazinha africanista



Sobre o percurso de Sarah Affonso, ver (cf. A. Santos Silva, Ofélia Marques (1902-1952)...);
CONDE, Idalina, «Sarah Affonso, mulher (de) artista», in Análise Social, vol. XXX (131-132. 2º-3º), p. 459-487;
CONDE, Idalina, «Reencontro com Sarah Affonso», in LEANDRO, Sandra, SILVA, Raquel Henriques da (coord.), Mulheres Pintoras em Portugal: de Josefa d’Óbidos a Paula Rego, p.129-161;
NEGREIROS, José de Almada, «Sarah Affonso», in CASTRO, Zília Osório de, ESTEVES, João Gomes (dir.), Dicionário no Feminino (séculos XIX-XX), p. 850-851;
PEDRO, Maria João Gomes, Sarah Affonso – vida e obra, vol. I. 

sábado, 17 de setembro de 2022

Retratos som Bá e Manuel Mendes, Ofélia e Bernardo Marques

Bernardo Marques (1898-1962)

Bernardo Marques inicia os seus estudos no liceu de Faro, matriculando-se, em 1918, na Faculdade de Letras de Lisboa para cursar Filologia Românica. Aí conhece a sua futura mulher, também artista, Ofélia Marques. A vinda para Lisboa possibilitou-lhe o contacto com a vida boémia da capital, realizando nestes anos estudantis os seus primeiros desenhos. Expõe pela primeira vez em 1920, no III Salão de Humoristas. Em 1921, abandona o curso de Letras, optando em definitivo pela carreira artística. Dedica-se com especial afinco ao desenho, vertente que nunca abandonaria ao longo dos seus 40 anos de carreira, numa opção em parte motivada pela alergia aos materiais da pintura a óleo.

Pedro, romance de Manuel Mendes publicado em 1954 com ilustrações de Bernardo Marques e dedicado à memória de Bento de Jesus Caraça.
(exemplar anotado pelo autor para uma segunda edição)

Casa Comum

Em 1924, casa-se com Ofélia e passam a viver no mesmo prédio no Bairro Alto onde António Ferro e Fernanda de Castro (v. apontamento relacionado: Ao fim da memória) habitavam à época. Esta vizinhança torna-se o ponto de partida para uma longa amizade entre Marques e Ferro. (1)

Costa da Caparica, Quinta de Santo António (vivenda Engrácia?), década de 1930.
A partir da esquerda: Berta Mendes, Fernando Lopes Graça
(1906-1994), Ofélia Marques (1902-1952), Bernardo Marques (1898-1962), Manuel Mendes (1906-1969)
, Bento de Jesus Caraça, e Cândida Caraça (e os cães Anica e Maigret).
Casa Comum

No caso que estamos a analisar, sendo verdade que Bernardo pertence às especificidades da geração de 20, e à de 30, e à de 40 pelo lado da estética oficial, é também verdade - e mais produtiva - que ele está nelas com uma distância, irónica e bastante atormentada, e que essa distância lhe permitiu autonomizar-se nos anos 50, quando o modernismo se encerrava e eclodiam novas problemáticas plásticas.

Retrato imaginado enquanto criança,
Bernardo Marques.
Ofélia Marques (1902-1952), CAM, Gulbenkian

E, se esta evolução pessoal não lhe deu lugar na cena artística contemporânea, tal aconteceu também por que a época era de inevitáveis e excessivos con­frontos e Bernardo iniciara um percurso de imensa solidão de que a morte voluntária foi o desfecho em 1962. (2)

Ofélia Marques (1902-1952)

(v. artigo dedicado em Eventualmente Lisboa e o Tejo)


(1) Bernardo Marques (Centro de Arte Moderna Gulbenkian)
(2) Bernardo Marques, Homenagens cruzadas, MNAC

Artigos relacionados:
Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)
Retratos com Bá e Manuel Mendes
Retratos com Guida Lami e Bá e Manuel Mendes, Cândida e Bento Caraça

RTP Arquivos:
Bernardo Marques
Exposição sobre Bernardo Marques (Casa de Serralves))

