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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Regresso ao bairro do Costa Pinto

Foi o António Maria, antecessor do Pontos nos ii, um dos jornaes que o publico mais destinguiu a subscripção destinada a soccorrcr os pobres de Caparica victimados por mais dum terrivel desastre.

Vista da Costa de Caparica, ed. desc. (Martins & Silva) Bairro do Costa Pinto, década de 1900.
Delcampe

Ao tempo estampou aquelle jornal o desolado aspeto da mísera povoação, e por isso nos parece interessante apresentar hoje o novo aspecto d'esses areaes ermos, ainda ha pouco, do mais insignificante conforto, aspecto agora risonho, com as suas despretensiosas mas confortaveis habitações, onde se abrigam mais de dusentos pobres que se atrophiariam ao desamparo se lhes não acudisse como accudiu a beneficencia publica, tão bem aproveitada e secundada pelo esforço d'uma iniciativa particular para a qual serão poucos toda a gratidão e todo o elogio. (1)

Costa da Caparica, As novas edificações, 1887, desenho de João Ribeiro Cristino.
Hemeroteca Digital

O Occidente publica no seu numero de hoje, uma gravura das ruinas do incendio de Caparica, uma outra gravura das novas edificações e um retrato de Jayme Arthur da Costa Pinto, nome ligado de ha muito a todos os bellos melhoramentos que se teem feito nestes ultimos annos, do outro lado do Tejo. E pedem-me um artigo para acompahhar essas tres gravuras, artigo meio bigraphico meio historico, que descreva o perfil simpathico desse bello rapaz e conte o apparecimento d'esses quarterióes de casas, que se erguem, todas garridas, junto àI praia, ouvindo o bater compassado das ondas nas suas pedras.

Eu não sei se conhecem Caparica e não lhes levo a mal. que a não conheçam. Eu tambem a não conhecia, aqui ha dois mezes. Uma manhã appareceu-me Jayme Pinto, convidando-me a ir ate lá. Distribuiam-se as ultimas casas aos pescadores que ainda estavam sem moradia, depois do incendio que lhes devestára as toscas cabanas, onde viviam centenas de familias.

As novas habitações da Costa de Caparica, dezembro de 1886, desenho de Bordallo Pinheiro.
Hemeroteca Digital

Quem vier ainda hoje á praia, e olhar em torno d'ella para uns poucos de casebres antigos, que ainda lá existem, cobertos de fetos, e depois reparar nas novas editficações, perfeitamente modernas, muito simples e multo aceiadas, que formam duas ruas da praia, perceberá facilmente qual o contentamento d'aquella pobre gente, que vendo um dia destruidas pelas chammas as suas míseras habitações, julgando por momentos inteiramente perdidos os seus parcos haveres, se encontra poucos meses depois — graças á caridosa iniciaiva de Jayme Pinto secundada brilhntemente por um grupo de cavalheiros presididos por El Rei, — inquilinos de umas casinhas cuja architectura e cuja divisão iam muito além da sua espectativa, com quartos separados, elles que dormiam n'uma miscellanea pouco perfumada, e uma cosinha aspeciai, coitados, que antigamente faziam o jantar junto á enxerga onde dormiam!

— Até temos sala, dizia nos uma pobre velhinha, toda ufana, satisfeita do seu pequenino lar. E mostrava-me urna das divisões, com duas cadeiras e uma roca.. Ern alli que ella fiava o linho, n'essas escuras noutes de inverno, á luz fraca da lendaria candeia, quando cá fora o vento sopra rijo e os pobres pescadores descantam tristes da sua faina diurna, á espera de melhor tempo. E que vida tão curiosa, a dessa pobre gente, alheia completamente ao resto do mundo, gente que vive annos e annos, frente a frente com o sol que doura as conchas das praias e as ondas que as lambem, ignorante mas feliz, que não conhece, é verdade as maravilhas da sciencia e o encanto das artes, mas .que em compensação nunca leu um artigo politico, nem uma noticia de Hig life.

As novas habitações da Costa de Caparica, dezembro de 1886, desenho de Bordallo Pinheiro.
Hemeroteca Digital

Ha apenas um nome de que hoje se não esquecem, uma obra que lhes deve lembrar a todo o instante, se a ingratidão não tiver já minado aguelIas consciencias sãs e boas, — o nome de Jayme Pinto e o grande serviço que elle lhes prestou.

A transformação operada no aspecto de Caparica foi completa. O incendio nada respeitara, queimara uma a uma os pobres casebres, arrasara quasi inteiramente todo o bairro.

