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quinta-feira, 1 de julho de 2021

A construção do Barco do Mar por Manuel Fidalgo

A obra “Barco Xávega – Tecnologia da sua construção” de Manuel Fidalgo descreve com pormenor todas as fases de construção do Barco-do-Mar, uma embarcação que não tem leme, e que é orientada por remos, e está preparado para fazer até 5 viagens por dia. É utilizado por uma companha constituída por 8 a 12 homens.

Proa e ré do Barco do Mar.
Manuel Fidalgo, Barco da Xávega: Tecnologia da sua Construção...

(legenda da imagem acima)
1) Bica 2) Painel 3) Golfiões [mâozinhas] 4) Coberta [cachulo, céu da proa] 5) Boçardas 6) Arganéu 7) Lavaças 8) Escalamão [tolete] 9) Descanso da muleta 10) Armelas.

Estes barcos são utilizados essencialmente no verão e outono, indo ao mar raramente durante os meses de inverno.

A construção deste barco é uma cadeia operatória constituída por 18 fases. Contudo, esta cadeia foi revista com a motorização do barco. O motor necessário para este barco era diferente dos utilizados até então, foi necessário um rombo até à ré para o encaixar sem existir risco da água entrar. Este motor é a gasolina ou gasóleo e debita de 40 a 60 HP. Os remos do barco são assentes em labaças, colocados perto da proa de modo a deixar mais espaço livre para manear a rede.

Os estaleiros onde estes barcos são construídos mudaram-se de junto à praia para locais onde existisse a matéria-prima necessária para a construção dos barcos, isto é, a madeira. Cada barco demora cerca de um mês a ser construído sem a pintura.

O barco é feito de pinheiro bravo ou manso e alguns construtores utilizam ainda o carvalho para a roda da ré. O pinheiro bravo é fundamental para as tábuas de fora e do fundo do barco. As árvores de onde esta madeira é reti-rada devem ter, pelo menos 3 mil quilos, e devem possibilitar tirar tábuas de, pelo menos, 10 metros. São também feitas de pinheiro bravo a roda da proa, o forcado da proa, o forcado da ré e os bancos.

Pormenor da praia da Caparica, ed. Fotex, 144
Delcampe

1º. Escolha, serração e transportes das madeiras

De pinheiro manso são feitas as 16 cavernas e a roda da popa para os que não utilizam o carvalho. O pinheiro manso é escolhido quanto mais tortas forem as suas raízes e o tronco, este deve ter, pelo menos, 2 mil quilos. Do tronco do pinheiro são feitas as dragas, os bordos, as falcas, entre outras peças mais pequenas.

2º. Pregar as estacas

Num barco de 10 metros são necessárias 7 estacas de eucalipto para assentar a tábua da quilha e dos fundos. Estas têm comprimentos diferentes e são cortadas com base no “pau de pontos”, instrumento primordial na sua construção. São adicionadas ainda pequenas ripas ou tábuas para auxiliar esta construção. O comprimento do barco é que vai determinar a sua largura e a quantidade de estacas necessárias, como as suas dimensões e a distância entre estas e o tesado do barco. As tábuas da quilha e do fundo devem ser resistentes e ter a espessura necessária para suportarem dez anos de desgaste e corrosão. A utilização da chapa metálica para cobrir o fundo do barco não tem sido uma boa opção porque a areia que se acumula entre o metal e a madeira diminui a duração de vida do casco.

"Um dos instrumentos mais importantes na construção de um barco Xávega é o “pau de pontos”, um aparelho, que substitui o metro ou a fita métrica, sendo que todos os componentes do barco têm obrigatoriamente de obedecer ao pau de pontos. Usualmente, um pau de pontos consiste numa vara de metro e meio, de quatro faces iguais, aplainada, com cortes, ou ranhuras quase impercetíveis em todos os lados e a alturas diferentes de leitura só acessível aos carpinteiros navais da mesma arte. Associados, às ranhuras, há traços a lápis, com (ou sem) números, que também entram na medição das peças a construir."

Mestre Gadelha no estaleiro do Seixo segura o pau dos pontos.
Ricardo Salomão

3º. Pregar as tábuas da quilha, dos fundos, e respetivos braços

Início da construção do Saveiro, Paul Johnstone.
An unusual portuguese fishing boat

As tábuas da quilha e de aresta devem ter 10 metros de comprimento e 5 ou mais centímetros de espessura. Nas tábuas é exercida uma forte tensão de modo a estas atingirem a curvatura necessária, isto é feito com base no macaco, grampos e gatas. Aqui é necessário um elevado esforço físico. As dimensões das três cavernas da proa não são iguais às três da ré e as do meio são todas diferentes. Para a realização das cavernas é necessário limpar o pinheiro e as raízes, desmancha-las com a motosserra, fazer a medição com o pau de pontos e cortar e afarizar até esta estar concluída. Quando as 16 cavernas estiverem concluídas, a roda da proa e a da ré, os forcados e os braços também já devem estar operacionais para de seguida o Mestre dar início à construção, pregando as cavernas da proa e da ré à tábua da quilha e às tábuas do fundo, e posteriormente as cavernas do meio, os braços e a roda da quilha e da ré.