Mais informação:
Bernardo Marques, pesquisa em Cabral Moncada leilões
Bernardo Marques em MutualArt
Manuel Mendes, Bernardo Marques e o drama da sua obra, revista Eva nº1090, novembro de 1962
Marina Bairrão Ruivo, Bernardo Marques, Os traços de um sentimental, Revista de Cultura, Instituto Cultural de Macau, ano V, 5° vol.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Retratos com Guida Lami e Bá e Manuel Mendes, Cândida e Bento Caraça

Bento de Jesus Caraça (1901-1948)

Partiu para Lisboa com 13 anos para estudar no muito afamado Liceu Pedro Nunes, onde concluiu com distinção o ensino secundário em 1918. Neste mesmo ano matriculou-se no Instituto Superior de Comércio, hoje Instituto Superior de Economia e Gestão, e um ano depois é nomeado 2º assistente pelo professor Mira Fernandes. A sua carreira académica tornava-se notória. Em 1924, é assistente e em 1927 professor extraordinário.

Costa da Caparica, 1934.
A partir da esquerda: Adriana Lami Costa, Guida Lami, Bento de Jesus Caraça e Maria Alice Lami.
Casa Comum


Chegou a professor catedrático em 1929. A seu cargo ficou a cadeira de “Matemáticas Superiores” – Álgebra Superior, Princípios da Análise Infinitesimal e Geometria Analítica. A seu cargo ficou a cadeira de “Matemáticas Superiores” – Álgebra Superior, Princípios da Análise Infinitesimal e Geometria Analítica...

A sua actividade não se restringiu à prática lectiva. Foi membro do Núcleo de Matemática, Física e Química, criou o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia, fundou a Gazeta da Matemática e foi presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Matemática...

Costa da Caparica (detalhe), Bento de Jesus Caraça,  1935.
Casa Comum

Finalmente, em 1941 publicou a sua obra mais emblemática “Os Conceitos Fundamentais da Matemática”, cuja versão integral foi publicada apenas em 1951.

O seu mérito foi reconhecido internacionalmente, uma vez que foi o delegado representante da Sociedade Portuguesa de Matemática nos Congressos da Associação Luso-Espanhola para o Progresso das Ciências em 1942, 1944 e 1946.

A Cultura foi uma das outras grandes paixões de Bento de Jesus Caraça, a cultura que deveria ser adquirida por todos para que se conquistasse a liberdade. Na Universidade Popular, de que também fez parte profere a famosíssima conferência “A Cultura Integral do Indivíduo – Problema Central do Nosso tempo”. Com o mesmo objectivo em mente colaborou nas revistas Seara Nova, Técnica, Vértice (v. Revistas de Ideias e Cultura) e em outros tantos jornais como O Diabo, Liberdade e o Jornal Globo, fundado por si, mas infelizmente eliminado pela censura.

Olhando para a cultura como um “despertar das almas”, fundou a Biblioteca Cosmos (v. Obras editadas na Biblioteca Cosmos), que editou centenas de livros de divulgação científica e trabalhou na reanimação da Universidade Popular, que entretanto se tinha visto enfraquecida pela acção da sempre atenta censura, tornando-se mesmo Presidente do Conselho Administrativo.

Defensor da liberdade que definitivamente não existia, Bento de Jesus Caraça foi também um interessado pela “questão feminina” e sempre incentivou a intervenção das mulheres na sociedade. Quando em 1943, onze raparigas se matricularam no ISCEF e uma vez que o sistema de coeducação era proibido pelo regime, apoiou a criação de um núcleo cultural por elas formado... (1)

Uma ave que os ares esclarece
Sobre nossas cabeças aparece.
Costa da Caparica, Guida Lami, legenda de Bento de Jesus Caraça, 1933.
Casa Comum

A ligação de Bento Caraça ao PCP, não terá sido uniforme através dos anos nem acrítica. A reacção ironicamente amarga ao pacto de não agressão germânico soviético, celebrado entre Hitler e Estaline, surge numa carta a Guida Lamy, uma das suas mais queridas amigas, discípula e colaboradora, nos estudos matemáticos e, nomeadamente no apoio aos prisioneiros dos campos. No início dos anos 40, encontra-se de tal modo desiludido, nomeadamente dada a situação no PCP, que pensa seriamente emigrar como se evidencia na correspondência com Rodrigues Miguéis.