Costa Pinto era então deputado por Almada, e como deputado que era — e ninguém melhor do que elle o sabia ser para os seus constituintes — tratou logo de arranjar soccorros para tanta miseria. Ajudado então por varios cavalheiros, cujos sentimentos caritativos todos conhecem, titulares, artistas, engenheiros, burocratas e jornalistas, entre os quaes nos lembramos do marquez de Fronteira, engenheiro Magalhães, Brito Aranha, Eduardo Coelho, Antonio Castanheira, dr. Cunha Seixas, formou. se a commissão. El-Rei accedeu a presidil-a, e foi essa commissão tendo á sua frente o monarcha, que promoveu subscripções, que angariou esmolas, que pediu donativos, e que por fim mandou edificar n'aquelle areial immenso de Caparica meia duzia de quarteirões de casas onde vivem mais de cem familias.

As novas habitações da Costa de Caparica, dezembro de 1886, desenho de Bordallo Pinheiro.
Hemeroteca Digital

Mas a caridade entre nós, apezar de toda a sua boa vontade é fraca. tem poucos recursos, e a obra que se propunha fazer, era das que reclamavam maior receita. Pedro Correia então, por intermedio do seu escellente Jornal o Correio da Europa que todos os quinze dias leva aos nossos compatriotas do Brazil, a resenha dos acontecimentos mais importantes de Portugal, foi accordar lá no Imperio o coração delles implorandolhes uma esmola para os infelizes pescadores, seus irmãos, cahidos de repente por um fatal desastre, na mais horrorosa das misenas, e sempre generosos ouviram-o e mandaram então para a patria o fructo das suas subscrições.

E foi esse dinheiro junto ao que dentro do pais se apurou, que serviu para custear n despesa dessas edificações, que a commissão destribuiu ha mexes pelas familias mais necessitadas de Capariea.

E não deixa de ser curiosa a maneira como se fez essa distribuição. Pensarão muitos, sobretudo os espiritos incredulos do bem e da generosidade, que a ideia de Costa Pinto teve maior alcance do que a simples caridade.

"Um deputado, com os demonios! dirão os scepticos, não é sujeito que dê ponto sem nó. As estradas são serviços imponentes ás localidades, mas quem ha ahi que julgue que se dá assim do pé para a mão uma estrada, quanto mais um bairro inteiro!"

Costa da Caparica, vista aérea, 1930/1932.
Arquivo Municipal de Lisboa

Pois dão-se, ou pelo menos deu-as Jayme Pinto, sem ter sequer em mira a facilidade de arranjar mais meia duzia de votos para as suas candidaturas do porvir; deu-as, porque essas dadivas alegravam-o, satisfaziam-lhe o desejo do seu animo, bom, caritativo, serviçal, que fez com que elle passasse quasi á posteridade juntamente com a Outra Banda, na sua faina ingloria mas generosa de arranjar para o circulo que representava em cortes todos os melhoramentos, até os mais difficeis, de que elle carecia.

A forma como as casas foram distribuidas ahi esta para o provar. Essa distribuição não a fez elle, não a fez tão pouco qualquer dos seus collegas da commissão, fizeram-a os arraes de Caparica, os mestres, os chefes dos pescadores, que conheciam de perto aquella gente e que formaram de combinação a lista com os nomes dos mais pobres.

E, ponto importante ainda para os scepticos, esses pobres... não são eleitores.

Jayme Pinto chegou a ter, como ligeiramente notamos acima, a monomania dos melhoramentos para Almada. Ninguem melhor do que elle defendeu até hoje no parlamento portuguez os exigencias dos seus constituintes, e, francamente, quando um homem pugna de tal lorma pela terra que o elegeu como seu representante em cortes, imaginasse e muito bem que essa terra lhe dará, como justa recompensa a tão enormes serviços, a sua representação em côrtes... pelo menos emquanto houver estradas a fazer.

Costa da Caparica, ed. José Nunes da Silva s/n, década de 1940.
Bairro dos ílhavos ou do Costa Pinto vista tomada do Hotel Praia do Sol.
Delcampe

Puro engano! Parece que não conhecem essa caprichosa senhora que dá pelo nome de popularidade, e que Augusto Harbier descreveu já n'um assaz conhecido verso! Mas que importa! Melhor do que as listas que poderiam cahir na urna eleitoral, ahi tem Jayme Pinto as bençãos d'esses pobres soccorridos, a recompensal-o da sua obra meritoria e digna.