4º. Acavernar, pregar a roda da proa e a roda da ré os forcados e os braços
5º. Cintar o barco com as tábuas de verdegar
6º. Pregar os foliamentos no bico da proa e no bico da ré

Alves Redol e José Cardoso Pires, Fonte da Telha, 1957.
Hemeroteca Digital

Após essa operação vão ser pregadas às cavernas as primeiras tábuas do lado, as tábuas de verdegar. Depois o foliamento que é uma tábua de bico que se prega às cavernas e ao bico da proa e à roda da ré.

7º. Pregar os bordos, a capa da proa, as tábuas de fechar e a entre dois 

No final deste processo é necessário revestir o barco com tábua com as medidas dadas pelo pau de pontos. Primeiramente são pregadas as tábuas dos bordos, de seguida a capa da proa, as tábuas de fechar e as entre-dois.

8º. Dragar, pregar bancos e a entre dois do fundo
9º. Pregar as falcas

É necessário dragar o barco, isto é, pregar as tábuas de dentro, assentar os bancos e a tábua entre-dois do fundo. A draga é colocada acima das tábuas dos lados e dos foliamentos e abaixo das tábuas de forro. Para uma embarcação de 10 metros a dra-ga deve ter 7,5 metros por 25 centímetros de largura e 3 centímetros de espessura. O banco de remar possui duas partes, o banco e o grosso.

10º.Pregar os forros

De seguida são presos os forros, isto é, duas tábuas que se prendem às cavernas acima das dragas. Estes têm 8 metros de comprimento, 16 centímetros de largura e 2,5 de espessura. É aqui que são presas as labaças ou remadouros de metal onde irão depois assentar os remos.

11º. Pregar as labaças
12º. Pregar a capa da proa
13º. Fechar o barco

O passo seguinte é pregar as labaças e a capa da proa que serve para tapar os últimos buracos desta. Ao assentamento das últimas tábuas dá-se o nome de fechar o barco. Este fica pronto para a calafetagem e para pintura.

14º. Calafetar
15º. Abrir o buraco do motor

Em seguida é aberto o buraco onde irá encaixar o motor e é feita a calafetagem. As zonas calafeadas são enchidas por breu. As ferragens utilizadas no barco são os pregos e as cavilhas de ferro e madeira.

16º. Pintar
17º. Transportar para a praia

Por fim, o barco é pintado, por norma de três cores à escolha, o branco deve estar sempre presente nos costados, na proa e na ré. Os barcos possuem símbolos relativos à companha a que pertencem.

18º. Remos

Os remos são feitos de eucalipto e servem para equilibrar o barco quando as ondas são de maior dimensão. Servem, também, para substituir o motor quando falha. O remo tem 8,4 metros, tendo a pá menos de 20 centímetros

Construído o barco-do-mar e antes de começar a operar era necessário proceder à sua bênção e para esse feito, e para além do Padre da freguesia que se deslocava à praia e dentro do barco fazia a pequena cerimónia religiosa da bênção, era escolhida uma jovem de famílias de pescadores como madrinha da embarcação. (1)


(1)  O Barco do Mar, Museu de Espinho [Manuel Fidalgo, Barcos da Xávega: Tecnologia da sua Construção. Lisboa: Edições Colibri e INATEL, 2000]

Artigos relacionados:
Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)
A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão
A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone
Os nomes dos barcos (1 de 3)

Leitura relacionada:
Andreia Leite, Estaleiros e embarcações, A salvaguarda do património, 2004
Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

sábado, 26 de junho de 2021

A ascendência dos barcos tradicionais portugueses (o Barco da Xávega ou Barca do Mar)

E o mesmo Museu [de Marinha], e também estranhamente, indica que o “Meia Lua” da Costa da Caparica, é um “Saveiro”, sem ter em conta que o Saveiro era o barco utilizado no Douro para a pesca do sável, designativo que já vem mencionado em documentos desde 1254, como “barca séeyra” ou em 1258 como “barco savaleiro”.

Costa da Caparica, Meia-lua, Paul Johnstone.
Portuguese fishing boats, Country Life Magazine, 1966

Tudo isto engendrado a partir das semelhanças das rodas de proa e popa em arco e da falta de algum bom senso na caracterização das embarcações, pois que todos nós teríamos a obrigação de saber que as conclusões retiradas apenas de semelhanças, são extremamente perigosas (...)

Povos havia que levavam a bordo grossas traves para que, numa situação destas, ao chegar a terra, as pudessem atravessar sobre os bordos, e que presas aos costados e sus-pensas aos ombros das tripulações, pudessem ser arrastadas, mais do que transportadas, para local seguro.

As provas disto estão escritas nos trabalhos de Homero, e até esta prática se podia encontrar em Portugal, em tempos idos, vendo o modo das companhas das Meias-luada Costa da Caparica trazerem os barcos para o areal, a salvo da rebentação das ondas.

