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segunda-feira, 3 de junho de 2019

O guardião dos Capuchos

"O guardião dos Capuchos abriu-se connosco um bocadinho e tem boas razões o bom do velho", o que não é senão uma crítica mordaz ao estado em que o convento se encontrava.

Roque Gameiro.org

Ele [Norberto de Araújo] imagina uma entrevista com o velho frei Bernardo:

— Há quantos anos está aqui de guardião?

— Desde 1558 que foi quando o senhor D. Lourenço, que Deus guarde, me trouxe para aqui dos Capuchos da Arrábida. Aqui tem a lápide do túmulo que foi de D. Lourenço, morgado da Caparica, o fundador do convento que foi nesta nave sepultado.

— Quantos anos conta frei Bernardo?

— Quatrocentos e doze de idade!

— E está disposto a viver muito tempo ainda?

—  Enquanto durarem os Capuchos...

Costa da Caparica - Convento dos Capuchos 
Ed. Comissão Municipal de Turismo (fotografia original de Mário Novais)

O que é facto é que a sua campanha resultou e o convento foi restaurado, como se pode ver, pois logo a seguir à publicação deste artigo sai a boa notícia:


"A Câmara de Almada resolveu comprar os Capuchos". (1)


(1) Jornal Praia do Sol, 1 de fevereiro de 1950, cf. Sabe quem foi Norberto de Araújo? (excerto), 1971, RTP Arquivos

Artigos relacionados (Convento dos Capuchos):
Mar de Caparica
Almada Virtual Museum

Artigos relacionados (Norberto de Araújo):
As meninas da Torre
Atragédia do Pensativo por Norberto de Araújo (a publicar)

Mais informação:
O Convento dos Capuchos, Vida, Memória, Identidade, Catálogo da Exposição

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)

No imenso areal o barco da duna, sempre o mesmo barco, maior ou mais pequeno, próprio para a arrebentação, de proa e popa erguidas para o céu. (1)

Costa da Caparica Saveiros Meia-lua da Caparica  Marinha de Pesca.
Comissão Cultural da Marinha

Com o nome de aveiros, e não de saveiros, são estes barcos denominados na mesa do imposto chamada do Tragamalho. 

Saveiro, alijo e savara, gravura, João Pedroso, 1860.
Hemeroteca Digital

Talvez seja corrupção do primitivo nome que tinham quantos barcos vem ao Tejo da cidade de Aveiro, que são muitos. (2)

Com o nome de aveiros, e não de saveiros...
Hemeroteca Digital

Também as populações do litoral se deslocam: pescadores de Ílhavo e Ovar fundaram colónias, como a Costa da Caparica, onde se encontraram com algarvios, vindo depois engrossar a mesma aglomeração gente de Sesimbra e das margens dos esteiros do sul do Tejo [...]

Saveiro da Costa.
Caderno de Todos os Barcos do Tejo, tanto de Carga e transporte como d'Pesca, por Joao de Souza, 1785.

Os saveiros da Costa da Caparica, em forma de crescente, reproduzem um dos tipos de embarcação da Ria de Aveiro. (3)

Barco meia lua da Costa da Caparica usado na pesca da sardinha com rede de arrastar para terra.Construidos primitivamente em Ílhavo (Aveiro) navegavam com uma vela de pendão e um leme provisório que chegados à Caparica eram substituidos por remos.
Origem do fabrico Aquário Vasco da Gama.
Museu de Marinha

Quando os pescadores de Ovar abandonaram, no século XVI, a pesca na Ria e se dedicaram aos trabalhos do mar, fixaram-se primitivamente no lugar onde hoje se ergue a praia do Furadouro, que foi a sua primeira colónia.

Depois, nas estações próprias, partiram para o norte e para o sul, procurando locais para exercer a pesca e estabelecendo outras colónias entre o Douro e o Vouga e, finalmente, atingiram locais do litoral português cada vez mais afastados da terra natal. 

Os pescadores da Costa da Caparica (detalhe), Adriano de Sousa Lopes (1879 - 1944).
cf. estudo para "Quadro de Os Pescadores da Costa da Caparica, no "atelier" de Sousa Lopes" (1927).
Exibido na exposição "Efeitos de luz" (2015) no MNAC (Museu do Chiado)

Nos séculos XVI e XVII, estavam na Torreira e nas Areias mas, durante estes dois séculos, não se fixam nos lugares mencionados, regressando à vila após as fainas marítimas. Na primeira metade do século XVIII, trabalham como marmoteiros na Afurada, numa colónia onde estão já presentes também 92 mulheres. 

