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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

As primitivas barracas dos pescadores

Segundo uma tradição que parece consistente, teriam sido os ilhavenses, vindos do Norte na sua avançada pioneira de exploração de novas pescarias, quem primeiro se estabeleceu na Costa da Caparica, até então deserta; e, imediatamente após eles, os algarvios, vindos do Sul. Uns e outros, além da pesca e da organização que esta implica, trouxeram consigo os seus hábitos e costumes próprios, que implantaram nestas paragens.

A Praia do Sol, As primitivas barracas dos pescadores, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 111.
Delcampe

Passados os primeiros tempos, em que toda essa gente permanecia na Caparica apenas durante a época da safra, nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro, vivendo em "singelas e pequenas choupanas, a que largavam fogo quando se retiravam para as suas terras", começa a dar-se a sua fixação: os ilhavenses ao Norte, sobre um medo elevado que existe perto do ponto onde agora se situam as barracas dos pescadores; os algarvios ao Sul, cada qual em seu bairro, fazendo vida separada.

Paisagem com pescadores e cabana de palha a arder, Joaquim Manuel Rocha (1727-1786).
Palácio do Correio Velho

Os algarvios, para se abrigarem, construíram sem dúvida barracas de estorno ou junco, idênticas às que usavam na sua terra de origem, e com os mesmos materiais que ali também se encontram. A habitação tradicional característica do pescador ilhavense, no Norte, é o palheiro de tabuado, apenas com a cobertura em estorno.

Costa da Caparica, cabanas de colmo e tabuado.
Estampa, Madrid, 13 de fevereiro 1932

As mais antigas notícias de que dispomos referentes à Costa da Caparica, dos séculos XVIII e XIX, mencionam, como veremos, exclusivamente um aglomerado de "barracos de palha" (à excepção de Rocha Peixoto, que no seu estudo sobre os "Palheiros do Litoral", datado de 1898, in «Portugália» I, Porto, 1899, pp. 79 96, fala na "imutável traça" do palheiro de tabuado, mas cuja excessiva generalização já denunciamos);

Costa da Caparica, Antigas casas de pescadores, Acção Bíblica (Aliança Bíblica), década de 1930.
Delcampe

se estes termos correspondem a uma indicação rigorosa e precisa, temos de supor que aqui, onde sem dúvida a madeira para o tabuado seria de difícil e dispendiosa obtenção, esses pio neiros ilhavenses adoptaram, não a forma da sua habitação tradicional, mas a dos seus co vizinhos algarvios, mais fácil de construir, que teriam imitado e usado até muito tarde.

Costa da Caparica, Casa de pescadore, Luiz Salvador Jr., 1947.
Luís Salvador Júnior

Mas, como veremos, é de admitir que se trate de uma mera generalização sem qualquer preocupação de exactidão, e que desde muito cedo houvesse casas de tabuado, e apenas com telhados de colmo, além de barracos inteiramente em estorno.

Parece terem sido os ilhavenses os que também primeiro ali passa ram a viver com carácter permanente; os algarvios regressavam ao Algarve quando acabava a safra. Ainda em 1770, esta praia era habitada todo o ano apenas por um número muito reduzido de pessoas, e só no ano seguinte ali se fixaram os primeiros « mestres da pesca», dois ilhavenses – Joaquim Pedro e José Rapaz – e dois algarvios – José Gonçalves Bexiga e Romualdo dos Santos –, "em barracas já com maiores comodidades", e com as suas companhas.

Desenho da Costa antiga, autor António Lopes Martins, Col. Particular.
Rui Manuel Mesquita Mendes (fb)


"Dado o exemplo, em anos a seguir, ali se fixaram também os mestres José dos Santos, Jerónimo Dias, João Lopes e Manuel Toucinho". O principal motivo da subsequente fixação também dos algarvios teria sido o receio de perderem a sua zona de pesca (Agro Ferreira, "A Praia da Costa (Caparica) – Terra de Pescadores", Lisboa, 1930, pp. 20, 22, 30 31).

A rivalidade entre ilhavenses e algarvios era grande, mas o elemento nortenho acusava uma certa supremacia, e os algarvios foram-se amoldando; as próprias moradias do bairro velho dos pescadores parecem se mais com as da Costa Nova do que com as do Algarve.

Com o decorrer do tempo, os dois grupos acabaram por se fundir; mas essa primitiva rivalidade perdura, ainda em nossos dias, nos partidos dos jogos dos garotos, que opõem sempre os do Norte contra os do Sul (em 1870 contavam se na Costa da Caparica 307 chefes de família, na sua maioria descendentes de gentes do Norte (António Correia, "A acção dos pescadores de ílhavo em Costa da Caparica", in "Arquivo do Distrito de Aveiro", n.° 130, Aveiro, 1967, pp. 113 118).