Portanto, as proas e popas levantadas em arco mais ou menos fechado de alguns dos nossos barcos tradicionais, não são prova suficiente de que descendam seja de que barcos forem. Os “barcos de mar” de qualquer povo, em qualquer parte do Globo, eram assim construídos. (1)

Início da construção do Saveiro, Paul Johnstone.
An unusual portuguese fishing boat

Iremos tentar estudar os dois diferentes tipos de barcos que até nós chegaram, ou seja, os barcos de fundo chato, porque esta é uma das características comuns a todos, e que atesta a sua antiguidade, além de outras, e os barcos já com esboço de quilha:
  • um tipo cujas rodas de proa e popa eram pregadas directamente ao fundo e subiam em linha oblíqua, de que apenas existem dados para o Rabelo e Rabão, também chamado de Valboeiro.
  • e o outro tipo, com as proas muito levantadas em arco fechado, oferecendo o aspecto de uma meia-lua, de que ainda ficaram alguns dados, poucos, sobre a sua técnica de construção antiga, como sejam os Barcos da Xávega, ou Barcas de Mar e a Meia-Lua da Caparica, que é uma versão mais curta e mais estreita do Barco da Xávega, assim como o Mercantel, o Moliceiro, a Salineira e a Bateira do Norte.
  • O Saveiro constitui um caso à parte, e como tal será tratado (...)
O “barco de mar” veio do Norte para Ílhavo, Figueira da Foz, Mira e Peniche, daí para a Caparica e para o Algarve. (2)

Costa da Caparica, Cavername do Meia-lua.
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory
É deprimente constatar-se a falta de Monografias e de desenhos ou fotos que tivessem acompanhado a construção de um dos barcos de pesca mais antigos do mundo ocidental.


Existem barcos destes em muitos Museus, incluindo o nosso Museu de Marinha, constroem-se réplicas um pouco ao deus-dará por fotografias ou desenhos modernos, mas do seu passado, e da forma como eram construídos, muito pouco se sabe.

E desse muito pouco, ganham vulto as quatro fotografias que Johnstone publicou, e que por isso deram a volta ao mundo dos estudiosos destas matérias.

Das fotografias publicadas por Johnstone, a mais importante é aquela de uma meia-lua da Costa da Caparica e outra que agora repetimos abaixo. A fotografia ao lado, representa a tal Meia-lua. Johnstone deve ter ficado impressio-nado com as formas exteriores do barco, que o tornam descente directo do Barco da Xávega, mas desiludido quando observou o seu interior, pois não podia de ter deixado de reparar nos pormenores que demonstram que era um barco antigo, sem dúvida, mas sucessivamente modernizado na sua construção:
  • as balizas já são de três peças, uma caverna e dois braços, como vimos na construção do Rabelo, o braço formando um L muito curto, que vai embara-çar com a caverna junto ao costado.
  • tem toletes ajustados à posição de cada banco, o que quer dizer que os remadores remavam sentados, em oposição aos barcos da xávega e saveiros, que remavam de pé virados para a proa, empurrando o remo em vez de puxar por ele.
Quanto à fotografia do que ele chama saveiro, e que ele também diz que é o barco da xávega, ao contrário do que se vê na legenda, não é um saveiro em construção, mas um cenário montado para mostrar como é que se construía um saveiro. Repare-se bem:
  • o fundo não está completo, logo sobre ele não podiam ser montadas cavernas, nem poderia estar montado no picadeiro;
  • não tem ainda assente, nem de um lado nem do outro, sequer a primeira fiada do tabuado do costado, onde forçosamente se teria que encostar e fixar o braço, o que confirma a nossa primeira observação;
  • as cavernas ainda nem sequer foram afeiçoadas, são praticamente os paus em bruto tal como acabaram de ser serrados.
Costa da Caparica, Cavername em "L", Paul Johnstone.
To illustrate the monuments

Esta fotografia provêm de uma encenação que o construtor naval muito provavel-mente montou para o “senhor estrangeiro” que o visitava. Mas note-se, não é falsa nem dolosa – as madeiras estavam lá, cortadas, o barco estaria a ser, ou iria ser construído e Johnstone não poderia perder a oportunidade de fotografar, nos dias de hoje, uma técnica milenar. E ainda bem que o fez.

No entanto, a sua descrição das fases de construção, por não a ter compreendido em face do que lhe mostraram, é sintética e pouco clara, ou em abono da verdade, totalmente confusa. Mas num outra comunicação fez melhor.

Quando se começa a estudar a não muita Bibliografia portuguesa publicada sobre os nossos barcos tradicionais e barcos de pesca do passado, de uma forma geral muito pouco investigada, a primeira vontade que nos dá é a de largar imediatamente o trabalho e abandonar o estudo, tantas são as afirmações não comprovadas, as confusões cronológicas e a atribuição de errados nomes a vários tipos de embarcações.

De todos estes trabalhos que consultámos, o que apresenta um estudo mais cuida-doso baseado numa Bibliografia extensa, é a do Dr. Armando de Mattos que, por isso mesmo vamos continuar a seguir. (3)


(1) Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
(2) Idem
(3) Idem, ibidem

Artigos relacionados:
Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)
A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão
A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone
Os nomes dos barcos (1 de 3)

Leitura relacionada:
Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone

Da Costa [Henrique Ferreira da Costa, Mestre de Ribeira em Pardilhó] has only two daughters and no apparent successor to take over his boat-building business in the little village of Pardilhó near Aveiro. 

(Instantaneos do sr. Alberto Lima)
Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, pescadores puxando uma embarcação para terra, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

The incompleteness and briefness of this attempt to record his methods is due partly to our shortage of time there, partly to the interpreter who was willing but uninformed about boats, and partly because at the time da Costa was working on a smaller related, but not identical, type to the "xavega".

The wood he uses for a "xavega" is pine, which grows abundantly in the district, though now frequently mixed with intrusive eucalyptus.

Costa da Caparica, Meia-lua, Paul Johnstone.
Portuguese fishing boats, Country Life Magazine, 1966

Before construction begins, the strakes are sawn and bent to the right curve. This is done simply by wetting them, putting them under tension and then lighting a fire of pine shavings underneath. For the frames, pine trunks are selected with a single root growing to approximately the right angle left on them.