Na segunda metade do século XVIII, chegam à Caparica, Santo André e Olhão, para onde eram transportados nos caíques algarvios que se dirigiam a Aveiro para vender os carregamentos de peixe salgado e, de regresso, levavam para o Algarve as bateiras dos pescadores vareiros e murtoseiros, com as suas redes e aprestos. (4)

Barco no Tejo com mau tempo, Emeric Essex Vidal (1791-1861), 1833.
artnet

Nas artes de arrastar para terra figuram as xavegas do Algarve, os saveiros e as meias-luas, de Espinho, Furadouro, S. Jacintho, Costa Nova, Mira, Tocha, Buarcos, Lagos, e outros logares, desde o sul do Douro até a Vieira, reapparecendo, mais abaixo, na costa de Caparica e da Galé, e na praia de Sines. (5)

Saveiro da Costa de S. Jacinto (Aveiro) usado no lançamento das artes de arrastar para terra.
Origem do fabrico Aquário Vasco da Gama

Museu de Marinha

Os "meias-luas" eram antigamente construídos em Ovar pelo construtor Bernardino Gomes. Eram muito mais pequenos do que o "barco do mar" que pode, ainda hoje, ser encontrado em Aveiro.

Saveiro da costa norte, "Sempre vim", 1920.
Museu de Marinha

Os primeiros barcos eram, apesar de tudo, bastante grandes: o seu comprimento era de 10,80 metros e a sua boca 2,85 metros,como está representado num modelo da Colecção Seixas no Museu de Marinha, construído à escala de 1:25, cujas linhas e plano de construção foram retirados por José Pessegueiro Gonçalves em 1920 de uma embarcação existente denominada "SEMPRE VIM". 

Saveiro da costa norte, "Sempre vim", 1920.
Museu de Marinha

Estas grandes embarcações eram construídas com quatro bancadas para os remadores e as posteriores, mais pequenas, e em menor número, que mediam 8,50 x 2,40 metros aproximadamente, eram construídas com três. 

Saveiro da costa norte, "Sempre vim", 1920.
Museu de Marinha

A parte de ré do casco era deixada aberta para permitir espaço no qual era alojada a rede, as suas numerosas poitas e flutuadores de cortiça e os cabos de puxar. (6)

Meia lua "Ha-de ser o que Deus Quiser", TR-306-L. Registada na Delegação Marítima da Trafaria, em 18 de setembro de 1946 por Vitorino José, que a mandou construir ao carpinteiro naval, Marcolino Ferreira, no estaleiro de Porto Brandão. Destinava-se à pesca local com arte de navegar.

Meia lua da Costa da Caparica, "Ha-de ser o que Deus Quiser", 1946.
Revista da Armada

Em 04 de março de 1950 passou a ser propriedade de António Xavier Carrapinha e António Pinto Ribeiro.

Marintimidades

Lotação: 12 homens; Tonelagem: 4,155. Comprimento: 8,50 m (8,42 m Documento da Delegação Marítima); Boca: 2,40 m (2,35 m Documento da Delegação Marítima); Pontal: 0,80 m (0,84 m Documento da Delegação Marítima). (7)

Outro exemplo expressivo, captado também nos anos 60, é a proa da barca da arte xávega de Monte Gordo. 


Barca de pesca em meia lua do Algarve na zona de Monte Gordo.
Museu de Marinha
No beque, uma cabeça de cobra.

Proa da barca de Monte Gordo, anos 60.
Marintimidades

Local para a cabeleira, ocasionalmente retirada. Olhos bem delineados, postados na proa, sem delimitação da cara. (8)


(1) Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland, 1923, 326 págs, 127,7 MB
(2) Hemeroteca Digital: Archivo Pittoresco, 1860, n° 41, pág. 325
(3) Orlando Ribeiro e Hermann Lautensach, Geografia de Portugal, comentários e actualização de Suzanne Daveau, Lisboa, Edições Sá da Costa, 1999 -1987-, volume III, pp. 754-6 cf. Clara Sarmento, Práticas, discursos e representações da cultura popular portuguesa
(4) Clara Sarmento, Práticas, discursos e representações da cultura popular portuguesa
(5) Ramalho Ortigão, O culto da arte em Portugal, Lisboa, A.M. Pereira, 1896
(6) Revista da Armada
(7) Museu de Marinha
(8) Marintimidades

Artigos relacionados:
Os Meia Lua da Costa de Caparica
Lugar da Costa de Caparica, 12 de setembro de 1833
Arte xávega na Costa da Caparica a Património Imaterial
Ílhavos
etc.