Um dos primeiros cuidados destes pioneiros nortenhos foi a construção da igreja, também de junco e tabuado; o cemitério local data de 1780, mas só em 1848 foi murado [de facto trata-se de outro cemitério, mais recente, v. O cruzeiro do lugar da Costa].

Nos princípios do século XIX, a Costa da Caparica era ainda apenas um aglomerado de barracas de palha, na expressão de Pinho Leal; a primeira casa de pedra e cal data de cerca de 1800; quando D. João VI visitou a Caparica em 1823 ou 1824, hospedou se nessa casa, que era a única ainda então existente no lugar, e que é hoje conhecida pelo nome de casa da Coroa, no largo da Coroa (porque o seu dono, em comemoração do acontecimento, mandou incrustar na sua frontaria as armas reais daquele monarca, sobre a esfera armilar (cf. Pinho Leal, vol. 2, pp. 97 98, Lisboa, 1874, " PAM", s. v. Caparica), ver também "A Praia da Costa" (Agro Ferreira), p. 30).

Costa da Caparica, Casa da Coroa, Cruz Louro, 1935.
Rui Manuel Mesquita Mendes (fb)

Em 1840, um grande fogo, chamado da "Quinquilheira", devorou 98 barracas; em 1864, outro, devorou cerca de 60; e em 1884, outro ainda, devorou também cerca de 60.

Por volta de 1900 a Costa da Caparica continuava a ser apenas um arraial de barracas; "a única casa mista de cantaria e madeira, era uma taberna" (Raquel Soeiro de Brito, "Palheiros de Mira», p. 23"). [esta generalização não corresponde à verdade, em 1859 já existiam diversas construções em alvenaria, v. Maria Rita do Adrião (1811-após 1903)].

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, colégio do Menino Jesus e casas típicas de pescadores, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

Mais uma vez, porém, não podemos saber se essas barracas seriam de estorno ou tabuado; mas cremos que, pelo menos nessa altura, já ali existiam casas deste último género, embora sem dúvida a par de bar racos de estorno, de que aliás chegaram até quase aos nossos dias alguns exemplares: além dos barracos pròpriamente ditos, há que acrescentar, como bem notou Fernando Castelo Branco, outros, construídos sobre barcos fora de uso, que se vêem em duas aguarelas de Roque Gameiro (v. O Alfama, 3 de 3), que supo mos poder datar desta mesma época, e a que já nos referimos; ora esses barracos são precisamente de tabuado (horizontal), e apenas com a cobertura em estorno (Fernando Castelo Branco, "O estudo das construções de materiais vegetais do Litoral Português", in "Mensário das Casas do Povo", Ano XXIII, n.° 265, Lisboa, 1968, ano XII, n.° 264, 1968, p. 9).

Acresce que os homens velhos da localidade tão longe quanto podem, lembram se da Caparica, como um aglomerado sobretudo de casas de tabuado, tal como ainda hoje.

Costa da Caparica, Praia do Sol.
Bairro dos Pescadores, Cruz Louro, 1934.
BestNet Leilões

Seja como for, a partir de então, a construção em tabuado toma certa mente maior incremento, enquanto os velhos barracos do tipo algarvio se vão extinguindo, acompanhando os rápidos progressos que se verificam nos locais que passam a ser frequentados por veraneantes (Raquel Soeiro de Brito, op. loc. cit.).

Segundo Agro Ferreira, até 1922 esta povoação era constituída apenas por «uma centena de barracas de colmo», a par de «umas dezenas de barracas de tijolo e meia dúzia de casas abarracadas de pedra e cal » (Agro Ferreira, "As praias da Costa – indevidamente chamada da Caparica". I Congresso National de Turismo, II Secção, Lisboa, 1936 – A "Praia do Sol"). Mas, pelas razões apontadas, é difícil saber se a expressão, além das coberturas, se refere também às paredes.

Costa da Caparica, interior de uma barraca de pescadores, Cruz Louro, 1930.
Delcampe

Com efeito, Raul Brandão, falando da Costa da Caparica em 1923, dá a entender que as casas aí eram, pelo menos então, de tabuado (Raul Brandão, "Os Pescadores", 1923, p. 248: "Quatro tábuas e um tecto de colmo negro"). E Leite de Vasconcelos, que a visita em 1931, nota que, pouco tempo antes, ainda ali se via grande número de casas de madeira cobertas de colmo, « que vão sendo substituídas por óptimas vivendas» (J. Leite de Vasconcelos, "Etnografia Portuguesa", II, p. 564). "O telhado faz se de barrotes de pinheiro, castanheiro (!), etc., pondo se lhe por cima canas grossas, e sobre as canas feixes de estorno, atado a elas com linhas de carreto. Chamam barracas a estas casas, que vão desaparecendo. Os compartimentos podem ter divisões ou simplesmente cortinas, ou de caniçadas de estorno."

