Pormenor da Praia de Caparica, ed Fotex 149 . Delcampe |
ou, no cole, reflectindo no espelho da vaza..."
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Saveiro
Num apontamento anterior, Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...), referimos a Mesa do Tragamalho, e a maneira como as embarcações ílhavas aí são referidas.
Embarcações registadas e avençadas na repartição do Tramagalho, Lisboa, 1860. Hemeroteca Digital |
Saveiro é, genéricamente, a corruptela de Aveiro e não refere como é comumente aceite um tipo de embarcação em madeira, de fundo chato, para a pesca do sável etc. mas sim a embarcação típica da região de Aveiro.
Barco no Tejo com mau tempo, Emeric Essex Vidal (1791-1861), 1833. artnet |
Do mesmo modo, por exemplo, ovarina, mulher natural de Ovar, vendedeira ou vendedora de peixe, por via da espressão popular Ò varina! derivou no termo varina, e a naturalidade dos ílhavos nos ilhos, os aveiros se mudaram em saveiros.
Recomenda-nos atenção e reflexão a Dr.ª Ana Maria Lopes [Barco do mar "versus" barca da arte xávega], cujo trabalho muito apreciamos e a quem, não raras vezes, recorremos. Tomando nota prosseguimos.
Se alguém designa o bote, a chata, a lancha etc. como saveiro, não nos interessa. Para nós, saveiro, ou aveiro, é uma embarcação de pesca artesanal de mar ou de ria (fluvial), típica da região de Aveiro, construída em madeira, de fundo chato, com rodas de prôa e de popa acentuadas, propulsionada a remos na faina da pesca, ou a remos e a vela de pendão, e no caso com leme de xarolo provisório, noutras deslocações.
Saveiro, alijo e savara, gravura, João Pedroso, 1860. Hemeroteca Digital |
Saveiro, refere a origem da embarcação, independentemente de outros significados: registos nas capitanias e delegações, tradição, opiniões. Só assim o termo saveiro tem sentido definido, consistente, imutável.
Saveiro da Costa. Caderno de Todos os Barcos do Tejo, tanto de Carga e transporte como d'Pesca, por Joao de Souza, 1785. |
Portanto, para nós, o termo saveiro (s.m.) é sinónimo de aveiro (s.m., neste caso), e é nesse sentido que o iremos utilizar.
Meia-lua
A designação de meia-lua (adj.) refere a forma do barco independentemente da sua origem. Conhecemo-lo construido nos mais diversos materiais, naturais, segundo a civilização e a região onde é utilizado, normalmente na pesca oceânica com as mais diversas técnicas e artes.
Setubal, Castello de S Filippe, diferentes prôas de barcos de mar ílhavos na praia, c. 1868. Hemeroteca Digital |
Coincidentemente, na costa portuguesa o meia-lua é originário da região Aveiro, daí o uso da expressão saveiro meia-lua para designar um certo tipo de embarcações.
Costa da Caparica (detalhe), Penha Lopes, 1918-1922. Arquivo Municipal de Lisboa |
Segundo alguns autores [p. ex. J. A. Neves Cabral, Meia-Lua da Costa de Caparica..., Junta Distrital de Setúbal, 1969], o que diferencia o meia-lua do saveiro que não tem essa forma é a curvatura do casco do primeiro, que se desenvolve ao longo do comprimento da embarcação e que se funde gradualmente na altura das rodas de proa e de popa, simetrica ou assimetricamente conforme a região do país e o mar a que se destina, dando-lhe um tosado imponente e gracioso, inatingível pelo saveiros de fundo e verdugos planos na quase totalidade do comprimento da embarcação.
Será o anterior válido para embarcações pequenas mas, segundo nós, não para todas as de mais de 10 metros, pois quando varado no areal, o sustentáculo da arqueação recorre à resistência dos materiais, e o peso permanente da proa e da popa e do casco não assente, nas embarcações mais frágeis, acabaria por arruiná-las.
A forma do meia-lua é o que hoje se refere como design funcional. O arqueado, reverte em estrutura, aumentando a resistência da embarcação distribuindo e minimizando a força dos impactos das ondas e do peso da própria embarcação nos momentos em que esta não é suportada pela água num mar agitado. O mesmo arqueado aumenta a navegabilidade na ondulação junto à praia mantendo a embarcação sempre acima da rebentação das ondas.
J. A. Neves Cabral, Meia-Lua da Costa de Caparica..., Junta Distrital de Setúbal, 1969 |
Com isto a quantidade de materiais usados na contrução do meia-lua são adaptados, por um lado, ao tamanho do mesmo, para suportar a sua própria estrutura, e, por outro lado, ás condições em que é utilizado, para resistir ás condições externas, tanto em repouso como em actividade.
Saveiro da costa norte, "Sempre vim", 1920. Museu de Marinha |
A forma e o tosado nos meia-lua, que se acentua de norte para sul de Portugal, atingiu na Costa da Caparica o máximo da sua expressão, resultando na elegante embarcação cujos arqueado, verticalidade, e quase igualdade da altura das bicas a torna inconfundível, mas não exclusiva.
Barco de mar
Quanto à funcionalidade, o típico barco de mar, ou da arte (se referirmo a xávega), no caso, é uma embarcação de uma certa robustez com morfologia adaptada à pesca no mar e às manobras adequadas a essa actividade segundo as características do litoral onde é executada.
Arrais Ançã perscrutando o mar. 200 anos da Costa-Nova |
Este, barco de mar, na costa portuguesa, é um saveiro. E se quisermos ser breves, desde as bateiras da costa vareira até à barca da arte xávega do Algarve, temos meias-lua de norte a sul de Portugal.
Costa da Caparica, meia-lua na vaza ao pôr-do-sol. Delcampe |
Portanto os barcos típicos tradicionais da Costa da Caparica são, ou foram, barcos de mar, saveiros na maior parte, e meias-lua se construidos com a arqueação típica até à década de 1910, com golfiões à ré, e depois, cerca de 15 a 20 anos, quando as dimensões se reduzem e aproximam dos oito metros de comprimento.
(Instantaneos do sr. Alberto Lima)
Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, pescadores lançando uma embarcação ao mar, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa |
Os maiores, de pouco mais de 10 metros, construídos na segunda década do século 20 e mesmo depois, têm o tosado mas não o arqueamento.
Costa da Caparica, Saíndo para a pesca, ed. Lif , 2 Delcampe |
Os menores, de cerca de 5 metros, mais recentes, meias-lua ditos "de bicas curtas" ou "sem proa adunca", são variantes dos meias-lua que tentamos definir no nosso purismo, que apesar de sincero arrisca ignorância.
Costa da Caparica, colecção Passaporte-Loty n° 66, Pescadores arrastando o seu barco, c. 1960. Delcampre |
Poderiamos dizer, os primeiros antecipam-no. Os segundas dele descendem. Mas seria falso.
Rui Granadeiro, 19 de janeiro de 2020
Tema:
Saveiro meia lua
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