Mais informação:
Ana Maria Lopes, Marintimidades, O meia-lua: da praia para o Museu?...
Leitão, Manuel Leitão, Revista da Armada, Dezembro 2002, (pág. 397, ou pesquisar "Caparica")
Senos da Fonseca, Factos & História 
Senos da Fonseca, A arte da xávega
Caxinas a freguesia
etc.

terça-feira, 28 de maio de 2019

"Deus te guie"

De novo o Deus te guie fez proa ao mar, e o calador foi folgando cabos e pondo coiros a flutuar de oito em oito cordas. O arrais pediu fósforos, chegou o lume ao morrão do caldeiro e fez sinal para terra. Deu o brado de "ninguém reme!" e apagou a chama. 

Costa da Caparica, Deus te guie.

Houve um silêncio no Deus te guie... E o espadilheiro bateu com a pá na água.

— Abriu! Abriu peixe! — chamaram os remos, batendo cada um, depois, com gana. 

Mas os arrais berrou: — Ninguém bate! Aqui, quem dá ordes!?


Desenho do saveiro Deus te guie da Costa da Caparica.
Museu de Marinha
Fez-se tamanho silêncio que só o marulho das águas tem rumor. A bica da vante está voltada ao sul. As mãos do calador atam a corda à rede. Vão descer as primeiras malhas... Todos se descobrem. 

Desenho do saveiro Deus te guie da Costa da Caparica.
Museu de Marinha


E o arrais diz: — Vai em louvor de Nossa Senhora do Cabo! (1)


(1) Romeu Correia, Calamento, Lisboa, Editorial Minerva, 1950

Artigo relacionado:
Arte xávega por Romeu Correia

Leitura relacionada:
Ricardo Salomão, Meia-Lua: O Saveiro da Costa da Caparica, Revista MUSA 4, 2014

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Arte Sineira na Fonte da Telha

António Caliço abre os braços num amplexo frouxo de desalento e aponta o mar que nos beija os pés. "Isto está feio" — e com três palavras narra toda a vida da sua aldeia habitada por umas tantas dezenas de famílias de pescadores.

Festa infantil na Costa da Caparica, 1929.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Fonte da Telha. A dois passos de Lisboa, quatro ou cinco quilómetros da Costa da Caparica, perdeu agora, Verão fora, o cariz de estância balnear pobre, para ficar só o que realmente é durante todo o ano: uma pobre aldeia de pescadores.

"Mesmo isso da praia está-se a perder", lamenta António Caliço — "as pessoas estão a gostar mais de ir para a Lagoa, uns quilómetros mais abaixo." O homem aponta agora, num gesto enfadado de desalento, para a penosa ladeira de areia solta que constitui o único acesso à aldeia e à praia e conclui: "Só para não terem de subir isso as pessoas deixam de cá vir. Se não era para terem feito já uma estrada, caramba... são só cem metros..."

Escarpements formés par le Miocène et Pliocène entre Costa de Caparica et Adissa [Adiça], cliché P Choffat, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

E é verdade. Nos últimos anos o único melhoramento de vulto conhecido pela aldeia da Fonte da Telha foi o posto da Guarda Fiscal, que serve para cobrar o imposto de pescado dos habitantes. O posto fica cá em cima, no alto do que deve ser o talude mais penoso de descer e, sobretudo, de subir. Quando o peixe arrastado para terra se estende na areia, com as famílias dos pescadores todas reunidas à sua volta, a Guarda Fiscal encarrega-se de proteger os legais direitos do Estado, cobrando o imposto devido pela pesca.

Um viver primitivo e sem perspectivas

António Caliço é um dos 19 membros da companha do arrais Noel Monteiro. "Se quiser mandar-me os retratos é só escrever: António Caliço, Arte Sineira, Fonte da Telha. Vem cá ter."

Arte Sineira é o tipo de pesca utilizado pelos pescadores da Fonte da Telha. Um ramo de arte xávega da Nazaré. Os barcos partem para o largo, para lançarem as redes em pontos determinados da costa. As artes ficam armadas durante todo o dia ou toda a noite, conforme o caso. Ao fim do tempo considerado necessário que é condicionado pelo conhecimento que os pescadores têm dos hábitos do peixe, as redes começam a ser puxadas para a praia através de umas enormes cordas que se encontram presas nas extremidades do aparelho. 