Aspecto do bairro piscatório da Costa da Caparica, 1938.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Note se que este autor publica uma fotografia antiga da Costa da Caparica, em que se vêem alguns escassos barracos que parecem ser de tabuado, no meio de uma chusma de outros inteiramente de estorno, do tipo algarvio, dispersos no areal (J. Leite de Vasconcelos, "Etnografia Portuguesa", III, p. 487 488, e fig. 126, p. 489).

Hoje, na Costa da Caparica, nenhum exemplar subsiste de tais barracas, e domina inteiramente a casa de tabuado, não só para banhistas, numa feição cuidada, como também, no velho bairro dos pescadores, estas térreas, de pau a pique, e tabuado horizontal, virando para a rua a empena, onde se situa a porta; a cobertura em telha de Marselha é a única diferença sensível entre elas e as barracas descritas por Raul Brandão (Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, "Palheiros", p. 95).
nto".

Costa da Caparica, Bairro dos Pescadores.
Arquivo Histórico da Marinha

Embora seja portanto plausível, não se pode contudo, como dissemos, afirmar que essas casas representem a forma primordial das habitações dos ilhavenses que se instalaram na Caparica, que reproduziriam naturalmente o sistema construtivo usado na sua terra de origem; na verdade, se os "barracos de palha" a que alude Pinho Leal, eram de junco, do tipo algarvio, elas serão apenas um estádio habitacional mais adiantado, que se teria então iniciado, após que as condições de vida dos seus moradores melhora ram, e os transportes em geral se tornaram mais fáceis.

Em todo o caso, essa nova forma, aqui na Caparica, teria vindo curiosamente ao encontro da mais velha tradição construtiva da região de origem dos seus primeiros povoadores (note-se porém que, aqui, eles não usaram a construção palafítica característica da sua terra de origem e dos outros povoados por eles criados, e que se justificaria pelas mesmas razões, cf. Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, op. cit. p. 96).
I); 

Costa da Caparica, Bairro dos Pescadores.
Arquivo Histórico da Marinha

Cerca de 9 km a Sul da Costa da Caparica encontra se a Fonte da Telha, "lugarejo de pescadores à beira mar", também "quase totalmente formado por estas primitivas barracas", que "servem de arrecadação, de abrigo de animais e ainda de habitação para o Homem" (Orlando Ribeiro, ap. Raquel Soeiro de Brito, op. cit. p. 23).

A Fonte da Telha surgiu, como povoação, por volta de 1900, e há poucos anos a esta data ainda viviam alguns dos homens que lhe deram começo. Pescadores da Caparica, esses homens deitavam por vezes ali as suas redes de arrasto para terra, e pernoitavam em covas que abriam na duna e sumàriamente abrigavam com estorno, que vergavam amarrando lhe as pontas em cima, de modo a formar como que uma pequena tenda.

A Fonte da Telha (Costa da Caparica, Praia do Sol), Cruz Louro, 1937.
Cruz Louro

Tomada a resolução de aí se instalarem com carácter permanente, eles ergueram barracas, que certamente reproduziram as da Caparica, em que até esse momento tinham vivido.

Em 1934, a povoação, a despeito da sua proximidade da Caparica, que então já evoluirá muito consideràvelmente, mantinha o seu carácter primitivo. Nos últimos anos, graças também à sua frequentação sempre crescente como praia de banhos, o aspecto da Fonte da Telha tem se modificado, e designadamente as barracas de estorno vão sendo ràpidamente substituídas por casas de tabuado ou de materiais duros, que se alinham em arruamentos regulares; mas delas subsistem ainda alguns exemplares.

A estrutura e pormenores de construção dos primitivos barracos da Costa da Caparica, que até aos princípios deste século constituíram, se não a totalidade, certamente uma grande parte, da povoação, já só poderá conhe cer se através dos exemplares ainda existentes da Fonte da Telha, que como dissemos, eram sem dúvida idênticos àqueles (em 1963, ver texto correspondente à nota 279, a descrição de Leite de Vasconcelos das coberturas de estorno das barracas de tabuado da Caparica).


Fonte da Telha, cabana (fig. 254).
Veiga de Oliveira, Galhano, Pereira, Construções primitivas em Portugal

Aqui, a estrutura das paredes consiste numa série de prumos espetados na areia – as muletas; os das paredes laterais são baixos, erguendo se acima do solo pouco mais de 1,50 m; e aos que suportam o pau de fileira (cume), a meio das empenas, chamam prumos de cabeceira.

Os barrotes da cobertura, lançados do frechal ao cume, ficam distantes uns dos outros cerca de 60 cm, e sobre eles pregam-se ou amarram se canas simples ou aos pares, a espaços de cerca de 15 cm. Nas paredes, a ripagem é semelhante, disposta mais espaçadamente.