Unlike the smaller boats which are built in the boatyard itself, the "xavegas" are built in the open air near their launching place, a dock which leads on to one of the great lagoons north of Aveiro, the working area of some of the almost equally remarkable "moliceiros" or seaweed-gathering craft. 

The small boat we saw under construction had apparently no particular name other than "barco" the Portuguese for boat. Senhor da Costa seemed to feel that naming the different sorts of boat was a matter for boatmen rather than the builder. Like the "xávega" (or "saveiro") and all the other local boats the "barco" we saw building had no keel.

The process of building begins with a line of posts (which would be called keel blocks if there were a keel) to support the centre-line plank of the boat’s bottom. In the case of the "xávega", these are under the centre line. The tops of these posts follow, in height from the ground, the rocker of the bottom of the craft.

Início da construção do Saveiro, Paul Johnstone.
An unusual portuguese fishing boat

br /> The ones at bow and stem are of course much higher than the others because of the curve of the bottom. The centre-line plank is lightly nailed to each of these blocks with a single iron nail. Rather surprisingly, the bottom of the boat is not completed at this stage. 

Gaps are left either side between the centre-line planks and the outer bottom planks. Next, the boat’s centre-line is drawn on the bottom plank, and ticked off at equal intervals to show the positions of the frames. This is done with a measuring rod ("pau dos pontos" in Portuguese) on which are marked the distances from the centre-line to the boat’s hard chine at each frame.

Da Costa has one of these rods for each boat he builds. One face of it has these dimensions for the after frames, numbered from 1 (for the after-most) to 8. Another face carries the dimensions of the forward frames, numbered in a similar manner.

So the bottom of the boat is marked out. A long, light batten (about a one centimetre square in cross-section) is bent round the pencil points, and a pencil line is drawn to represent the chine of the boat either side. The bottom is now sawn to shape.

Meanwhile the frames have been prepared. One adjustable mould governs the shape of all the frames except one at each end. It is the only other measuring instrument used besides the rod. Each frame is in two pieces. The larger L-piece includes almost a complete floor timber. The smaller piece is little more than an upright or futtock. The first frame to be put in place is the forward one.

Costa da Caparica, Cavername do Meia-lua, Paul Johnstone.
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988

The larger pieces are built into the boat next, with uprights alternately to port and to starboard, making a pleasing pattern. The upright portions are left overlong and unfinished. The bend of each frame is in fact lined up to the outer bottom plank, i.e. to the chíne.

The curve of the upright portions is drawn on prepared pieces of timber by follo-wing the line of the mould with ink. The curves are then sawn along the lines by two boys with a bow-saw, using a trestle structure instead of a saw-pit.

Costa da Caparica, Cavername em "L", Paul Johnstone.
To illustrate the monuments

We observed the lads sawing a considerable bevel by eye. Da Costa explained that an adze [enxó] is used as necessary to finish off the bevel after the frames have been set up.

Next comes the top strake. With a "xavega" Da Costa has a timber offset about five metres long for the top strake, because of its very pronounced sheer.

After first being held in place with clamps and small iron nails, the top strake, like the other planking is permanently secured with treenails.

Costa da Caparica, Cavilhas em madeira, Paul Johnstone.
To illustrate the monuments

These treenails are made from roughly-shaped pieces of pine wood sawn from a slab. Da Costa then finishes them with a curious tool rather like a bill-hook. He does this by inserting one in a hole in a wooden roundel and then pressing treenail and roundel against his chest with one hand, leaving the other free for the shaping.

All is done by eye and he leaves a considerable head on one end and slightly slopes off the point at the other. No wedges or inserted metal nails are used to secure the treenails in place. Presumably, being pine, they are soft enough to be compressed when hammered home and then expand enough, especially when wet, to make a tight fit.

Da Costa used an electric drill to make holes for his tree-nails, but he was quick to demonstrate the auger which he had apparently used until recently. The holes are drilled, and the treenails then driven from the outside, dry, without any grease or other preparation. A lad using a saw or an adze cuts off the surplus flush with the inner face of the frame.

Once the top strake is secured in place the frames are trimmed down to its upper edge. The final shape of the boat is now apparent.

The next step is to scarf in the uprights which complete each frame. A simple 45oscarf is used, secured, in the small boat, with a single treenail and in the "xavega" with a quincunx of treenails.

The side planking is completed next, and then a gunwale, i.e. a length of wood running inside the frames level with the top strake. All the side strakes are horizontal, even to the small ones high up in the bow in the "xavega".

This combination of extravagant sheer with horizontal planking is a striking feature of the "xavega" and also of other local craft, the "meia lua", the "moliceiro" and the "mercantel". This combination also appears outside Portugal in the Venetian gondola and the boats of Malta.

Finally, the boat is detached from the blocks and rolled on its side for the remaining bottom planking to be put in place and secured.

The caulking is of hemp, inserted with a normal caulking iron. Pitch is also used on top of the caulking in the seams in the bottom. Five straps round the bottom and sides of the bow and stern respectively, and the thole-pin plates are of metal but, like the other metal fittings, seem after-thoughts or recent additions.