O trabalho na Cosmos e a emergência de novas perspectivas de unidade na luta contra o regime, reforçada com a evoluir da guerra mundial, reanimam-lhe a esperança e retomará a ligação ao PCP. Surge como um dos mais destacados fundadores do MUNAF, Movimento de Unidade Nacional Antifascista, em 1942, e do MUD, Movimento de Unidade Democrática, em 1945, de cuja comissão central será vice-presidente.

A adesão popular ao MUD excede todas as expectativas: até 24 de outubro de 1945, recolhem-se 50.000 assinaturas de apoio, só na cidade de Lisboa. Perante tal movimentação, o governo salazarista suspende toda a actividade do MUD, acusado de constituir um “elemento de subversão social”, um “movimento passional” que pretende derrubar o governo e restaurar o modelo político da primeira República.

Bento Caraça é atingido por um processo disciplinar a 10 de setembro de 1946, instaurado pelo Ministério da Educação Nacional sob a acusação de antipatriotismo do manifesto “O MUD perante a admissão de Portugal na ONU”, subscrito por muitos democratas e do qual Bento Caraça, Vice-Presidente da Comissão Central do MUD, fora co-autor com Mário Azevedo Gomes, Presidente da mesma Comissão.

Em outubro de 1946, Bento Caraça é demitido compulsivamente da função de Professor Catedrático, afastado de uma actividade docente e pedagógica brilhante.

Por este envolvimento, no qual produz importantes documentos de análise política, alguns ainda de espantosa actualidade, sofrerá diversos interrogatórios e detenções ainda que breves dado a agravamento progressivo do seu estado de saúde. Em 1946, a 3 de abril, é sujeito a interrogatório na Pide; a 13 de Outubro, interroga-o e coloca-o incomunicável durante cinco dias numa esquadra; a 13 de Dezembro, é preso de novo, desta vez no Aljube donde sai sob fiança.

Em 1948, sofre prisão domiciliária em virtude “de correr grave risco de saúde e de vida se for obrigado a sair de casa e submetido a regime prisional“ como atesta em atestado médico, o professor Francisco Pulido Valente, estado comprovado pelo médico da PIDE, Mira da Silva que se desloca a sua casa; a 23 de Fevereiro é interrogado pela PIDE no seu domicílio; a 19 de Março, a PIDE convoca-o para a a sua sede e notifica-lhe a ilegalização do MUD.

A Leitura, 1955, Abel Manta (1888-1982)
(grupo do consultório do professor Francisco Pulido Valente, representados (cf. Estrolabio): da esquerda para direita, sentados, Aquilino Ribeiro, Ramada Curto, Carlos Olavo, Pulido Valente, Alberto Caidera, em pé, Ribeiro Santos, Mário Alenquer, Lopes Graça, Manuel Mendes, Sebastião Costa, Câmara Reis e Abel Manta).
Museu de Lisboa

Bento Caraça é já então casado com a segunda mulher, Cândida Gaspar, a aluna que o levou a abandonar a longa viuvez do breve casamento com Maria Octávia, que durara menos de um ano. Com Cândida, que lhe devolve a paixão e a ternura, será também breve a vida. Ele sabe-o. A doença cardíaca, já de longa data, agravava-se. Por isso o olhar de profunda ternura com que segue os primeiros passos vacilantes de João, o seu filho, é um olhar pleno de nostalgia. Nostalgia do futuro. E nas últimas fotografias antes da morte, a 25 de julho de 1948, Bento Caraça devolve-nos o sorriso magoado dos que sabem que vão morrer.

Costa da Caparica, Quinta de Santo António (vivenda Engrácia?), década de 1930.
A partir de cima da esquerda:
Bento de Jesus Caraça, Sílvia Manta, Manuel Mendes, Cândida Caraça e Berta Mendes.
Casa Comum

O processo disciplinar, movido pelo governo de Salazar, que o afasta do ensino universitário, traz dificuldades económicas à família. Cândida, ela própria também perseguida, enfrenta, corajosamente, a situação. Licenciada em economia, lecciona, corre entre as aulas e a casa onde vive com Bento, o filho e o sobrinho, João, adolescente vindo do Alentejo por iniciativa do tio. Bento Caraça passa a dar lições em sua casa, como meio de subsistência.

