domingo, 30 de maio de 2021

Távoras de Caparica

O caso da família Távora é muito interessante porque acabou por "herdar" os bens da família Vasques de Almada, caída em desgraça por se ter bandeado com o Infante D. Pedro na Batalha de Alfarrobeira (1449). 

Armas de Almada chefe, livro do Armeiro-Mor.
Wikipédia

Os Távoras da Caparica foram uma das famílias dominantes e com mais bens na região, junto com os Noronhas/Condes dos Arcos. O primeiro Távora a viver na Caparica foi Alvaro Pires de Távora, que, com os bens dos Almadas que o rei D. Afonso V lhe dera em 1999, fundou o chamado Morgado da Caparica, constituído por uma grande quinta, pinhais e várias terras neste lugar.

Armas de Távora chefe, livro do Armeiro-Mor.
Wikipédia

Já no século xvi, um destes Távoras, Lourenço Pires de Távora, acabou os seus dias nos Capuchos, onde está sepultado;  

Congratulação de Lourenço Pires de Távora ao Pontífice Pio IV.
Internet Archive

Cristóvão e Álvaro, filhos de Lourenço, faleceram em Alcácer Quibir junto com o jovem rei (1578), mas o seu irmão mais novo, Rui Lourenço de Távora, continuaria o morgado, servindo a Coroa como Governador do Algarve (1595-1607) e Vice-Rei da índia (1608-1612).

Rui Lourenço de Távora, 19° Vice-rei da India, 1609/1612.
A Casa Senhorial


O filho deste, Álvaro Pires de Távora, recebeu duas comendas das ordens militares pelos seus serviços na luta contra os Holandeses na Bahia (Brasil) em 1629, e ainda escreveu uma obra laudatória da sua família, que só foi publicada postumamente em 1648, em Paris, pelo seu filho, Rui Lourenço de Távora (2.°), depois falecido nas Guerras da Restauração, no assalto a Badajoz, em 1657. 


Torre Velha, John Thomas Serres, c. 1801.
Catarina Pires no Facebook

O morgado continuou na descendência de um sobrinho-neto, D. José de Menezes e Távora, bisavô de D. Francisco Xavier de Menezes da Silveira Castro e Távora de Rappach, 1.° conde de Caparica (1793) e 1.° marquês de Valada (1813). (1)


(1) Rui Manuel Mesquita Mendes in Luísa Costa Gomes, Da Costa, um flanar pelas praias e montes da Caparica...

quinta-feira, 20 de maio de 2021

Barco da xávega de mestre Gadelha

O último dos últimos, agora está esgotadíssimo — disse-me o Manuel Mão de Ferro das Edições Colibri referindo o livro de Manuel Fidalgo, Barco da Xávega, Tecnologia da sua Construção, que eu acabara de comprar — e acrescentou — este fui buscá-lo à estante do editor.

Costa da Caparica, colecção Passaporte, s/n.
Delcampe

O livro, publicado em 2000, é um ensaio antropológico que, entre múltiplas abordagens e referências, documenta a construção do barco de mar da xávega. O barco é assim conhecido no areal da costa marítima portuguesa que vai de Espinho a Vieira de Leiria. Xávega é o aparelho de pesca, ou arte, que lhe dá o nome.

As sucessivas etapas de construção, detalhadas no ensaio, suportam-se no conhecimento e experiência de dois mestres construtores que nos respectivos estaleiros dão o risco a estas embarcações, mestre Esteves do Pardilhó, Estarreja, e mestre Gadelha do Seixo, Mira.

Mestre Gadelha no estaleiro do Seixo segura o pau dos pontos.
Ricardo Salomão

Como refere o Ricardo Salomão da Associação Gandaia, foi a mestre Gadelha que a "A Mar A Costa" recorreu para que um meia-lua da Costa da Caparica fosse contruído, penso que, com o objectivo de dar a conhecer aos visitantes da cidade e da praia o tipo de embarcação e de algum modo preservar a identidade cultural dos pescadores.