E nós vimos bem quanto esses infelizes lhe querem, na alegria com que o abraçavam commovidos, nessa rude mas sincera gratidão de campo-mos, que afinal são os unicos que sabem realmente ser gratos.

João Costa. (2)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Um ermitão

Com relação ao caso do excentrico da Costa de Caparica, historia que transcrevemos do "Dia", parece que nada ha que dê logar a proceder se contra pessoa alguma.

Costa da Caparica, As novas edificações, 1887, desenho de João Ribeiro Cristino.
Imagem: Hemeroteca Digital

O ermitão Bunoy Galligan [Bernard Galligan (?-1901)], segundo relata um nosso collega, é um pobre maniaco que o fallecido padre Huggs [Henry Bailey Maria Hughes (1833-1887)] trouxe na sua companhia, de Boston [Newark], a pedido da familia, levando-o, por causa das suas predilecções pela solidão, para o collegio de Caparica, onde elle se deixou ficar.

Os Faroleiros de Raul de Caldevilla, 1922.
Imagem: Vimeo

A pensão que o sr. [Francisco ou António] Calderon recebe para o sustento do ermitão é paga pelos irmãos, que remettem o dinheiro ao sr. padre Russel [Patrick Bernard Russell], de dois em dois annos, por intermedio da casa Baring Brothers.

Lá se foi pois um escandalosinho em perspectiva, tão bello para ser explorado por uns sujeitinhos que todos nós, os da imprensa e o publico, conhecemos, e que assim tinham obra para o logar do caso das Trinas, que já não deixa nada [v. Diário Illustrado, 29 de julho de 1891, pág 3]. 

Bem sabemos nós quem deve estar furioso, por tão simples acabamento. Padres, sotainas, monge, 10:000 libras... uma pechincha que se evaporou.

Costa da Caparica, Colégio do Menino Jesus dito "convento", imagem estereoscópica (detalhe), c. 1900
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

O sr. commissario geral de policia vae mandar para uma casa de saude o "ermitão" da costa de Caparica, para depois de tratado ser entregue ao respectivo consul. 

A escola de Caparica vae ser fechada por ordem da auctoridade. (2)

Costa da Caparica, um piquenique familiar, em segundo plano a igreja e o Colégio do Menino Jesus, década de 1900
Imagem: Arlindo Pereira

Parece fóra de duvida que o ermitão de Caparica tambem calçava da "Sapataria Lisbonense" da rua Augusta. (3)


(1) Diário Illustrado, 17 de setembro de 1891
(2) Diário Illustrado, 19 de setembro de 1891
(3) Diário Illustrado, 20 de setembro de 1891

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Colégio do Menino Jesus (1876 - 1901)

In Memoriam: Henry Bailey Maria Hughes (1833 — 1887)

Costa da Caparica, Manhã na praia da Caparica, Adriano Sousa Lopes (1879 — 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Ao norte lá está a egreja, simples e singella, como são também os costumes d’aquella boa gente hospitaleira, e ao lado da capella, mas mais para nor-noroeste., o chamado convento, onde está aula, mandado construir em 1870 pelo reverendo padre Hughes [...]

Costa da Caparica, em segundo plano o Colégio do Menino Jesus e a igreja, década de 1900.
Imagem: Arlindo Pereira

Estava então na Costa o reverendo padre Hughes, e o Tio Alfama, que pelos modos lhe pesavam na consciência uns certos e determinados peccaditos, procurou este ver o sacerdote para que o ouvisse de confissão.

Costa da Caparica, 1907.
Imagem: Delcampe

É então desde essa data que aquelle homem começa a derramar sobre a povoação da Costa benefícios sem número. (1)

O reverendo padre Hughes  é um sacerdote cujo único defeito conhecido é julgar-se no tempo do imperador Décio, o furioso perseguidor da cristandade, duzentos anos depois de Cristo.

Confundindo o Sr. Fontes Pereira de Melo com o temível imperador romano, o reverendo Huggs fêz como S. Paulo o Eremita: fugiu da comunicação dos homens, do Chiado e do Diário de Notícias, sacudindo as suas sandálias no Atêrro; e, não tendo à mão o deserto da Tebaida, tomou o vapor de Cacilhas, e foi estabelecer na outra banda a sua cabana anacoreta.

in Ortigão, Ramalho, As Farpas, Volume 5, A Religião e a Arte, Lisboa, David Corazzi, 1888

Conquanto Costa de Caparica seja a mais nova Freguesia do concelho de Almada [em 1973], pode e deve-se orgulhar de ter sido das primeiras terras de Caparica a ter uma escola primária. Pois ela apareceu em 1876, mercê da iniciativa do Reverendo Padre Henrique Bailie Hughes.