Várias as provas de solidariedade prestadas por amigos conhecidos e desconhecidos. Em Novembro de 1946, um grupo de democratas de Lourenço Marques, perante a demissão de Caraça, cotiza-se e presta-se a enviar-lhe mensalmente a importância do seu salário como professor universitário, sublinhando que não é uma ajuda pessoal mas antes o símbolo da “sua solidariedade para com os companheiros da Metrópole equiparando-a ao ganha-pão que V. Exª conscientemente arriscara e perdera ou proporcionando-lhe a oportunidade de empregar o dinheiro na luta antifascista a bem de todos”.

A 24 de janeiro de 1947, Caraça responde grato pelo apoio moral e material, sendo que opta por “empregar o dinheiro na luta antifascista”. Em outubro de 1947, agradece a José Maria Coelho “a extrema gentileza que quis ter para comigo, da principesca oferta de um frigorífico”. Os amigos procuram mimá-lo. Ildefonso Nóvoa, que fora seu aluno no Instituto, carrega uma grafonola para que Bento ouça a música clássica que o levava, apaixonadamente, aos concertos.

Em sua casa reúnem-se democratas, debate-se a vivência política, planeiam-se estratégias da oposição. Estuda ainda. Escreve. Incessantemente. Adoece mais e mais. Amigos de longa data, vêm de longe, para o que sabem ser eles e ele – a despedida.

Bento de Jesus Caraça,
r
etrato imaginado enquanto criança

Ofélia Marques (1902-1952), CAM, Gulbenkian


Porque este homem de tão intenso comprometimento político cultivou sempre o encontro com os outros. É, uma relação umbilical entre cultura e política que orienta otrajecto pessoal de Bento de Jesus Caraça e do seu grupo de amigos, onde se encontram os mais notáveis intelectuais e lutadores do seu tempo. Entre eles, o médico e professor Luís Ernâni Dias Amado, companheiro desde o liceu.

Também colega de liceu, amigo profundo, Carlos Botelho que lhe (nos) devolverá os olhares mais belos da pintura portuguesa sobre a cidade e o rio, esse corpo amante de Lisboa, Rodrigues Miguéis, Abel Salazar, Câmara Reys, Ferreira de Macedo. E ainda António Lobo Vilela, companheiro desde os bancos da escola primária.

Surgem depois Manuel Mendes, um dos seus mais íntimos confidentes e Berta Mendes que serão os padrinhos de João Gaspar Caraça, filho do segundo casamento.

Costa da Caparica, Quinta de Santo António (vivenda Engrácia?), década de 1930.
A partir da esquerda: Berta Mendes, Fernando Lopes Graça
(1906-1994), Ofélia Marques (1902-1952), Bernardo Marques (1898-1962), Manuel Mendes (1906-1969)
, Bento de Jesus Caraça, e Cândida Caraça (e os cães Anica e Maigret).
Casa Comum

Artistas como Avelino Cunhal, Huertas Lobo que lhe traça o perfil esvanescente, Abel Manta que esboçara o seu retrato póstumo, Mário Dionísio, Francisco Keil do Amaral, Maria Keil, Lopes Graça, Alice Manta, João Abel Manta, que lhe desenhará o perfil, Guida Lamy fazem parte do seu grupo de amigos. (2)


(1) Associação Bento de Jesus Caraça
(2) Bento de Jesus Caraça: Cultura e emancipação, um problema ainda do nosso tempo

Artigos relacionados:
Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)
Retratos com Bá e Manuel Mendes

Mais informação:
Escola Profissional Bento de Jesus Caraça (Porto)
Manuel Mendes (Fundação Mário Soares e Maria Barroso/Casa Comum)