Só quem viu os meia-lua em actividade salpicados de sal nas cavas das ondas, no vozeiral das arribadas, ou adormecidos ao sol no areal, pode compreender o entusiasmo de tais empreendimentos e, porventura, esquecer histórias que se repetem.

O Cabo Espichel, foi um meia-lua que vários anos esteve exposto no areal à entrada da praia junto às barracas dos trafos e abrigos que no verão eram alugadas à "malta" que queria passar uns tempos na praia.

O Cabo Espichel junto aos antigos palheiros na Costa da Caparica.
almadalmada

Apalavrava-se com o pescador, estabelecia-se a confiança, paga-se o período desejado, ficava-se com a chave. Trafos por debaixo do estrado, uma manta por cima deste, casa de férias de porta aberta com hóspedes presentes.

Enquanto aí estiveram as barracas o Cabo Espichel perdurou, pois sempre que necessitava de um pequeno reparo alguém lhe jogava a mão, mantendo-se assim o imponente cartaz de visita, branco e vermelho, boca larga quando comparado com outros, destacando-se no colorido das barracas e palheiros.

Quando a municipalidade resolveu intervir no ordenamento da frente marítima, para evidenciar o betão dos prédios, as barracas desapareceram e o Cabo Espichel, depois de atravessar a rua, ficou tristemente asilado junto à entrada dum edifício.

O betão e o areal nunca ligaram bem. É como a estupidez, só tem graça em pequenas doses.

O areal aceita bem os palheiros, as plantas das dunas, o mar, a linha do comboio turístico e, para além dos barcos que nele varam, pouco mais.

Não mais vi o Cabo Espichel. Foi talvez a embarcação destruída por um acidente rodoviário na rotunda das av.enidas Dr. Aresta Branco/Afonso de Albuquerque, mas que interessa isso, um acidente de estrada é um fim triste e indigno para um qualquer barco.

Na sequência desse acontecimento a Junta de Freguesia, atenta, para consolo dos caparicanos, resolve no local naufragar um barco da xávega de Mira... o que eventualmente provocou comentários — eh pá, a coisa vista de frente a três quartos até passa — passa nada pá — e o olho, o olho tem miopia.

Barco da xávega de Mira exposto na Costa da Caparica.
O Mistério do Barco Desaparecido


A "A Mar A Costa" apoiada pela Gandaia, encomendou a mestre Gadelha um meia-lua da Costa da Caparica. O barco, de Mira,  é um barco em Mira mas na Costa não faz sentido [v. Notícias da Gandaia, 22 de fevereiro 2013: Meia Lua e Barco de Mar: parecidos mas diferentes].

Em cima: barco meia-lua da "A Mar A Costa".
Em baixo: barco da xávega de Mira.
Notícias da Gandaia

Para o efeito e risco da construção, o representante da associação, o benemérito que pagaria o barco, um pescador da Costa e Ricardo Salomão apresentaram-se a mestre Gadelha com um enganoso opúsculo editado pela Junta Distrital de Setúbal em 1969, J. A. Neves Cabral, Meia-lua da Costa da Caparica, ao que o experiente mestre se contrapõe, já que o barco não poderia ser construido com essas indicações, porque não poderia navegar.



Foi então o grupo com mestre Gadelha ao Museu de Marinha, ver o Há-de ser o que Deus quiser  e a partir daí lá pode construir a embarcação encomendada para ser exposta na Costa da Caparica.

Meia lua da Costa da Caparica, "Ha-de ser o que Deus Quiser".
Construido em 1946.
Revista da Armada

Sabendo que o  Há-de ser o que Deus quiser  é o refinamento da construção dos meia-lua da Costa da Caparica naquelas dimensōes, poderia perguntar-me, se o mestre Gadelha não tivesse acedido aos desenhos de J. A. Neves Cabral, o risco da embarcação não teria sido outro. Menos Mira.

J. A. Neves Cabral, Meia-Lua da Costa de Caparica...,
Junta Distrital de Setúbal, 1969

Poderia pensar que se a base partisse de outro plano, como o do Sempre vim, que até é da Costa Norte, o resultado não teria sido mais Caparica.