There are also two metal cruciform straps each side which hold the hauling rings for the oxen and two rings on the stem for the same purpose. Metal bolts are used to fasten these but da Costa was at pains to explain to us that metal fastenings were much less satisfactory than treenails, as they had no elasticity and so were more liable to snap. In all, he uses about 1,600 treenails in one ‘xavega’, whose working life is estimated to be about eight to ten years.

Since the planking is bent round and then secured to the larger part of each frame first, and the smaller part of the frame inserted after this has been done, the "xavega" can claim additionally to be built in neither true skeleton nor shell-fashion.

An example of one of these craft, the "San Paio", as has been said, can now be studied in detail at Exeter, and a BBC TV ‘Chronicle’ film was made of one in use at Torreira, which can also be viewed at the Museum. But unfortunately time and cost limited the amount of filming of the construction.

Saveiro meia-lua da Torreira, "S. Paio", Exeter Maritime Museum (1969-1997).
eBay

Hence these brief notes, which we hope may encourage more people to contribute to the records of traditional craft, many of which will shortly disappear from use for ever. It all seemed to us that the "xavega" reinforced the arguments of Throckmorton and others that surviving practices tell archaeologists a good deal that it is impossible to deduce from remains alone. (1)


(1) Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

sábado, 1 de fevereiro de 2020

A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão

A primeira tábua a ser assente é a "tábua da quilha", na linha mediana. Dado que não existe quilha propriamente dita, este componente, de 3 cm de espessura e 50 em de largura, é um elemento importante da estrutura e deve estar livre de qualquer defeito. 

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, pescadores lançando uma embarcação ao mar, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

Duas outras tábuas, de forma pré-estabelecida, as "tábuas dos covados", com a mesma espessura e cada uma com 26 cm de largura, são pregadas a 26 "cavernas (paus direitos)" transversais, a conveniente distância de cada lado da primeira tábua, de modo a dar ao fundo a sua forma nas "arestas dos encolamentos". 

A altura das cavernas e de 8 cm e a sua largura de 17,5 cm; o seu espaçamento é de 42,5 cm.

Saveiro da costa norte, "Sempre vim", 1920.
Museu de Marinha

Os "braços" são "paus de volta", unidos por "escarvas simples" à face superior das extremidades das cavernas. A sua espessura diminui gradualmente desde o seu pé até à borda do barco, onde a medida da cabeça da baliza é 5,5 cm. A largura diminui tambem com a subida do braço: desde 17,5 cm até 5,5 cm. O braço tem assim a forma quadrada no seu topo. Um vau arqueado ou "barrote", com 3,7 cm de espessura, reúne as cabeças do primeiro par de braços. 

São então montadas a "roda de proa" e a "roda de ré", que têm 60 mm de espessura e uma largura média de 12,5 cm, seguidas pelos "forcados da proa" e os "forcados de ré", os quais são balizas em V, sem caverna. As cabeças dos forcados da proa, que se prolongam acima do nível do convés, são conhecidas por "mãozinhas" ou "golfiões".

Tendo sido braceados o fundo e a estrutura central para obter a curva desejada do "tosado do fundo",são colocadas as "tábuas de armar" cuja função é formar e fixar o encolamento.

José Cardoso Pires, à direita, na companhia de Alves Redol, Fonte da Telha, 1957.
Hemeroteca Digital

O próximo passo consiste em montar duas "cintas", uma por bordo, por fora dos braços, medindo 4x15 cm a meia nau e estreitando para 4x12,5 cm nas extremidades, para consolidar a estrutura ao nivel da borda.

Portugal Zeitloses, Leo Jahn-Dietrichstein.
Argentic, 1957
Estas cintas ocupam todo o comprimento do barco, e as de bombordo e de estibordo encontram-se avante da roda de proa e por ante-a-ré da roda de ré. Formam, com o "capelo" da roda, a decorativa "bica".

São colocadas "dragas" ou "dormentes" de 3x18 cm no lado interno dos braços, com recortes para receberem os "bancos" ou "trastes" antes da montagem do "forro interior". 

A borda falsa é então completada com "bordas", que são peças de revestimento de 2x18 cm escarvadas para o barrote da proa e cortadas junto dos forcados de ré. Os topos dos braços são cobertos por "remates das bordas" (1,5x11 cm), que levam "marrões" ou "chumaceiras" que suportam o atrito dos remos.

Finalmente, são montados os "vaus do convés" e as "tábuas do costado" que ficam encostadas com as cintas e que têm o nome de "tábuas de água e sol", visto que são situadas acima das obras vivas do casco.

Estas tábuas são de 28 mm de espessura e não podem seguir a curva ascendente do tosado nas extremidades do barco, onde os espaços triangulares que permanecem são cheios posteriormente por "fiadas perdidas".

Vira-se então o barco para um dos lados, e depois para o outro, para conseguir o revestimento do fundo, e calafetar e pontar as juntas. O fundo é todo alcatroado antes de endireitar o barco e terminar o revestimento do costado.

Costa da Caparica, Wolfgang Sievers, 1935.
eBay

Os estrados elevados avante e à ré são conhecidos por "paneiros da proa e da ré", e neles são montados "paus de voga" simples, de 12 cm de diâmetro, mais uns duplos, chamados recoveiras ou trilhapés, nas quais são pregadas tábuas onde alguns dos remadores trabalham de pé. 

Os pequenos assentos laterais nos " remates das bordas", são conhecidos por "requintas".