Século XX português: Os Caminhos da Democracia (Fundação Mário Soares e Maria Barroso)
Obras editadas na Biblioteca Cosmos
Bento Jesus Caraça - Testemunho de Alvaro Cunhal (PCP)
Bento de Jesus Caraça: Cultura e emancipação, um problema ainda do nosso tempo
Revistas de Ideias e Cultura

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Retratos com Bá e Manuel Mendes

Manuel Mendes (1906-1969)

Escritor, jornalista, crítico de arte e tradutor, Manuel Mendes nasceu em Lisboa, em 1906, e faleceu na mesma cidade, em 1969. Cultivou também a escultura, sendo que a «sua escultura vai para além do amadorismo […]. Os bustos e as cabeças de Manuel Mendes acusam, na verdade, uma grande serenidade e severidade que os dignificam.» (Margarida Marques Matias). Colaborador da Seara Nova, conviveu desde cedo com Raúl Proença, Câmara Reis e António Sérgio e Raul Brandão, «seu mestre e paradigma literário» (Mário Soares), de quem foi um divulgador empenhado.

Costa da Caparica, Quinta de Santo António (vivenda Engrácia?), década de 1930.
A partir da esquerda: Berta Mendes, Fernando Lopes Graça
(1906-1994), Ofélia Marques (1902-1952), Bernardo Marques (1898-1962), Manuel Mendes (1906-1969)
, Bento de Jesus Caraça, e Cândida Caraça (e os cães Anica e Maigret).
Casa Comum

Como aluno da Faculdade de Letras participou na greve académica de 1931, tendo, a partir desta data, tomado parte em, praticamente, «todas as conspirações, revoluções e tentativas revolucionárias contra a ditadura […]. Libertou, de armas na mão, um companheiro preso que estava a ser torturado, num assalto bem sucedido à esquadra da polícia do rego.» (Mário Soares) Fez parte da efémera Frente Popular, do MUNAF, da Resistência Republicana e da Acção Socialista Portuguesa; foi um dos promotores do MUD, tendo sido membro da sua comissão central, e integrou as candidaturas de Norton de Matos e de Humberto Delgado à Presidência da República.

Costa da Caparica, década de 1930.
A partir da esquerda:
Fernando Pires, Berta Mendes, Manuel Mendes, Abílio Pires, Jaqueline Pires, Afonso Costa (filho), Irene Worm e seu filho João Worm.
Casa Comum

A sua obra mais conhecida, Pedro: romance de um vagabundo (1954), foi adaptada ao cinema, por Alfredo Tropa, com o título de Pedro Só (1972). Bairro (1945), Estradas (1952), Alvorada (1955), Segundo livro do Bairro (1958), Terceiro livro do Bairro (1959), Assombros (1962), Roteiro sentimental (1965-1967) e História natural (1968) são outros títulos de sua autoria. No campo das artes plásticas escreveu monografias sobre Machado de Castro (1942), Rodin (1945), Dordio Gomes (1958), Abel Manta (1958), Carlos Botelho (1959), Diogo de Macedo (1959), Jorge Barradas (1962) e Francisco Smith (1962), para além Considerações sobre as artes plásticas (1944), Lembranças de um amador de escultura (1955) e Raúl Brandão e Columbano (1959).

Costa da Caparica, Quinta de Santo António (vivenda Engrácia?), década de 1930.
A partir de cima da esquerda:
Bento de Jesus Caraça, Sílvia Manta, Manuel Mendes, Cândida Caraça e Berta Mendes.
Casa Comum

Debruçou-se ainda sobre as biografias de Antero de Quental (1942), Herculano, (1945), Oliveira Martins (1947) e Aquilino Ribeiro (1960). Deixou colaboração em vários jornais e revistas, como República, Seara Nova, Revista de Portugal e Vértice. (1)

Na Caparica, Pinhal, Abel Manta, 1942.
MNAC/Casa Comum

Historicamente lembrado pela militância política antifascista, o legado deste intelectual oposicionista, integrado na Seara Nova, alcançou notoriedade pública pela obra de jornalista, romancista, contista e ensaísta, e pela criação de grupos de resistência, cidadania e defesa de artistas.