Saveiro da costa norte, "Sempre vim", 1920.
Museu de Marinha

Mas que interessa isso hoje, a embarcação "A Mar A Costa" talvez já não exista. Mestre Gadelha cumpriu e todos cumpriram. Entregue no vermelho primário, foi pintado nas cores de um parente afastado num conhecido postal.

O barco "A Mar A Costa" à falta da companhia das barracas e palheiros definhou à míngua de atenção e do embalo das ondas, encharcado pela chuva, não tendo sequer provado na água prateada do oceano [v. Notícias da Gandaia, 30 de julho 2014: Meia-Lua a Degradar-se].

Notícias da Gandaia


Melhor, talvez, teria sido como fez o sr Robert Gulbenkian nos jardins da casa Ararat, na Quinta dos Medos, falésia da Praia do Rei, o Noé, meia-lua em cimento e betão. O betão, preferencialmente em quantidades reduzidas [v. Notícias da Gandaia, 5 de novembro, 2012: Um Meia-Lua Original?].

Barco meia-lua Noé, Casa Ararat, Quinta dos Medos.
Notícias da Gandaia

 Rui Granadeiro, 20 de maio, 2021


Mais informação:
Fez-se História!
Ricardo Salomão
A Mar A Costa (fb): Regresso do Meia-Lua
A Mar A Costa (fb): 2011 Inauguração Saveiro Meia-Lua Costa Caparicano

Leitura relacionada:
O povo das dunas
Manuel Fidalgo, Barco da Xávega, Tecnologia da sua Construção, Lisboa, Edições Colibri e Inatel, 2000

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Half moon boats by David Klein

Durante a década de 1930, foi membro activo da California Watercolor Society. Esse grupo de artistas frequentemente escolhia pintar aquarelas representando cenas da vida do dia-a-dia nas cidades e subúrbios da Califórnia. Pintavam directamente, com pouco ou nenhum desenho preliminar a lápis, e usavam o papel como cor de uma maneira nova e criativa [...]

TWA Portugal travel poster by David Klein (detail).
David Klein Original Travel Art

Após a guerra, David Klein mudou para Nova York e se estabeleceu-se em Brooklyn Heights, onde viveria nos próximos 60 anos. Em 1947 trabalhou como diretor artístico na Clifford Strohl Associates, uma agência de publicidade teatral. Passado pouco tempo, David tornou-se o ilustrador preferido para muitos dos programas mais conhecidos da Broadway nesse período [...]

TWA Portugal travel poster by David Klein.
David Klein Original Travel Art

David Klein é, no entanto, mais conhecido pelo seu influente trabalho no campo da publicidade de viagens. Durante as décadas de 1950 e 1960, desenhou e ilustrou dezenas de posters para a Trans World Airlines (TWA) de Howard Hughes.

TWA Portugal travel poster by David Klein.
David Klein Original Travel Art

O uso das cores vivas por David, representam marcos famosos de um estilo abstracto, definindo o state of the poster art do período. Em 1957, um poster da TWA da cidade de Nova York tornou-se parte integrante da coleção permanente do MoMA (Museum of Modern Art) de Nova York. Essas obras, muito imitadas, definem até hoje a excitação e o entusiasmo dos primeiros anos das viagens aéreas do pós-guerra. Definiram o estilo Jet Set tornando-se icônicas.

David Klein Original Travel Art

David ganhou vários prêmios Excellence from the Society of Illustrators pelo seu trabalho para a TWA [...] (1)

Travel Tips... Portugal, cover by David Klein.
eBay


(1) David Klein Illustrator

Imagens relacionadas:
Pinterest

sábado, 8 de maio de 2021

O Pombinho (TR-32L)

João Ferreira, alcunhado de "Rácha", nasceu cm junho de 1907 e faleceu em Julho de 1958. Nos anos trinta, no Lugar da Costa, exercia a função de polícia, cargo que soube executar com respeito, sem melindrar quem quer que fosse sem razão.