O estorno do revestimento é cosido a ponto, e o cume leva uma fiada dis posta transversalmente, segura por duas canas, uma em cada vertente; sobre esta fiada dispõe se outra – a combreira – ao correr do cume, também amarrada para as varas. Interiormente as paredes são revestidas de tabuado, colocado horizontalmente (fig. 254).

Na Trafaria, temos indicação da existência – já antes de 1793 – de barracos semelhantes aos de outros pontos da nossa costa, e às "sanzalas ou palhotas" do Brasil e da África, "de palha brava e comprida" ou "folhas dos coqueiros, com paredes de fora de taipa" (Luís António de Oliveira Mendes, "Discurso académico ao Panorama", premiado na sessão pública de 12 de Maio de 1793, in "Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa", Tomo IV, Lisboa, 1812, agradecemos esta indicação ao investigador António Carreira).

Costumes portuguezes, um pescador na Trafaria.



(1) Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano, Benjamim Pereira, Construções primitivas em Portugal

Artigos relacionados:
Maria Ritta do Adrião: alojamento local (desde 1859)
Maria Rita do Adrião (1811-após 1903)
Casario
A Costa no século XIX
Não rebenta a vaga
etc.

Tema:
Urbanismo

Polémica sobre outras construções (palheiros, apoios de pesca, restaurantes de praia, residências de veraneio etc.):
Os palheiros da Costa, enquanto evidência da cultura dos pescadores da costa ocidental
Palheiros da Costa da Caparica: em defesa da cultura popular
Estudo de caracterização e avaliação do eventual valor cultural e patrimonial (histórico e arquitectónico) das construções de carácter precário, localizadas na área de intervenção do PP5...

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Alegria no trabalho

Suprimindo todas as instituições privadas e públicas – provenientes da República de Weimar – responsáveis pelos interesses trabalhistas como sindicatos e instituições recreativas, o Estado numa atitude totalitária, e visando anular as lutas de classe, criou em maio de 1933 a Frente Alemã para o Trabalho - Deutsche Arbeitsfront (DAF). Presidida por Robert Ley, a DAF tornou-se no principal mediador entre entidades patronais e empregados, acabando por fundar em novembro do mesmo ano a Kraft durch Freude (KdF), uma organização recreativa (...)

Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
Costa da Caparica, aspecto do almoço dos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais, 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Numa ação propagandística e pretendendo regulamentar os tempos livres dos trabalhadores, a Obra sindical Alégria y Descanso facultou aos seus associados átimos de educação cultural e artística, viagens e excursões, formação militante e atividades desportivas, sofrendo influência direta das bases práticas e teóricas das suas congéneres – italiana, alemã e portuguesa. Importa mencionar que, antes da sua consolidação em 1940, a direção da Obra sindical se reuniu várias vezes com os quadros administrativos da OND, da FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho), da KdF, entre 1936 e 1938, para discutir e apreender os seus moldes teóricos e formas de atuação (...)

Costa da Caparica, encontro Jacista (Juventude Agrária Cristã), 1938.
Delcampe Bosspostcard

Similarmente ao modus operandi dos restantes regimes fascistas Europeus, o Estado Novo concebeu, a partir de 1933 várias organizações corporativas, paramilitares, opressivas, propagandísticas e recreativas que o coadjuvaram no projeto de centralização de poder e no controlo integral dos vários domínios da vida pública e privada, tendo em vista a construção de um novo «Homem Português» (...)

Costa da Caparica, Jardim da F.N.A.T., ed. Passaporte n° 46.
Delcampe

Instituído no ano de 1933, o Secretariado De Propaganda Nacional (SPN), sob a orientação de António Ferro, tornou-se responsável pela conceção e promoção de uma política cultural popular que, enquanto conduzia os portugueses para os princípios sociais e políticas do Estado, o dotava de uma irrepreensível imagem tradicional de Bom-Gosto. (1)

Bandeira da Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
BestNet Leilões

"A organização corporativa da Nação não deve limitar os seus objetivos ao campo das preocupações de ordem meramente material. Por muito graves e instantes que sejam as solicitações de alguns problemas económicos do momento presente, há que alargar os horizontes do nosso esforço.

Sem um intenso movimento de espiritualização da vida e sem um forte apelo aos valores morais, a obra do Estado Novo poderia renovar materialmente a face da terra portuguesa, mas não seria conseguida a sua vitória mais alta: a transformação profunda da nossa mentalidade, o revigoramento de todos os laços e de todos os sentimentos que mantém a comunidade nacional e a perpetuam através dos tempos. (...)

É preciso estimular o ambiente de puro idealismo em que tais instituições se criaram, manter acesa a chama do entusiasmo e da confiança que o pensamento social do Estado Novo Corporativo fez reacender na consciência das massas trabalhadoras"  (2)


Em 1939, e mesmo antes de se converter em Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI) no ano de 1944, o SPN acumulou novas funções e passou a ter sob a sua alçada a incumbência de estimular e regulamentar a prática turística (...)