Desenho em Caricaturas portuguesas dos anos de Salazar, João Abel Manta, ed. O Jornal, 1978.
Exposição "A Máquina de Imagens", João Abel Manta, Fundação D. Luís


A clandestinidade e as prisões políticas que resultaram desta articulação do combate político com a produção literária ofuscaram, porém, a importância do seu envolvimento inicial com a escultura e o desenho, mantidos de modo irregular, e do papel pioneiro como crítico e teórico da arte plástica moderna em Portugal... (2)

Retrato imaginado enquanto crianças de Manuel e Berta Mendes.
Ofélia Marques (1902-1952), CAM, Gulbenkian

... Casa Museu Manuel Mendes (nunca aberta ao público e hoje extinta), no Restelo. (3)


(1) Biblioteca Nacional de Portugal
(2) Centro de Arte Moderna Gulbenkian
(3) Moda & Moda, Museu do Chiado, A Sedução do retrato

Artigo relacionado:
Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)

RTP Arquivos:
Manuel Mendes: o Melhor de Todos Nós
... depoimento do político José Magalhães Godinho sobre o pensamento do escritor Manuel Mendes, lamentando este não ter vivido para assistir ao 25 de Abril; busto de Manuel Mendes do escultor Barata Feyo; fotografias de homens das Letras; retrato do escritor pintado por Dórdio Gomes; Casa Museu Manuel Mendes no Restelo...

Mais informação:
Casa Museu Manuel Mendes (Google search)
Colecção Manuel Mendes (MNAC)
Manuel Mendes (Fundação Mário Soares e Maria Barroso/Casa Comum)

Século XX português: Os Caminhos da Democracia (Fundação Mário Soares e Maria Barroso)
Obras editadas na Biblioteca Cosmos

domingo, 17 de abril de 2022

Companha do Canope

Na mitologia Grega, Canopus or Canobus (grego antigo: Κάνωβος) foi o piloto do navio do rei Menelaus de Esparta durante a Guerra de Tróia. Canopus é descrito como um belo jovem que foi amado pela profetisa egípcia, Theonoe, cujo sentimento nunca foi correspondido.

A Praia do Sol, A faina, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia n° 104, década de 1930.
Casa Comum

De acordo com a lenda, durante uma visita à costa egípcia, Canopus foi mordido por uma serpente e morreu. O seu amo, Menelaus, erigiu-lhe um monumento num dos braços do delta do rio Nilo à volta do qual, mais tarde, se desenvolveu a cidade de Canopus.

Também denominada Canopus é Canopus, a estrela mais brilhante na constelaçāo, do hemisfério sul, de Carina (a quilha do navio Argo), e a segunda estrela mais brilhante no céu nocturno, depois de Sirius. (1)

A Praia do Sol, O transporte da rede e a faina, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia  n° 105, década de 1930.
Delcampe

Canope (I) José Efigénio de Sousa (1898-1969) 1928
Comp: 07,50; Boca: 2,26; Pontal: 0,80; T: 3047. (2)



(1) Wikipedia
(2) Mário Silva Neves, Tu, Costa Minha!... o passado e o presente, 2002

Artigos relacionados:
Os nomes dos barcos (1 de 3)
Os nomes dos barcos (2 de 3)
Os nomes dos barcos (3 de 3)




Canope (II), saveiro de bicas curtas/meia lua sem proa adunca (v. Os nomes dos barcos (3 de 3)),
Propredade de José Gonçalves Coelho, o Zéchina, depois vendido a Manuel Rosa Lopas, o Manecas, e transformado em chata.
Comp: 07,50; Boca: 2,26; Pontal: 0,80; T: 3047 (cf.
Mário Silva Neves, op.cit.).

Embarcação Canope (II) de José Gonçalves Coelho, o Zéchina, que mais tarde foi vendida a Manuel Rosa Lopas, o Manecas, e transformada em chata.
Paulo Zé Silva

Canope (III), chata (v. Os nomes dos barcos (3 de 3)),
Propredade de Manuel Rosa Lopas, o Manecas, também proprietário do Deus te Guie (v. artigo dedicado)

Canope (IV) (embarcaçāo actual, em actividade) 2004,  TR-1534-L
Comp: 0
6,60; Boca: -,--; Pontal: -,--; T: 2340; Potência: 44,10 kw. (cf. Embarcações de pesca: Canope)


sexta-feira, 15 de abril de 2022

Barco Santo António

Conforme um postal da década de 1930 reproduzido e anotado por Salvador Félix Martins que reconhece o barco Santo António e dedica alguns versos à sua terra.