À popa, os "remates das bordas" são sempre feitos em peças separadas, porque precisam de ser substituidas periodicamente, pois o atrito dos cabos de manobra, neste local, vai desgastando a madeira.

Costa da Caparica (detalhe), Bento de Jesus Caraça,  1935.
Casa Comum

Existe urn bloco de madeira de 25x15 cm, o "descanso da muleta", fixado ao cadaste, onde a "forquilha" da extremidade daquela vara é apoiada quando o barco é empurrado para entrar na rebentação do mar além do local onde os homens podem apear.

As ferragens são simples:

— existem 8 ou 10 pares de cintas de ferro, as "boçardas", colocadas 4-5 pares para vante e 4-5 pares para ré, perpendiculares às "arestas dos encolamentos", para as reforçar;

— são montadas "lavaças" ou "verdugos", abauladas e com prolongamentos de fixação sobre os "marrões", de cada lado dos "escalamões" ou "toletes";

— os "arganéus", no costado do barco, são ferros cruciformes, com o topo virado para baixo para receber as "argolas" dos cabos que seguram o barco e não o deixam atravessar na rebentação;

— e finalmente sao fixadas duas "armelas", ou "arganéus", no cadaste por baixo do descanso da muleta, para os "gatos" dos cabos de travagem usados no lançamento.

Saveiro da costa norte, "Sempre vim", 1920.
Museu de Marinha

O comprimento das "lavaças" é de cerca de 70 cm, e os "escalamões" de ferro redondo têm 20 cm de comprimento e um diâmetro de 30 mm. O diâmetro das "armelas" é de 20 cm, e a espessura da barra redonda usada para as fazer é de 25 mm.

Os "remos" são feitos de madeira de castanheiro, eucalipto ou choupo. Nos barcos de 2 remos, têm ambos 11,9 m de comprimento. Nos barcos de 4 remos, há remos com dois comprimentos: 9 m para os remadores de proa e os de voga, e 11 m para os restantes.

O "punho do remo" é de 5 cm de diâmetro, e a medida do "cano" redondo, "cana" ou "haste", diminui desde 15 cm até 5 cm onde encontra a "pá". Um "cágado, com furo" redondo para receber o "escalamão", é pregado na parte de vante da haste, com uma peça de reforço, a "tarma", no lado oposto. O conjunto é consolidado por "arreataduras" de cabo de 15 mm de diâmetro.

Três centimetros acima do corpo do remo existe uma barra de madeira redonda, com 5 cm de diâmetro e 1,2 m de comprimento, a "cabrita", para as mãos dos remadores de pé.

(Instantaneos do sr. Alberto Lima)
Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, pescadores puxando uma embarcação para terra, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

Como se vê, a estrutura do BARCO DO MAR é muito simples e sem problemas maiores; mas é de admirar como dois homens conseguem construir um grande, num só mês! (1)


(1) Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Navios de propulsão mista e casco reforçado junto à Torre do Bugio

Que diría a Inglaterra se o commandante de algum dos couraçados francezes ou allemães, que por vezes vém ancorar nas aguas de Portsmouth ou de Southampton — mandasse de repente prohibir ao governador de uma d'essas praças a continuação das obras de defesa que ahi se vao incessantemente aperfeiçoando, sob o pretexto de que taes baterías poderiam fazer mal ao navio de seu commando?...

Navios de guerra de propulsão mista e casco reforçado saindo do Tejo de madrugada junto à Torre do Bugio.
Imagem: Museu de Lisboa

Com tal precedente, os almirantes inglezes, que honram frequentenaente o humilde porto de Lisboa com a presenta dos seus pavilhoes — estariam auctorisados a exigir a destruição da torre de S. Julião, do Bugio e de Belém!

Dir-se-hia que nao é de prever que o portuguez, pacato e bonacheirão, faça fogo — muito menos sobre couraçados inglezes. (1)


(1) Eça de Queiroz, Cartas de Inglaterra, Porto, Livraria Chardron, 1905



Apresenta o Museu de Lisboa a imagem acima de autor anónimo, com pouco detalhe mas explícita, à qual é erróneamente atríbuida a representação da esquadra de Roussin junto à Torre de S. Lourenço do Bugio, em 11 de julho de 1831, quando do forçamento da barra do Tejo.

Imagem: Museu de Lisboa

Verifica-se que os navios aí representados são posteriores a esses acontecimentos.

A tecnologia mostrada, a propulsão mista, vela e vapor, o uso de hélice (preterindo as pás laterais), o casco de ferro, ou, mais provavelmente, de madeira revestida a ferro, antecipando os verdadeiros couraçados, e o rostro (esporão), remetem a datação da imagem para 1860 ou mais tarde.

A frota francesa commandada por Roussin força a entrada do Tejo, Pierre-Julien Gilbert, 1837.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

A esquadra de Roussin, como representada por Pierre-Julien Gilbert em 1837, seria composta principalmentes por fragatas, então navios modernos e eficazes que promoviam o recente rei Louis Phillipe d'Orléans e o liberalismo, após a Revolução de 1830.

Batalha naval do Cabo de S. Vicente em 5 de julho de 1833, Morel-Fatio, 1842 .
Imagem: Wikipédia

As consequências da acção de 11 de julho de 1831 importaram no enfraquecimento das forças navais absolutistas, contribuindo, em parte, para a sua derrota contra a esquadra liberal comandada pelo almirante Charles Napier, na batalha naval do Cabo de S. Vicente em 5 de julho de 1833.