Costa da Caparica, fotografia de Pais Ramos,
Panorama revista portuguesa de arte e turismo n° 10, agosto de 1942.
Hemeretoca Digital


Considerando a classe operária como um grupo sensível à criação de associativismos e movimentos de contestação social, o Estado Novo, arvorando a missão de pedagogo nacional, promoveu, adstrito à ação da FNAT, a criação de várias colónias de férias dedicadas aos “trabalhadores inscritos nos sindicatos Nacionais e nas Casas do Povo e as suas famílias”, entre 1935 e 1974.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Pavilhão central, ed. desc. (Neogravura).
Delcampe


Dependendo das débeis condições da Fundação e dos apoios estatais e, inicialmente, restrito à obra desenvolvida na Mata da Caparica, o projeto das colónias de férias nacionais para trabalhadores avançou, durante vinte anos, a título experimental, não existindo condições para identificar, no período em questão, num programa base a si destinado.

Costa da Caparica, Entrada principal para a FNAT, ed. Passaporte, 88, década de 1960.
Delcampe

De facto, apesar de existir empenho por parte do regime e da organização “em melhorar as condições de vida do trabalhador” consagrando “especial atenção à necessidade de assegurar a sua recuperação física”, as fragilidades que a FNAT enfrentou, ao longo dos seus primeiros anos de instituição, não permitiram gerar o equilíbrio necessário para a ampliação desejada da obra «Um Lugar ao Sol».

Apartada da “«cidade de férias» de Cassiano Branco, que se adivinhava veloz e vibrante ao ritmo d’a idade do Jazz-band”, a primeira colónia de férias nacional estruturou-se como uma verdadeira urbanização, de vertente familiar e educativa, adaptando-se ao espaço envolvente em composições de «roupagem» moderna.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Vista aérea, ed. Neogravura.
Delcampe Bosspostcard

“A partir de 1950, atingiu-se o equilíbrio num nível de receitas e de despesas de ordem dos 2,600 contos”, que, conquanto longe de ser o desejável ou “significar desafogo”, permitiu, associado ao terceiro estatuto da Fundação, expandir o projeto das colónias de férias.

Não detendo mais a gestão das colónias balneares infantis e tendo como base a obra de «Um Lugar ao Sol», a FNAT desenvolveu um plano de readaptação dos seus edifícios, anteriormente destinados às crianças, para o público adulto.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Trecho duma avenida, ed. Neogravura.
Delcampe Bossposcard

Enfatizando “as feições de uma obra que Salazar desejava simples, despretensiosa, agradável, higiénica e confortável”, o plano de readaptações, contando com “uma forte carga pedagógica na elevação cultural moral e cívica dos trabalhadores”, dotou os seus edifícios, repetidamente descritos na documentação como «pitorescos» e «com pendor tradicional», de dormitórios destinados a solteiros, quartos familiares, salas de jantar, salas de convívio, bar, casas-de-banho, capela, garagem e áreas funcionais que albergaram cozinhas, despensas e compartimentos destinados a funcionários (...) (3)


(1) Joana Castanheira Gabriel, Arquitetura social da FNAT (1938-1974)..., 2019
(2) Decreto-lei n.º 25 495, 13 de junho de 1935. Diário do Governo n.º 134 - I Série. Presidência do Conselho. Lisboa, p. 857.
(3) Joana Castanheira Gabriel, idem

Artigos relacionados:
Um lugar ao sol
Sobre o projecto de Cassiano Branco
Indevidamente chamada de Caparica
Mata do Estado e Quinta de Santo António

Leitura relacionada:
Panorama revista portuguesa de arte e turismo n° 10, agosto de 1942

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Chinquilho

Foi este jogo inventado pelos Cabazeiros da Costa, e Trafarianos, para se entreterem em quanto esperão que se recolhão os pescadores, para lhe atravessarem o peixe em prejuizo dos habitantes de Lisboa, entertenimento este, que faz dar muito gasto aos vinhos da Outra-Banda; cujos armazens levão sempre o ganho certo, e teve a sua criação este jogo, no anno em que se pescou a primeira pescada de rasca (arrasto). (1) 

Costa da Caparica, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, s/n, cliché João Martins, década de 1930.
Fundação Portimagem



(1) José Daniel Rodrigues da Costa, Comboy de mentiras, vindo do reino petista com a fragata verdade encoberta por capitania

Artigos relacionados:
Sape na barba
Na Trafaria, cena da borda-de-água
Caldeirada à Pescador

Leitura relacionada:
Humor impresso: cultura e política em "O Espreitador do Mundo Novo"


Outros trabalhos do autor:
Internet Archive

quarta-feira, 9 de março de 2022

O Fardo das Imagens

Adelino Lyon de Castro (1910-1953)

O seu percurso fotográfico iniciou-se, a exemplo de muitos outros fotógrafos da sua geração, nos circuitos da fotografia de salão promovidos pelos foto-clubes. Pertenceu a uma das associações fotográficas mais relevantes da década de 50, o Foto Clube 6x6, fundado em 1950 e sediado em Lisboa, que teria uma importante actividade salonista a nível nacional e internacional.