[...] Ramalho Ortigão, em um dos seus livros [As Farpas, A Religião e a Arte], embora a ele se faça larga referência, não nos diz que o Padre Hughes e não Huggs, como ele escreveu, com o castigo que lhe foi imposto, deu motivo a que fosse o principal obreiro da instrução primária em Costa de Caparica.
Então tivemos notícias dele no Colégio Dominicano de Lisboa, onde, depois de completar o curso que estudou, se tornou professor.

Durante esta parte da sua carreira diz-se que objectou a ordenação de um candidato a padre argumentando publicamente em resposta à questão da capacidade deste durante o serviço.

Com isto criou inimigos, e estando em perigo de vida, encondeu-se entre a população marítima de Lisboa, trabalhando com grande esforço na salvação destes, por quem era muito amado.

in The TABLET: The Island Recluse

Junto do local onde se encontra a actual Igreja, que nesse tempo se dizia Capela, existiu um vasto edifício Casa de Repouso (?) ou Convívio para reunião e meditação dos habitantes dos conventos que existiam em Caparica, edifício esse que mais tarde passou a ser escola primária e centro religioso — e nunca convento, como o povo erradamente lhe chamou, e ainda hoje é conhecido o local.

Costa da Caparica, Colégio do Menino Jesus dito "convento", imagem estereoscópica (detalhe), c. 1900
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

O Padre Hughes, foi pelo seu dinamismo. o fundador do Colégio do Menino Jesus, cuja imagem se encontrava à entrada da escola, e da qual existe imagem igual mas de tamanho reduzido na igreja da Costa de Caparica, a que o povo chama o Menino Jesus da Praia por ter na mão uma rede a que os pescadores chamam ganha-pão ou chalavar, como ainda hoje se usa em determinadas pescarias.

Menino Jesus, madeira policromada, José Risueño, séc. XVIII.
Imagem: V&A

Desse colégio que existiu até 1901, foram seus professores, José Reis, Pedro Nolasco de Oliveira, José Lima, Francisco e António Calderon. Conquanto se diga que outros foram lá também professores, a verdade é que só estes figuram na Relação do Colégio do Menino Jesus da Costa de Caparica.

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, colégio do Menino Jesus e casas típicas de pescadores, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Assim como também é possível que outros padres tivessem lá passado como directores da escola, mas a Relação apenas nos fala além do padre Hughes, dos Reverendos Padres António Rodrigues de Campos e Patricio Russuel [Patrick Bernard Russell ou Patricio Bernardo Russell], além do Irmão Laico Frei Martinho José Nogueira.

Esta escola, que era apenas para rapazes, chegou a ter em aula mais de meia centena, o que era muito para a época.

Costa da Caparica, crianças filhas de pescadores, 1938.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Até à data, que se saiba, ainda não se conseguiu localizar onde se encontram enterrados os restos daquele que foi o pioneiro da instrução primária em Costa de Caparica.

Costa da Caparica, Areal, Adriano Sousa Lopes (1879 — 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)
Hughes, Henry Bailey (1833 — 1887), padre católico romano; nascido em Caernarvon [hoje Caernarfon, país de Gales] em 1833, onde o seu pai, Howell Hughes, foi cura e depois reitor de Trefriw (1833 — 1839), e de Rhoscolyn, Anglesey (1839 — 1848).

Henry Bailey Hughes entrou para a Igreja Católica Romana, quando tinha cerca de dezesseis anos.

Estudou no Colégio Dominicano de Lisboa e, depois de entrar no sacerdócio, viajou em missionário na Europa, África e Estados Unidos. 

De regresso ao País de Gales, viveu por uns tempos na ilha de S. Tudwal, ao largo da costa Caernarvonshire, tendo pregado em Llyn e outros lugares de Caernarvonshire.

Escreveu hinos galeses e baladas. Faleceu a 16 de dezembro de 1887.

in Welsh Biography Online

Costa da Caparica, 1907.
Imagem: Delcampe

Dele apenas existe um ou outro apontamento dispersos em livros ou jornais e a recordação do povo com que ele passou à história: — o Monge da Costa! (2)

Costa da Caparica, pescadores octogenários, 1938.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo


(1) Júnior, Duarte Joaquim Vieira, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896.

(2) Correia, António, Divagando sobre Caparica: pedaços da sua história, Almada, edição do autor, 1973.

Artigo relacionado:
A costa no século XIX


Leitura adicional:
The TABLET: Et Cietera
The TABLET: The Island Recluse