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, pescadores lançando uma embarcação ao mar, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Uma arte pobre, embora difícil e tremendamente arriscada. Toda a faina decorre junto à costa, o que obriga as tripulações dos pequenos botes a suportarem a violência da rebentação. Na maior parte dos dias não se pesca nada. Mas fica sempre a esperança de que na noite seguinte as coisas corram melhor. A vida na aldeia reflecte em pleno toda a falta de perspectivas de única actividade produtora da população. Todos sentem que a pescar por este antigo e ultrapassado método nunca sairão da miséria em que se encontram, mas nem dispõem de meios para sair do impasse nem parecem estar decididos a tal. É uma pobreza que se aceita por determinismo.

Meses inteiros desligados do mundo

Fonte da Telha vive separada do mundo por uma ladeira com cem metros de areia solta. No Verão sempre aparecem uns banhistas. 

Fonte da Telha, 1964.
Imagem: Memória com História

No Inverno só o contacto irregular com os negociantes de peixe. Mas quando a violência das ondas impede que os homens vão para o mar, a aldeia fica cercada por todos os lados. De uma massa ameaçadora do líquido oceânico. Do outro a vertente incómoda da areia solta.

Os negociantes deixam de aparecer, a aldeia isola-se e fica ainda mais triste e mais pobre. É um dia destes que chegamos à Fonte da Telha. Lá em baixo, as casitas de tábuas velhas parecem agachadas ante a rudeza descomunal da ravina. Não se vê vivalma. Dir-se-ia deserta. Uma aldeia abandonada provoca arrepios.

Mas vê-se agora uma rapariga que vai da barraquita de madeira para ir estender roupa no arame esticado em frente da habitação. Um pouco mais ao lado surge, de sob um barco voltado de boca para baixo, em sinal de paralisia que a fúria do mar impõe, um pescador de camisa axadrezada e calça de ganga arregaçada até aos joelhos.

Capa do livro de Alexandre Cabral, Fonte da Telha.
Ilustração Manuel Ribeiro de Pavia.

É o António Caliço. Olha-nos com certa reserva. Não é para menos. Estranhos lá em baixo, no dia pegado de chuva, é para espantar. As pessoas, as mulheres, as crianças e os pescadores, assomam-se às portas para nos espreitarem, roídas de curiosidade.

O mais pequeno rendimento per capita do país

"Pescador tem muitos filhos. Não pode ter mais nada, tem muitos filhos. Eu por acaso não tenho nenhum, sou solteiro. Mas há-os aí com sete e oito fedelhos e comê-los pelas pernas." António Caliço fala calmamente, dominado pelo fatalismo próprio do pescador isolado. Vê que está mal, que a aldeia está mal, que as coisas vão mal, mas não sabe como resolver a situação. Está convencido de que as coisas acontecem como têm de acontecer, sem remédio que o homem possa engenhar. "Umas vezes o peixe aparece e outras não. É tudo. Que pode um homem fazer? Quando o mar se zanga e quer meter-nos os barcos no fundo, como havemos de o sossegar, como?"

Festa infantil na Costa da Caparica, 1929.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

António Caliço bem vê os barcos grandes de pesca que passam ao largo, movidos por fortes motores, mas para ele constituem uma possibilidade tão remota que prefere não pensar nela. Falamo-lhe das modernas técnicas de pescar, das sondas electrónicas para detectar os cardumes, das descargas eléctricas com que alguns navios russos e norte-americanos aprisionam o peixe às toneladas, mas deixamo-lo hirto como um penedo. Vive tão intensamente a sua realidade de Fonte da Telha que prefere não agravar ainda mais o seu sofrimento a sonhar sonhos impossíveis.

A Fonte da Telha (Costa da Caparica, Praia do Sol), Cruz Louro, 1937.
Imagem: Cruz Louro

Fonte da Telha possui três artes sineiras

São três as artes de Fonte da Telha. Cada uma compreende 19 homens que se associaram em sistema cooperativo. Para o mar, na operação sempre arriscada do lançamento das redes, vão oito. Seis encarregam-se dos remos, um toma conta da corda que prende as extremidades do aparelho e que o puxará no final da faina para terra, o oitavo vai à espadilha. Os onze restantes ficam em terra para colaborarem na penosa operação do puxamento da rede.