Quanto ao quadro do Museu de Lisboa poderá, eventualmente, representar o dia 16 de setembro de 1869, quando uma esquadra combinada das frotas britânicas do Mediterrâneo e do Canal saíram de madrugada do Tejo para exercícios conjuntos no Atlântico.

Alguns artigos relacionados:
O Bugio
John Cleveley Junior e o Tejo, 1775
Foz do rio Tejo em 1800
O forçamento da barra do Tejo
Trafaria em 1865
A falua do Bugio
Uma arribada em calma branca
Os Faroleiros, filme de Raul de Caldevilla, 1922
Furiosa batalha
Mar da Calha

Informação relacionada:
Ironclad warship
MS Achilles (1863)
Hector class ironclad
Defence class ironclad
Audacious class ironclad
Our iron-clad ships; their qualities, performances, and cost.
Herbert Wrigley Wilson (1866-1940)
Google Image Search: HMS Achilles
Cuirassé à coque en fer
A revolução industrial da marinha portuguesa (1833-1875), Revista da Armada 492, janeiro de 2015

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Mar da Calha

Na grande fortaleza de S. Julião, que cruza os seus fogos com a do Bugio, e nesta torre, marcando e limitando ambas as entradas do porto de Lisboa, estão montados os competentes pharoes.


Uma chalupa armada emergindo da foz do Tejo passado o Bugio, Thomas Buttersworth (1768 – 1842).
Imagem: Bonhams

O pharol da torre de S. Julião data de 1785, e é de luz fixa e branca, com o alcance de 12 milhas. E de 4.a ordem, tem próximo um posto semaphorico, e fica á latitude N. de 38° 42' 22" e á longitude W. de 9° 19' 27" de Greenwich.

A estação semaphorica communica-se com a estação central de Lisboa e com a torre do Bugio por meio de telephone.

Veleiros no Tejo junto ao Bugio, Carlos Ramires, 2014.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Na torre está estabelecido um posto de soccorro a náufragos.

A SW. da fortaleza ha uma restinga chamada ponta da Lage, a qual entra pelo mar dentro, descobrindo na baixa-mar, e que tem cerca de meia amarra de comprimento [1 amarra eq. 120 braças; 1 braça eq. 8 palmos, c. 1,76m].

Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa (detalhe), Francisco M. Pereira da Silva, 1857.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Quando, na entrada da barra, se enfia a guarita cylindrica de NE. da fortaleza com a parte leste da muralha da mesma fortaleza, é signal de estar passada a ponta da Lage, a que era mister dar resguardo, e pôde então a navegação seguir sem receio.

A torre do Bugio, ou fortaleza de S. Lourenço, é circular e levantou-se das aguas no século XVII, tendo desde 1755 montado um pharol, que é hoje de luz branca, fixa, com um clarão vermelho de 20'' em 20'', de 3.a ordem, e com o alcance de 15 milhas, illuminando 360°.

Bugio, Defesa maritima de Lisboa, gravura João Pedroso, Archivo Pittoresco, n 30, 1862.
Imagem: Hemeroteca Digital

Foi esta torre construída no logar da Cabeça Secca, separada da torre pela golada do Sul, ou do Bugio, que só dá passagem a pequenas embarcações. O seu apparelho dioptrieo está 26 metros acima do nivel do mar, na latitude N. de 38° 39' 31" e na longitude W. do 9° 17' 52" de Greenwich.

São estas luzes de capital importância para a navegação que demande o porto de Lisboa.

Desde este ponto continua a costa para o S. em uma larga curvatura, e é formada por um extenso areal, e limitada ao longe pela serra da Arrábida e de S. Luiz, que se estende para ENE. do cabo Espichel, e que termina no pico do Formozinho, 500 metros acima do mar.

Linha de costa da Torre do Bugio ao Cabo Espichel (fotomontagem).
Observam-se as elevações moinhos do Chibata, Monte Córdova (Serra de S. Luís) e Serra da Arrábida, conforme descrito no Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa, Francisco Maria Pereira da Silva, 1857.
Imagem: AVM

Na serra de S. Luiz, o pico mais elevado é o Monte Córdova, que se apresenta de forma circular, quando é enfiado pela torre do Bugio.

No extremo mais occidental de terra, a partir do Bico da Calha, que é a ponta de areal em que termina a margem esquerda do Tejo, depara se primeiro, a 2 milhas para o S., o forte da Vigia, a 850 metros, e por E. 4 3/4 SE. do Bugio o reducto de Alpena [...]

Fragata HMS Lancaster (F229) na foz do Tejo.
Observam-se em 2° plano a Cova do Vapor e a rebentação das ondas fora da barra.
Imagem: Barcos no Tejo

Barra de Lisboa — A entrada do Tejo fica situada entre as torres de S. Julião e do Bugio, que distam 2:750 metros uma da outra, e entre o Bugio e o Bico da Calha, ou ponta do cabedelo do S. 

Dois grandes bancos se prolongam para o mar na direcção geral de NE.-SW., que se denominam Cachopo do N. e Cachopo do S., ou Alpeidão. 

Formam estes cachopos dois canaes, o do N., ou corredor do N., que fica entre o cachopo do N. e a torre de S. Julião da Barra, e o do S., ou Barra Grande, que fica entre os dois cachopos indicados.

Alem d'estes canaes ha um outro, estreito, pouco fundo e variável em planta, chamado Golada, entre a torre do Bugio e a terra.