Esforço, fotografia de A. Lyon de Castro, que obteve o primeiro prémio no I Salão de Arte Fotográfica Portuguesa (cf. O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC)
A mesma foto (impressão de época) aparece no catálogo "O Fardo das Imagens", 2011, com o título Ala-Arriba, que estará certamente indicado no verso, e com a data 1950 (nº 22, pág. 44). É uma prova e um título certamente usados para outro Salão - e nomeada com pouco rigor, já que "Ala Arriba" é uma expressão da Póvoa do Varzim (cf o filme homónimo de Leitão de Barros, de 1942) e o barco é da Caparica (cf. Alexandre Pomar, Lyon de Castro na "Panorama", 1949 e 1952 (10))

A sua relação intensa e próxima com os meios literários e artísticos de resistência à Ditadura, aproximou-o das Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAP), imbuídas da estética neo-realista, levando-o à participação na secção de Fotografia na 5ª EGAP, com obras entre um naturalismo engagé e o documental denunciatório.

Costa da Caparica, Adelino Lyon de Castro,
O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC.
Pinterest

Participou em inúmeros salões fotográficos nacionais e internacionais. A totalidade do seu espólio fotográfico foi doada ao Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado em 2008. (1)

"A componente realista está lá, mas a sua abordagem é sobretudo humanista porque ele faz uma fotografia muito próxima das pessoas", diz Emília Tavares, comissária d"O Fardo das Imagens (1945-1953), a nova exposição do Museu do Chiado, em Lisboa (...)


Costa da Caparica, Adelino Lyon de Castro,
O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC.
Pinterest

Os barcos dos pescadores da Costa da Caparica, onde o fotógrafo passava grandes temporadas a acampar com familiares e amigos, entre eles o sobrinho Tito, estão bem representados, formando uma espécie de microfilme, que na exposição encontra paralelo na sequência do homem já velho que passeia na rua de uma aldeia por identificar ou na do grupo que se entrega à desfolhada (...)

Costa da Caparica, Adelino Lyon de Castro,
O Fardo das Imagens (1945-1953), MNAC.
Pinterest

"Nos seus excluídos há um grande abandono, um imenso desalento, uma angústia existencial... São fotografias com uma grande carga emocional, mas muito ricas do ponto de vista formal e ideológico", diz Tavares. "Têm tudo a ver com o grande movimento humanista da fotografia do pós-guerra." (2)


(1) MatrizNet
(2) Público, 11 de abril de 2011

Mais informação:
Alexandre Pomar, Lyon de Castro na "Panorama", 1949 e 1952 (10)
Idem, Notas: Adelino Lyon de Castro e a sua obra (4)
Catálogo da Exposição Adelino Lyon de Castro: O Fardo das Imagens (1945-1953)

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas

DOM JOÃO, por graça de Deus, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarve, d’aquém e d’além-mar em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da Índia, &c. Faço saber aos que a presente Carta de Lei virem: Que tendo sido servido unir os meus Reinos de Portugal, Brasil e Algarve, para que juntos constituissem, como efetivamente constituem um só e mesmo Reino:

... escudo Real Portuguez, inscrito na dita Esféra Armillar de Ouro em campo azul, com uma Corôa sobreposta...
Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil

é regular e consequente o incorporar em um só Escudo Real das Armas de todos os três Reinos, assim da mesma forma, que o Senhor Rei Dom Affonso Terceiro, de Gloriosa Memoria, Unindo outróra o Reino do Algarve ao de Portugal, Uniu também as suas Armas respectivas: E occorrendo que para este effeito o Meu Reino do Brasil ainda não tem Armas, que caracterizem a bem merecida preeminencia que Me aprouve exalta-lo: Hei por bem, e me Praz ordenar o seguinte:

I. Que o Reino do Brasil tenha por Armas uma Esféra Armillar de Ouro em campo azul.

... o Reino do Brasil tenha por Armas uma Esféra Armillar de Ouro em campo azul...
Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil

II. Que o Escudo Real Portuguez, inscrito na dita Esféra Armillar de Ouro em campo azul, com uma Corôa sobreposta, fique sendo de hoje em diante as Armas do Reino Unido de Portugal, e do Brasil e Algarve, e das mais Partes integrantes da Minha Monarquia.