As contas são feitas, ao fim de cada faina, segundo normas tradicionais estabelecidas há dezenas, senão centenas de anos. O produto total da pesca é dividido em 14 partes. Os homens que foram ao mar recebem uma destas catorze partes. Os que ficaram em terra para puxar as redes recebem meia parte. Nos últimos meses os que foram ao mar saíram-se com "uns 800$00 por mês, enquanto os que ficaram em terra, não ganharam mais do que uns 500$00".


Claro que os pescadores e as suas famílias não ganham só dinheiro: também comem peixe, o peixe que pescam. "Na maior parte dos dias" — diz-nos António Caliço — "o que pescamos é distribuído quase inteiramente por todos, para que haja de comer nas casas dos pescadores".

Muitos dias nem para se comer se apanha. Por cima dos telhados vêem-se ainda restos de peixe exposto ao sol para secar, que constituirá nos dias mais negros do inverno que se aproxima o alimento base do povo de Fonte da Telha. É peixe de manhã à noite. Peixe ao pequeno almoço; peixe ao almoço; peixe ao jantar; e só não é peixe à ceia por que o pescador da Fonte da Telha mal suporta os encargos das três parcas refeições a que está habituado.

As crianças vão a uma escola das redondezas, mas quase todas ficam pela terceira classe. As raparigas ficam em casa para ajudarem as mães na lida da casa; os rapazes ou ensaiam os primeiros puxões na corda da velha arte sineira, ou sobem a ravina de areia, para irem trabalhar na serventia para o Alto do Grilo, Costa da Caparica ou outra terra das proximidades.

Todos desejam afastar os filhos da miséria do pescador

São, contudo, muito poucas as crianças da Fonte da Telha que hoje se iniciam na arte sineira que apaixonou os seus descendentes nos últimos séculos. São os próprios pais e ainda mais as mães que tudo fazem para os afastar do fascínio do mar. Só os que de todo em todo não podem é que não mandam os filhos aprender outro ofício sobretudo na construção civil.

Fonte da telha, década de 1950.

É o esboçar de um movimento de fuga que é incutido nos mais novos pelos mais velhos, que conduzirá fatalmente à extinção das aldeias de pescadores que guarnecem a orla marítima portuguesa e de que Fonte da Telha, a dois passos de Lisboa, é um caso típico. (1)


(1) António dos Santos, Notícias da Amadora, n° 348, 21 de dezembro 1968
Enviada a Censura em 1968-12-16, Decisão: Cortado Nº de linguados: 4

quarta-feira, 6 de julho de 2016

A sereia do sul

A Costa — a sereia do Sul — tem muitos apaixonados...

Caparica, miradouro do Convento dos Capuchos, 1954.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Como todos os apaixonados — loucos de amor por ela (sempre o eterno feminino!...), cegos de paixão, egoistamente têm procurado preserverá-la de quantos se possam aproximar, enamorar-se também, e envolver a sereia noutro ambiente que não seja o da primitiva rusticidade.

Exclusivismos de amor... Todos os sinceros amantes são exclusivistas...

Mas o leito da praia tem sete léguas.

A sereia expraia-se por sete léguas do mesmo areal, da mesma païsagem, do mesmo quadro.

Pode aqui formar-se um grupo de admiradores que perturbe o devaneio do poeta, a lucubração do artista, o sonho do azul, o romance da vaga — mas mais adianle, uns quilómefros mais adianíe, no mesmo quadro de séculos, no mesmo areal de sempre, a sereia espreguiça-se à vontade, chamando os seus apaixonados para mais longe... mais longe... e depois ainda mais longe... onde a sós, num mudo colóquio de amor, continue o devaneio, o sonho, o romance de encantamenio e de paixão...

Costa da Caparica, turistas, década de 1950.
Imagem: Cocanha

E entretanlo vem a multidão também extasiar-se perante a maravilha...

O poela e o artista descobriram e bradaram o mistério de beleza — a beleza eterna que só aos eleitos é dado desvendar.

Costa da Caparica, turistas, 1956.
Imagem: Eulália Duarte Matos

E a multidão acudiu a êsse brado e viu a coluna de espuma em curvas de sensual beleza, incensada de aromas, resplendente de luz — e quedou-se maravilhada.

Aquela era a beleza magestosa em que a natureza se diviniza...

Costa da Caparica, turistas, agosto de 1940.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

E a multidão rodeando a imagem, — o sonho, o devaneio, feitos luz, aroma e espaço — completou o quadro.