O cachopo do N. estende-se naquelle rumo por 5:500 a 6:500 metros. 

O do S. é formado da cabeça do Pato, das coroas de Santa Catharina e do cachopo propriamente dito.

Sobre a primeira parte ha peio menos 10 a 12 metros de agua.

As coroas de Santa Catharina ficam entre a cabeça do cachopo e a do Pato. 

Este cachopo do S., ou Alpeidão. na extensão proximamente de 5:500 metros, é um banco de areia, que descobre em baixa-mar em diversos logares.

O banco, ou barra que liga os extremos dos cachopos pelo W., fica entre a cabeça do Pato e o Espigão, na máxima largura de 3:700 metros, e forma grande escarcéu com ventos do quadrante do SW., levantando ás vezes um rolo do mar, ou arrebentação, que fecha de um lado ao outro o canal da barra e offerece nessas occasiões perigo em arrostar com elle.


Esta barra é descripta pelo distincto hydrographo e geographo Franzini, no seu Roteiro das costas de Portugal, publicado em 1812, nos seguintes termos:
"A barra de Lisboa (a melhor e única da costa de Portugal, que admitte em todos os tempos a entrada dos maiores navios), é formada pelos baixos seguintes:

A S. 35° O. da fortaleza de S. Julião, na distancia de 280 braças, está situado o extremo NE. de um baixo de pedra, a que chamam o Dente do Cachopo cujo baixo se prolonga 2 milhas e 3 décimos a S. 65° O. com pouco fundo, tendo umas 300 varas de largura, e sobre o qual rebenta o mar, quando é agitado pelos ventos do 3.° e 4.° quadrantes.

Chamam Barra pequena, ou Corredor, o canal que fica entre o sobredito Cachopo e a costa do N., o qual tem sempre desde 8 até 10 braças de fundo na baixa-mar.


Plano hydrográfico do Porto de Lisboa e costa adjacente até ao cabo da Roca,
Marino Miguel Franzini, 1806.
Imagem: GEAEM Instituto Geográfico do Exército

Uma milha a SO. do extremo occidental d'este cachopo, e quasi N.-S. com a fortaleza de Santo António da Barra, está a Cabeça do Pato, que é um baixo-fundo, no qual se não encontra menos de 6 a 7 braças de agua em baixa-mar; mas que não obstante se deve evitar, especialmente em tempos borrascosos, podendo acontecer que na descida de uma grande vaga cheguem a tocar nelle as embarcações, que demandam muita agua.

Ao S. 55° E. de S. Julião, na distancia de uma milha e 4 décimos, está a Torre do Bugio, formada por dois corpos circulares concêntricos, no meio dos quaes se eleva uma pequena torre em que está o pharol, na altura de 63 pés.

Os dois recintos são edificados sobre um baixo de areia muito extenso, que se cobre no prea-mar, deixando a torre perfeitamente ilhada.

O dito baixo, ou Cachopo do Sul, denominado também da Alcáçova, ou Alpeidão, prolonga-se 2 milhas ao SO., e forma o do Norte, um grande canal, a que chamam a Barra Grande, cuja menor largura é de uma milha e um decimo, com 10 a 18 braças de bom fundo, a não ser perto dos dois mencionados cachopos, em que só ha 6 ou 7 braças, as quaes diminuem de repente.

A frota francesa commandada por Roussin força a entrada do Tejo, Pierre-Julien Gilbert, 1837.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

A torre do Bugio deve considerar-se como o extremo SO. do Rio Tejo, por que ainda existe, entre ella e a costa da Trafaria, um pequeno canal (que sempre conserva alguma profundidade, e cuja direcção soffre muitas alteracoes); comtudo, é tão estreito, que na baixa-mar quasi se juntam as areias da costa com as do baixo, formando uma vasta praia, até a sobredita torre.

Este grande baixo forma uma semelhança de enseada aberta ao 3., na qual se acham 5 a 7 braças de fundo.

Estes dois cachopos podem considerar-se reunidos por uma espécie de banco, situado 3 milhas e meia ao SO. das torres de S. Julião e Bugio, o qual corre em direcção perpendicular á barra; porem, como o seu menor fundo é de 8 para 9 braças, segue-se que qualquer embarcação poderá navegar afoitamente por elle em todas as circunstancias.

Logo para dentro d'este banco cresce o fundo regularmente de 15 até 20 braças, que conserva pelo meio da mesma barra".

Esta descripção, muito precisa e exacta, é perfeitamente applicavel á actualidade, em que a profundidade da barra e a disposição dos canaes e dos bancos submarinos teem sido modificadas muito pouco, como terei occasião de mostrar [...]

Costa da Caparica, Bairro de Santo António e Foz do Tejo, ed. Passaporte, 2, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

Na margem esquerda do Tejo, que principia na ponta da costa, ou bico da Calha, existe um grupo de pedras, conhecido pelo nome de Calhaus do Mar, que fica a duas e meia amarras do areal da Trafaria, que é uma povoação de pescadores, hoje muito concorrida na época balnear.

Trafaria — Vista geral da praia, ed. J. Quirino Rocha, 06, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O seu bello areal estende-se até o bico da Calha, continuando para o S. na costa oceânica.


(1) Loureiro, Adolfo, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, Vol III parte 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906

Leitura relacionada:
Erosion policy options for the Costa da Caparica