III. Que estas novas Armas sejam por conseguinte as que uniformemente se hajão de empregar em todos os Estandartes, Bandeira, Sellos Reais, e Cunho de Moedas, assim como em tudo mais, em que até agora se tenha feito uso das Armas precedentes.

Casa da Coroa, da qual se dizia que hospedou D. João VI.
Imagem: Carlos Caria

E esta se cumprirá como nella se contém. Pelo que Mando a huma e outra Meza do Desembargo do Paço, e da Consciencia e Ordens; Presidente do Meu Real Erario; Regedores das Casas da Supplicação; Conselhos da Minha Real Fazenda, e mais Tribunaes do Reino Unido; Governadores das Relações do Porto, Bahia, e Maranhão; Governadores, e Capităes Generaes, e mais Governadores do Brasil, e dos Meus Dominios Ultramarinos, e a todos os Ministros de Justiça, e mais Pessoas, a quem pertencer o conhecimento, e execução desta Carta de Lei, qne a cumprão, e guardem, e fação inteiramente cumprir, e guardar, como nella se contém, não obstante quaesquer Leis, Alvarás, Regimentos, Decretos, ou Ordens em contrario; porque todos, e todas Hei por derogadas para este effeito somente, como se dellas fizesse expressa, e individual menção, ficando aliàs sempre em seu vigor.

E ao Doutor Thomas Antonio de Villa Nova Portugal, edo de Conselho, Desembargador do Paço, e Chanceller Mór do Reino do Brasil, Mando que a faca publicar na Chancellaria, e que della se remettão Copias a todos os Tribunaes, Cabeças de Comarca, e Villas deste Reino; publicando-se igualmente na Chancellaria Mór do Reino de Portugal, remettendo-se tambem as referidas Copias ás Estações competentes; registando-se em todos os lugares onde se costumão registar semelhantes Cartas, e guardando-se o Original onde se guardão as Minhas Leis, Alvarás, Regimentos, Cartas, e Ordens deste Reino do Brasil, Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos treze de Maio de mil oitocentos e dezesete.


EL REI Com Guarda.⁠

Marquez de Aguiar.⁠

CArta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil, e incorporar em hum só Escudo Real as Armas de Portugal, Brasil, e Algarves, para symbolo da União, e identidade dos referidos tres Reinos, tudo na forma acima declarada.

Para Vossa Magestade Vér.

João Carneiro de Campos a fez... (1)



(1) Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil

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Pedra d'Armas

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Projecto para o estabelecimento político do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Armeiro de Bulhão Pato

A anglomania não se apoderara do poeta, apesar da moda e da tradição, já antiga. A sua espingarda d'então era uma bella arma hespanhola de Eybar — canos de "herraduras" — como nelles se lia em lettras d'oiro, e oitavados até um terço. D'oiro era a mira, e com elle discretamente ornada na bôcca e em volta da fecharia [das platinas] . Nada de oriental nesta ornamentação sóbria — um filete apenas. 

Bulhão Pato por Alberto Carlos Lima (detalhe).
Arquivo Municipal de Lisboa

O guarda-matto [a fecharia] tinha mola de segurança. Elegante e solida, esta caçadeira havia dado as suas provas: a esse tempo entrara já em muitas batalhas, e pouco antes Lopes Cabral — um athleta — matou com ella, em um dia, na Gollegã, setenta e cinco codornizes!


A Eybar succedeu Paris, e a espingarda que lhe conheço em effectivo serviço, ha mais de vinte annos, é uma Gastine-Renette, do systema Lefaucheux, cinzelada e acabada com a maior perfeição. Arma fina e de preço.

Raimundo Bulhão Pato, Miguel Angelo Lupi, c. 1880
Imagem: ComJeitoeArte

Gastine-Renette é úm dos mais illustres entre os fabricantes d'armas contemporâneos. Foi o "Arquebusier" de Napoleão III, o seu fornecedor predilecto de armas de caça e de guerra.

No cabide de armas do poeta vêem-se mais duas — uma de fogo central, belga, e outra Flobert-Remington.

Traiçoeira esta ultima. — Como os machos d'arrieiro morde e dá couce! O cão levanta, e o tiro vem, ás vezes, também para a cara do atirador! Perigoso systema. (1)

Paisagens de caça: Raimundo António de Bulhão Pato, 1829-1912;
sel. textos, org. e notas Nuno Sebastião.
cf. Bulhão Pato, Paizagens, Lisboa, Rolland E Semiond, 1871;

capa de Raphael Bordallo Pinheiro.
Ribeira Seca

Um dia foi que o "lever de rideau" — o prologo — esteve quasi a ser a tragedia. A espingarda de Bulhão Pato — era a de Eybar — deixara-a elle ficar em Allemquer, onde fora caçar, e Cabral, que de lá a trouxera, mandou-lh'a na véspera. Cabral —um grande e experimentado caçador — era tudo quanto ha de mais cuidadoso; podia-se-lhe chamar sem "calembour" [trocadilho], o rei das cautelas. 