(1) Praia do Sol (Caparica): estância balnear de cura, repouso e turismo, Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico, 1934, M. Costa Ramalho, Lisboa.

sábado, 25 de junho de 2016

Eu gosto é do verão...

Na Primavera o amor anda no ar.
Na Primavera os bichos andam no ar.

Costa da Caparica, Vista parcial da Praia do Sol, ed. Passaporte, 43.
Imagem: Delcampe

Na Primavera o pólen anda no ar
E eu não consigo parar de espilrar.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

No Verão os dias ficam maiores.
No Verão as roupas ficam menores.

Costa da Caparica, Um trecho da praia, ed.Passaporte, 44.
Imagem: Delcampe

No Verão o calor bate recordes
E os corpos libertam seus suores.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

Eu gosto é do Verão
De passearmos de prancha na mão.

Costa da Caparica, Aspecto da Praia à hora do banho, Passaporte, 99.
Imagem: Delcampe - Oliveira

Saltarmos e rirmos na praia
De nadar e apanhar um escaldão.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

E ao fim do dia, bem abraçados
A ver o pôr-do-Sol
Patrocinado por uma bebida qualquer.

Costa da Caparica, praia de Santo António.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

No Outono a escola ameaça abrir.
No Outono passo a noite a tossir.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

No Outono há folhas sempre a cair
E a chuva faz os prédios ruir.

Costa da Caparica, Aspecto da Praia à hora do banho,  ed. Passaporte, 17.
Imagem: Delcampe

No Inverno o Natal é baril.
No Inverno ando engripado e febril.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

No Inverno é Verão no Brasil
E na Suécia suicidam-se aos mil


Costa da Caparica, Vista parcial da Praia, ed. Passaporte, 19.
Imagem: Delcampe

E ao fim do dia, bem abraçados
A ver o pôr-do-Sol

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

Patrocinado por uma bebida qualquer.

Costa da Caparica, Um aspecto da Praia, Passaporte, 21.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

Patrocinado por uma bebida qualquer.

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam

Qualquer. (1)

Férias na praia, fotonovela iniciada em 30 de maio de 1963 na Crónica feminina.
Imagem: Dias que Voam


(1) A Fúria do Açúcar, O maravilhoso mundo do acrílico, Lisboa, Polygram, 1997

sábado, 28 de maio de 2016

Banheiros da Praia do Sol

Costa da Caparica, A praia 35 K de comprida, ed. Passaporte, 10, década de 1950.
Imagem: Fundação Portimagem

Tome-se nota do nome dos banheiros da nossa vastíssima praia que se estende desde a entrada da barra do Tejo até à Fonte da Telha:

Evandro Joaquim Ribeiro; Tarquínio António Martins;

EVANDRO
O MAIS ANTIGO BANHEIRO DESTAS PRAIAS

Costa da Caparica, entrada de praia, Sid Kerner, 1967.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

TARQUINIO
ANTIGO BANHEIRO IDONEO
O MAIS CENTRAL

"Dragão Vermelho";

Costa da Caparica, Praia do Dragão Vermelho, ed. Passaporte, 95, décadas de 1970 — 80.
Imagem: Delcampe, Oliveira

Costa da Caparica, Praia do Dragão Vermelho, décadas de 1970 — 80.
Imagem: Delcampe

José Marcelino; António Gonçalves [Ribeiro, Tarzan da Costa],

António Gonçalves Ribeiro, Tarzan da Costa.
Imagem: Notícias da Gandaia

António Marques Gaspar, Pedro Solano de Almeida, Américo José Joaquim; "Vitória" e "Praia do Norte", pois todos eles vos poderão alugar, toldos, barracas ou fatos de banho por preços estabelecidos por tabela.

Costa da Caparica, Vista da praia com 35 k de extensão, ed. Passaporte, 13, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Quando entrar no mar não tenha receio, porque pela vossa vida velam exímios banheiros.

Costa da Caparica, A Praia do Sol com 35 K de extensão, ed. Passaporte, 14, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

Atenda, porém, sempre os seus conselhos, e, nunca tome banho, senão passadas três horas das refeições. (1)

Costa da Caparica, verão 2009.
Imagem: AVM


(1) Correia, António, Roteiro da Praia do Sol, Jornal Praia do Sol, 1950.

Outras ligações:
Costa da Caparica no Facebook
Orgulho Caparicano no Facebook

Tarzan da Costa de Caparica Nascido para salvar