segunda-feira, 29 de maio de 2017

A Trafaria em 1908

Da Costa de Caparica ha estrada para a Trafaria, e aqui vamos nós agora para esta praia, que é onde melhor se pôde assignalar a acção beneficiente do antigo deputado Costa Pinto na fixação das areias pelo desenvolvimento da vegetação do penisco.

Trafaria, Jardim da matta florestal, ed. Manuel Henriques, 03, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O certo é que hoje a praia da Trafaria é já encimada por uma ampla matta, e que o seu pântano de agua mixta, que occupava uma área de 8 kilometros, foi esgotado, com o que também Lisboa lucrou, pois que as chamadas "febres do Aterro" parece que provinham d'aquelie pântano quando soprava o vento do respectivo quadrante [discurso de Costa Pinto na camará dos deputados, sessão de 17 de março de 1901].

Trafaria, Vista do Largo da Egreja, ed. Manuel Henriques, década de 1900.

A Trafaria, comquanto seja uma povoação irregular, tem algumas ruas direitas, taes como as do Alecrim e dos Valentes; bem como um largo de S. Pedro, onde está situada a capella da invocação do mesmo santo, e onde ha um coreto para a Real Fanfarra Trafariense.

A estrada da Costa, construída em 1888, vem dar a este largo.

Trafaria, Estrada da Costa, ed. Manuel Henriques, 16, década de 1900.
Imagem: Delcampe

As casas em geral são térreas e pequenas, com excepção dos prédios modernamente mandados edificar pelos srs. coronel Chaves d'Aguiar e António Marques de Freitas.

A praia de banhos é boa, está abrigada do norte e a agua é limpa.

Trafaria, ponte dos vapores da Parceria Lisbonense, [Praia de banhos, ed. Manuel Henriques, 2, década de 1900].

As barracas são de madeira, e ha duas pontes de desembarque, uma para os vapores da Parceria Lisbonense, cujas carreiras começam em 1 de julho e findam em 31 de outubro,

Anuncio do Serviço de Carreiras da Parceria dos Vapores Lisbonenses em 1908.

e outra para serviço exclusivo dos fortes. Estes são os de Alpena, infante D. Manuel, Raposeira e Cotovia, cuja guarnição é constituída pelo grupo de artilharia n.° 4, na força de 12 ofliciaes, 15 sargentos e 200 praças.

Trafaria, Entrada da ponte de embarque [serviço exclusivo dos fortes], ed. Manuel Henriques, 4, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Os fortes são servidos por uma estrada militar privativa, que desemboca ao sul da povoação, onde se acha construído o quartel, inaugurado em 23 de janeiro de 1903, e que é a melhor installação que no género possuímos, posto que ainda esteja incompleto.

Trafaria, Quartel do grupo de artilharia n.º 4, ed. Manuel Henriques, 12, c. 1909.
Imagem: Fundação Portimagem

Junto á ponte dos vapores ha um telheiro que serve para arrecadação das galeotas reaes, e o antigo presidio que está sendo adaptado a prisão militar naval.

Trafaria — Vista geral, ed. Martins/Martins & Silva, 1201, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Foi no antigo presidio que em 1810 falleceu o poeta Domingos Maximiano Torres [Alfeno Cynthio], o qual ali esteve encarcerado como "jacobino".

Funccionam na Trafaria duas fabricas: uma de dynamite fundada em 1873 e que occupa 25 operários; outra de conserva de peixe fundada em 1885, e n'esta trabalham 12 homens.

A Trafaria tem uma associação de soccorros mútuos, creada em 1900, é intitulada de — S. Pedro.

A população normal compóe-se de pescadores, havendo entre elles 24 donos de barcos de pesca. 

Trafaria — Vista geral da praia, ed. J. Quirino Rocha, 06, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Na época de banhos estabelecem-se na Trafaria muitas famílias de Lisboa. Ali veranearam durante alguns annos dois escriptcres portuguezes — Luiz Augusto Palmeirim e Ramalho Ortigão. 

Recentemente a Sociedade Cooperativa Trafaria construiu um casino, cuja sala de baile foi inaugurada no verão de 1906.

N'esta mesma sala foi montado um palco. A Sociedade teve em 1908 uma receita de 1.339.745 réis, e já despendeu nas obras do club 5.910.970 réis.

A esta praia concorrem annualmcnte as crèanças protegidas pela Assistencia Nacional aos Tuberculosos.

Trafaria, banhistas na margem do Tejo, Alberto Carlos Lima, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

E o Real Gymnasio Club tem ali aberta, durante a estacão balnear, uma escola de natação.

As solemnidades religiosas que se celebram na Trafaria são a festa de S. Pedro, a procissão dos Passos e a da Senhora da Conceição em 15 de setembro.

Trafaria, Vista da Enxurrada, ed. Manuel Henriques, 9, década de 1900.
Imagem: Delcampe

São dignas de menção nos arredores d'esta praia as quintas de Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Monte do Carmo e da Corvina.

Ha na povoação alguns estabelecimentos commerciaes, sendo os melhores os de Manuel Henriques e José António da Rocha.

Trafaria, Valle da Enxurrada, ed. J. Quirino Rocha, 3, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O fac-totum da Trafaria, com quem todos os banhistas se entendem, é o banheiro António Maria da Rocha, por alcunha o Hersent.

A povoação tem escola de instrucção primaria, uma estação telegrapho-postal e um posto de fiscalisação. Ha um restaurante — de Alves Ramos.

No sitio da Trafaria mandou o cardeal D. Henrique fundar um lazareto por alvará de 7 d'agosto de 1665. O logar escolhido era uma terra que pertencia a Gaspar da Rua.

No reinado de D. João V, precedendo consulta do senado da camará de Lisboa, foi ordenado que se ampliasse o recinto do lazareto por decreto de 19 de novembro de 1711. Esta ordem não teve logo effeito, e por isso o decreto de 9 de dezembro de 1713 a renovou.

O forte da Trafaria já desde o tempo de D. Pedro II servia para se armazenarem n'elle as mercadorias em quarentena.

Trafaria (Portugal), Vista geral e rio Tejo, ed. Martins/Martins & Silva, 28, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

O serviço de desinfecção, que consistia no assoalhamento das mercadorias, era desempenhado pelos officiaes da saúde do porto de Belém, e custeado pela municipalidade, que para esse fim tinha receita própria. Foi em 1815 que o lazareto passou da Trafaria para a Torre Velha de S. Sebastião de Caparica. (1)


(1) Alberto Pimentel, A Estremadura portuguesa, Volume II, Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1908, 539 págs.

Mais informação:
Trafaria 1900, cliché Faustino António Martins
Ponte dos vapores da Trafaria
Trafaria e Cova do Vapor em 1946

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