quarta-feira, 30 de março de 2022

Condes de Caparica

O título de 1.º conde de Caparica foi concedido, em 1793, a D. Francisco de Meneses da Silveira e Castro (1754-1834), que foi estribeiro-mor e mordomo-mor da Rainha D. Carlota Joaquina e que era filho de D. José de Meneses e Castro (e Távora), senhor da Patameira e do morgado de Caparica, e da sua esposa D. Luísa Gonzaga, condessa de Rappach. Em 1813, D. Francisco foi elevado, pelo Príncipe-Regente D. João, a 1.º marquês de Valada.

José de Meneses Silveira e Castro, 2° Marquês de  Vallada, desenho de Manuel Macedo.
Memória da República

D. José de Meneses da Silveira e Castro (1826-1895) foi o 2.º marquês de Valada, título renovado por D. Maria II através do Decreto de 1 de dezembro de 1834. Filho único do 1.º marquês e da sua segunda esposa, D. Francisca de Almeida, foi um homem culto e um notável orador, tendo sido par do Reino por sucessão, oficial-mor da Casa Real, governador civil do distrito de Braga e interino do de Lisboa.

José de Meneses Silveira e Castro, desenho de Manuel Macedo.
Memória da República

Casou em 1848 com D. Maria Isabel de Bragança, filha dos duques de Lafões. Teve um filho, D. Francisco Xavier de Meneses e Távora (1854-1914), que foi nomeado 2.º conde de Caparica, mas que faleceu sem descendência, e uma filha, D. Ana de Meneses (1855-1890), que casou com D. Manuel de Meneses, senhor da Casa da Flor da Murta, e que também não teve filhos.

Caparica, Pera, casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, c. 1900.
Internet Archive

Falecendo D. José de Meneses da Silveira e Castro a 15 de outubro de 1895, a representação do título de marquês de Valada caiu na Casa dos marqueses de Olhão e condes de Castro Marim. D. Francisco Xavier foi o último conde de Caparica antes da instauração da República e da extinção dos títulos nobiliárquicos. (1)

O antigo Morgado da Caparica, fundado em 1449 por Álvaro Pires de Távora (v. Távoras de Caparica) e extinto pela Lei de 19 de Maio de 1863, era constituído por vários bens (quintas, propriedades rústicas e urbanas) que, por Sentença de partilhas de 16 de Setembro de 1863, estavam na posse do último Conde de Caparica, D. Francisco Xavier de Menezes, o qual, sendo já viúvo e morador em Paris na Avenida Victor Hugo, n.º 150, vendeu através do seu representante, Joaquim José Monteiro Torres, solteiro, 2.º oficial da Secretaria da Câmara dos Dignos Pares, morador em Almada na Rua Serpa Pinto, n.º 34, a José Vicente Gomes Cardoso (investidor, fundador da SFUAP e entusiasta automobilístico), por uma escritura feita em 10 de Outubro de 1896. (2)


(1) INVENT.ARQ
(2) Rui Manuel Mesquita Mendes

Leitura relacionada:
O marquês de Valada e a tragicomédia da inversão
Diário Illustrado, 16 de outubro de 1895
O último vice-rei do Brasil

Tema:
Távora


sábado, 26 de março de 2022

Romagem ao Porto Brandão do Marquês de Marialva

Vem de longa data a festa no Porto Brandão à Senhora do Cabo. Desde há cinco séculos, a partir de 1430, atravessa o Tejo, de Lisboa para o Porto Brandão, no mês de Junho, e regressa depois, o Círio do Cabo, nos primeiros tempos em simples cortejo de oferenda de uma grande vela de cera ou círio para o culto.

Panorâmica da foz do Tejo.
Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669), Pier Maria Baldi.
Biblioteca Nacional de Portugal

O Círio do Cabo veio a constituir grandiosa procissão, em que os reis por vezes participavam. Nela figuravam, à frente, numerosos cavaleiros em trajes romanos; seguia-se-lhes um vistoso carro com músicos e depois vinha uma berlinda com a antiquíssima imagem da Senhora do Cabo, acompanhada de muitos carros dos mais variados modelos.

STELLA MATVTINA

Ao desembarcar no Porto Brandão, o cortejo do Círio encontrava um mar de povo, que, impaciente, o aguardava, e então os foguetes estalejavam sobrepondo-se por momentos ao alegre repicar dos sinos, num ambiente de grande entusiasmo. Mas o que dava maior realce ao cortejo era o acompanhamento que lhe fazia o Marquês de Marialva, em imponente romagem.

Beckford, o delicado e culto escritor inglês, que, nos fins do século XVIII, algumas temporadas viveu entre nós, no Ramalhãó e em Monserrate, enfeitiçado pelo colorido da terra portuguesa, teve ocasião de assistir, em 3 de Junho de 1787, com surpresa e admiração, à grande romagem do Marquês de Marialva.

William Beckford em 1782 por Joshua Reynolds.
National Portrait Gallery

Num dos seus livros (A côrte da rainha D. Maria I. Correspondencia de W. Beckford), em que recorda as suas estadas em Portugal, descreve o admirável e pitoresco cortejo do Marquês, que tanta curiosidade lhe causou: Músicos, poetas, toureiros, lacaios, crianças fantasiosamente vestidas, anões e, até, macacos seguiam o Marquês de Marialva e o seu filho D  José, em numeroso, alegre e faustoso séquito.