Mas uma vez, todos erram, e quando Bulhão Pato, que tinha o costume de dar um fogacho á espingarda, antes de principiar a atirar, o fez sem a menor desconfiança, porque nenhum dos pistons trazia fulminanie, d'um dos canos saiu incendiada a polvora solta, mas o outro disparou um tiro a valer! Encaramo-nos Todos... Estavamos [felizmente] illesos.

O que nos valeu loi o ter elle, também prudente, disparado, como usava sempre, por cima da borda.

Bulhão Pato, Rafael Bordalo Pinheiro,
Album Glórias, 1902
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

— Hein! disse o poeta — de que nós escapámos! Mestre Cabral d'esta vez esqueceu-se!


Uma arribada em calma branca, revista Serões (detalhe) 1907
Hemeroteca Digital de Lisboa


E foi este, em tantos annos, o único accidente. que teve assomos de gravidade. (2)



(1) Zacharias d'Aça, O Tiro Civil n.° 135, sexta-feira 1 de abril de 1898
(2) Zacharias d'Aça, O Tiro Civil n.° 137, domingo 1 de maio de 1898

Artigos relacionados:
Retratos de Bulhão Pato

Tema: Bulhão Pato

Informação relacionada:
Bulhão Pato, Zacharias d'Aça, O Occidente n.° 717, 30 de novembro de 1898
Bulhão Pato, Paquita, Typographia Franco-Portugueza, 1866
Bulhão Pato, Livro do Monte, georgicas, lyricas, Lisboa, Typographia da Academia, 1896 
Francisco Zacharias d'Aça, Caçadas portuguezas: paizagens, figuras do campo
Lisboa, Secção Editorial da Companhia Nacional Editora, 1898



sexta-feira, 24 de julho de 2020

We missed Caparica

Em 1947, no pós-Segunda Guerra Mundial, quando se começou a assistir a um enorme desenvolvimento da prática turística, a editora londrina Phoenix House lançou uma colecção ilustrada com o título “The Young Traveller Series” [...]

Costa da Caparica, Um trecho da praia, ed.Passaporte, 44.
Delcampe

Bem recebidos por pais e professores, passaram a integrar as listas das leituras aprovadas e recomendadas por muitas instituições, nomeadamente a Library Association, a School Library Association e a National Book League. 

O objectivo era descrever a vida de vários países, expondo os jovens leitores à diversidade do mundo e à diferença linguística e cultural [...]

Costa da Caparica, Vista parcial da Praia do Sol, ed. Passaporte, 43.
Delcampe

É possível que descrições longas pudessem ser consideradas cansativas para o público-alvo, pois a narradora diz, a certa altura, que os próprios filhos, às tantas, já estavam “sick of looking at things”.

Um exemplo flagrante de concisão diz respeito a Sintra, lugar venerado por forasteiros de origem britânica desde há muito e transformado em local de peregrinação romântica, o qual era normalmente objecto de arrebatadas descrições por parte dos viajantes estrangeiros. 

Costa da Caparica, Vista parcial da Praia, ed. Passaporte, 15.
Delcampe

Neste caso são-lhe apenas dedicadas breves linhas, sem as habituais citações de Childe Harold’s Pilgrimage, de Lord Byron [v. artigo relacionado: Ilustrações de Finden à vida e obra de Byron] – nas palavras de Karen R. Lawrence, um exemplo eloquente do modo como “fictional travel impinges on actual travel” –, por a descrição ser feita pelo jovem William, a quem escapa a magia do lugar e que afirma prosaicamente não terem subido até ao Palácio da Pena por... estar muito calor.

A Costa da Caparica, outro local considerado imperdível, foi também propositadamente evitado, por ser demasiado frequentado: “All the guide books we had ever read told us that no visitor to Portugal should miss Caparica (...)

Costa da Caparica, Vista parcial da Praia, ed. Passaporte, 19.
Delcampe

As G.H. said, it was all enough to make us avoid the place like the plague. (...) We told one another that not seeing Caparica lent a certain distinction to our travels.”

E houve até quem sugerisse à autora, à custa disso, um título para o livro que estava a preparar: “We Missed Caparica”.

Costa da Caparica, Um aspecto da Praia, Passaporte, 21.
Delcampe - Bosspostcard

Sublinhe-se esta vontade deliberada em percorrer um itinerário alternativo aos consagrados pelos guias turísticos que o próprio título da obra, The Young Traveller in Portugal (e também o da colecção em que está integrada, “The Young Traveller Series”), espelha, quando se opta pelo termo traveller e não tourist (o qual ia ganhando conotações negativas). (1)


(1) Maria Zulmira Castanheira,The Young Traveller in Portugal... Revista de estudos anglo-portugueses 26, 2017