Costa da Caparica, Casa da Bíblia, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, s/n, década de 1930.
Delcampe

A Caparica no verão
É uma terra desejada,
Pois aqueles que lá vão
Vão à praia sua amada. (1)


Barco Santo António, Salvador Félix Martins.
Delvampe, Bosspostcard

Santo António Proprietário/Arrais não referidos 1930
Comp: 10,00; Boca: 2,42; Pontal: 0,90; T: 5022. (2)



(1) Salvador Félix Martins (v. notas biográficas em almaDalmada e Superior Central)
(2) Mário Silva Neves, Tu, Costa Minha!... o passado e o presente, 2002 

Artigos relacionados:
Os nomes dos barcos (1 de 3)
Os nomes dos barcos (2 de 3)
Os nomes dos barcos (3 de 3)

segunda-feira, 29 de junho de 2020

Sarah Affonso, postais da Costa a Manuel Mendes (1930-1931)

Ainda na década de 1930, a Costa era um fervedouro de conversas e encontros entre os escritores Manuel Mendes e José Rodrigues Miguéis (amigos desde a juventude e companheiros da Seara Nova), e respectivas mulheres, Berta e Pola, os desenhadores e retratistas Sarah Affonso, José Tagarro e Alice Rey Colaço, o maestro e compositor Fernando Lopes-Graça, e o escultor Barata Feyo. 

Autorretrato (1927) e retrato de Manuel Mendes (1930), Sarah Affonso.
MNAC

As temporadas que Rodrigues Miguéis passou na vivenda Engrácia (Quinta de Santo António), alugada por Manuel Mendes, inspiraram algumas passagens da sua obra, como esta de O Milagre Segundo Salomé, em que a "criadinha pacóvia e sem lábia", Dores dos Santos, vai com o senhor Tesouras à Costa da Caparica: "Ela nunca tinha ido a uma praia de verdade, co 'mar' para ela era o Tejo, aquilo que se avistava de Algés e Dafundo..." (1)

3 de agosto de 1930

Receia que o assunto, que lhe interessa, não esteja resolvido. Regressa a Lisboa...

Costa da Caparica, Partida para a pesca, ed. Acção Bíblica (Aliança Bíblica), c. 1930.
Casa Comum

14 de agosto de 1931

Envia cumprimentos, esperando a sua visita...

Costa da Caparica, A Praia do Sol, A faina, ed. Acção Bíblica Casa da Bíblia, c. 1930.
Casa Comum

12 de outubro de 1931

Informa-o sobre a partida para Lisboa...

A Praia do Sol, Costa Caparica, ed. Acção Bíblica Casa da Bíblia, c. 1930.
Casa Comum


(1) Costa da Caparica: de Pina Manique a Mário Domingues, revista Sabado 22 de agosto de 2019

Mais informação:
Museu Nacional de Arte Contemporânea
Museu Calouste Gulbenkien, Sarah Affonso
Almanaque Silva, Mariazinha africanista
Casa Comum, Sarah Affonso

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Costa da Caparica (alguma iconografia perdida e dispersa na fotografia e no cinema)

... vê-se novamente a praia do Estoril, à qual se volta todos os anos, mas também a da Figueira da Foz com banhistas em poses com os novos fato-de-banho e sombrinhas, a praia da Costa da Caparica e outras não identificadas (v. O Notícias Ilustrado, Série II, n.º 69, Lisboa, 6 de Outubro de 1929) [...]

O Notícias ilustrado Série II n.° 374, Lisboa,  8 de setembro de 1929.

A sul do Tejo, a Costa da Caparica, foi fotografada pela sua paisagem por João Martins, numa das suas primeiras colaborações para a revista (v. O Notícias Ilustrado, Série II, n.º 205, Lisboa, 15 de Maio de 1932) [...]