D. Pedro, 4° Marquês de Marialva, por Domingos A. Sequeira.
Lisboa Revista Municipal n° 20, 1987

Os criados conduziam gaiolas com pássaros, lanternas, cabazes de fruta, grinaldas de flores. E lá iam todos a dançar e a cantar, com grande entu- siasmo, no meio da ruidosa alegria das crianças do cortejo, que, observa surpreendido Beckford, "para parecerem mais habitantes do Céu que da Terra, levavam asinhas presas aos ombros".

Costa da Caparica, procissão, 1926.
Delcampe - Bosspostcard

Anota a seguir o escritor, sempre bom observador, que alguns destes "anjinhos de teatro" eram muito engraçados e estavam penteados com o cabelo a formar anéis em volta da cabeça. Assim foi a grande romagem ao Porto Brandão do Marquês de Marialva, cheia de colorido e de pitoresco, de 3 de Junho de 1787, dia de esplendorosa festa no Tejo, sob o céu de luminoso azul.

A sua recordação ficava consignada, com admiração, nos escritos de viagem de um inglês de celebridade, que Lord Beaconsfield apelidaria, um dia, do "maior génio britânico no bom gosto". (1)


(1) Boletim do Porto de Lisboa n. 126, julho de 1961

Mais informação:
A côrte da rainha D. Maria I. Correspondencia de W. Beckford
Santuário do Cabo de Espichel (Guião de visita)
Cape Espichel - Timeline (fb)
Mattutino di Morti (1770), Davide Perez, Primiera Opera cantada na Casa da Ópera do Cabo Espichel (fb)

Artigo relacionado:
Senhora do Cabo
Marialva por Beckford (a Quinta da Praia)

quarta-feira, 9 de março de 2022

O Fardo das Imagens

Adelino Lyon de Castro (1910-1953)

O seu percurso fotográfico iniciou-se, a exemplo de muitos outros fotógrafos da sua geração, nos circuitos da fotografia de salão promovidos pelos foto-clubes. Pertenceu a uma das associações fotográficas mais relevantes da década de 50, o Foto Clube 6x6, fundado em 1950 e sediado em Lisboa, que teria uma importante actividade salonista a nível nacional e internacional.

Esforço, fotografia de A. Lyon de Castro, que obteve o primeiro prémio no I Salão de Arte Fotográfica Portuguesa (cf. O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC)
A mesma foto (impressão de época) aparece no catálogo "O Fardo das Imagens", 2011, com o título Ala-Arriba, que estará certamente indicado no verso, e com a data 1950 (nº 22, pág. 44). É uma prova e um título certamente usados para outro Salão - e nomeada com pouco rigor, já que "Ala Arriba" é uma expressão da Póvoa do Varzim (cf o filme homónimo de Leitão de Barros, de 1942) e o barco é da Caparica (cf. Alexandre Pomar, Lyon de Castro na "Panorama", 1949 e 1952 (10))

A sua relação intensa e próxima com os meios literários e artísticos de resistência à Ditadura, aproximou-o das Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP), imbuídas da estética neo-realista, levando-o à participação na secção de Fotografia na 5ª EGAP, com obras entre um naturalismo engagé e o documental denunciatório.

Costa da Caparica, Adelino Lyon de Castro,
O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC.
Pinterest

Participou em inúmeros salões fotográficos nacionais e internacionais. A totalidade do seu espólio fotográfico foi doada ao Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado em 2008. (1)

"A componente realista está lá, mas a sua abordagem é sobretudo humanista porque ele faz uma fotografia muito próxima das pessoas", diz Emília Tavares, comissária d"O Fardo das Imagens (1945-1953), a nova exposição do Museu do Chiado, em Lisboa (...)


Costa da Caparica, Adelino Lyon de Castro,
O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC.
Pinterest

Os barcos dos pescadores da Costa da Caparica, onde o fotógrafo passava grandes temporadas a acampar com familiares e amigos, entre eles o sobrinho Tito, estão bem representados, formando uma espécie de microfilme, que na exposição encontra paralelo na sequência do homem já velho que passeia na rua de uma aldeia por identificar ou na do grupo que se entrega à desfolhada (...)

Costa da Caparica, Adelino Lyon de Castro,
O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC.
Pinterest

"Nos seus excluídos há um grande abandono, um imenso desalento, uma angústia existencial... São fotografias com uma grande carga emocional, mas muito ricas do ponto de vista formal e ideológico", diz Tavares. "Têm tudo a ver com o grande movimento humanista da fotografia do pós-guerra." (2)


(1) MatrizNet
(2) Público, 11 de abril de 2011

Mais informação:
Alexandre Pomar, Lyon de Castro na "Panorama", 1949 e 1952 (10)
Idem, Notas: Adelino Lyon de Castro e a sua obra (4)
Catálogo da Exposição Adelino Lyon de Castro: O Fardo das Imagens (1945-1953)