Costa da Caparica, Entrando no mar, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, s/n, cliché João Martins, década de 1930.
Delcampe

No interior via-se a "Caparica moderna" em mais uma fotorreportagem de Raimundo Vaissier que fotografa as raparigas de "pijama longo" e o "descanso depois do farnel" (v. O Notícias Ilustrado, Série II, n.º 219, 21 de Agosto de 1932) [...]

"Praia do Sol" na Costa da Caparica, com banhistas, pavilhão, miúdos, barca (v. O Notícias Ilustrado, Série II, n.º 272, Lisboa, 27 de Agosto de 1933) [...]

O Verão de 1935 é inaugurado com uma fotografia de raparigas de fato-de-banho na capa da revista. Seguem-se as habituais fotorreportagens sobre o Estoril, este ano fotografado por Raimundo Vaissier, a Costa da Caparica (v. O Notícias Ilustrado, Série II, n.º 374, Lisboa, 11 de Agosto de 1935) [...] (1)

Caparica
O Notícias ilustrado Série II n.° 374, Lisboa, 11 de Agosto de 1935.

Costa da Caparica (1929) Doc. p/b 35 mm; 
A Praia da Caparica (1931) Doc. p/b 35 mm; 
Caparica, Praia do Sol (1938) Doc. p/b 35 mm Perdigão Queiroga. (2)

Na Praia da Trafaria (1908) p/b 35 mm. (3)

Excerto do filme Almada - Varanda do Tejo (cor, 35 mm), Ricardo Malheiro, 1967.
Cinemateca Digital

Almada - Varanda do Tejo (1967), Ricardo Malheiro;
Do Outro Lado do Mundo - Almada (1971) cor 35 mm António de Macedo. (4)


(1) Portugal (1928-1968) : Um Filme de J. Leitão de Barros
(2) CINEPT (pesquisa: caparica)
(3) CINEPT (pesquisa: trafaria)
(4) CINEPT (pesquisa: almada)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O bairro do Costa Pinto, 1886

A pessoa que escreve estas linhas tinha sido amavelmente convidada para assistir á festa que domingo se realisau na Costa de Caparica, mas por incommodo de saúde, aggravado dentro de poucas horas, não poude comparecer. Fica assim justificada a nossa falta.

Costa da Caparica, As novas edificações, 1887, desenho de João Ribeiro Cristino
Imagem: Hemeroteca Digital

Sabemos porém que às 10 horas e meia partiram do Caes do Sodré, n'um pequeno vapor, alguns membros da commissão os srs. João Magalhães, Cunha Seixas, Brito Aranha, Costa Pinto, marquez de Fronteira, Raphael Bordallo Pinheiro e João Costa.

Costa da Caparica, vista aérea, 1930-1932.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Desembarcando na Outra Banda, seguiram em carruagem para a Costa de Caparica, onde foram distribuídas 53 casas, que formam tres pequenos quarteirões da rua Costa Pinto.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O acto da distribuição foi muito edificante pela commoção que dominava os pobres pescadores no momento de receberem tão importante donativo.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Em seguida, o sr. Costa Pinto ofíereceu um lunch aos seus convidados, levantando os seguintes quatro brindes: 1.° a El-Rei, presidente honorário da commissão, e a toda a Familia Real; 2.° ao sr. marquez de Fronteira, presidente effective da commissão; 3.° a todos os membros da commissão, que tão dedicadamente auxiliaram o sr. Costa Pinto; 4.° á imprensa do paiz, ao lapis de Bordallo Pinheiro e á imprensa do Brazil. 

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O sr. Costa Pinto englobou n'estes quatro brindes todos os elementos que mais poderosamente cooperaram para a realisação do seu philantropico pensamento. 

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Mas, por maior que seja a sua modéstia, a iniciativa beneficante do sr. Costa Pinto não pode esquivar-se ao justo galardão que lhe é devido. A elle os nossos louvores. (1)

Jaime Artur da Costa Pinto
Almanach Illustrado do Correio da Europa


(1) Diário Illustrado, 12 de julho de 1886

Leitura relacionada:
O Occidente, 1 de março de 1887