Costa da Caparica, Passaporte 60, Arribação dos pescadores após o lançamento das redes.
Delcampe

Depois de deixar de ser polícia na povoação. tornou-se um arrais de nomeada, afirmando-se, no governo das artes de xávega do "rnestre Chico". Depois de se revelar um bom arrais, o "Rácha" com o cunhado António Salgado, ou seja, o 'Tó Salgado", como era assim conhecido, vincularam-se na compra de urna arte de pesca e de um barco meia-lua, de nome o "Galínho", que era do mestre Vitorino José Galinho, mandado por este construir nos estaleiros do Talaminho.

Costa da Caparica, Passaporte 59 Pescadores lançando as cordas para o arrasto da rede.
Delcampe

O João governava a arte da pesca, o cunhado como excelente arrais de terra tratava do seu arranjo. Tempos depois os sócios separaram-se, o porquê não é chamado para o caso, e o arrais João convidou outro cunhado para sócio, que aliás também tinha alguma experiência no trato das redes e cujo nome era Aniónio Gonçalves Bexiga, o "Tó da Bia".

Costa da Caparica, Passaporte 62, Pescadores na faina de arribação.
Delcampe Bosspostcard

Os tempos passavam, até que um dia a sociedade terminou e a arte foi vendida ao Mário Gonçalves, o "Corvo", que nomeou o barco de "Pombinho".  (1)

Barco Meia lua, Pombinho.
Paulo Zé Silva

*
*     *

O Exeter Maritime Museum foi inaugurado em 1969 e encerrou em 1997. Possuía na sua colecção mais de 400 embarcações e mais de 300 modelos à escala. Das 187 embarcações listadas constava o Pombinho, aí referido como Meia-lua da Costa da Caparica [Comp: 08,23; Boca: 2,35; Pontal:  ; T: —. cf. Caxinas a freguesia: Barcos tradicionais portugueses...].

Atrasados, acorremos a Exeter em janeiro do ano passado [v. O nome dos barcos (2 de 3)] e tendo aí encontrado o S. Paio da Torreira não tivemos notícias do Pombinho.

Entretanto, há pouco tempo, soubemos que haveria a possibilidade do Pombinho estar no  National Maritime Museum em Gdańsk na Polónia, já que este museu acolheu parte do espólio de Exeter em 2019. Assim sendo, fomos á exposição (fotográfica) do Maritime Culture Center, Boats of Peoples of the World.
 
Saveiro meia-lua da Torreira, Santo António no Museu de Marinha.
Revista da Armada n° 555, setembro-outubro de 2000

Uma vez mais encontrámos o S. Paio no Museu de Marinha, mas o Pombinho não...


(1)  Mário Silva Neves, Tu, Costa Minha!... o passado e o presente, 2002


Artigo relacionado:
O nome dos barcos (2 de 3)

Mais informação:
Caxinas a freguesia

domingo, 2 de maio de 2021

Bairro de casas para pescadores por João Faria da Costa

Nem sempre foi possível manter a proximidade com as frentes marítimas e aproveitar as efémeras estruturas já autoconstruídas pelas comunidades, originando uma significativa rotura entre trabalho e casa. Não que o proveito das mesmas fosse um objetivo da construção dos novos bairros, mas certamente que seria de manter uma ligação com os hábitos enraizados e a vida disciplinada destas comunidades.

Bairro de casas para pescadores da Costa de Caparica, tipo 2 corte por A. B., 1946,
arquitecto urbanista João Faria da Costa.
Habitação, cem anos de políticas públicas em Portugal, 1918‑2018

Era visível, sempre que possível, o desenho de planos complexos impulsionadores da vida em comunidade, como o que Faria da Costa propõe em 1946 para a Costa da Caparica.

Bairro de casas para pescadores da Costa de Caparica - alçado de conhjunto - tipo 2, 1946,
arquitecto João Faria da Costa para a Junta Central das Casas dos Pescadores.
Habitação, cem anos de políticas públicas em Portugal, 1918‑2018

Os impasses habitacionais já implementados nas células I e II das «casas de renda económica» de Alvalade, visivelmente reconhecidos na planta de implantação proposta, voltam a ser experimentados num contexto periférico ao grande centro urbano do País e para um público‑alvo distinto.

Bairro de casas para pescadores da Costa de Caparica - planta do piso 0 e plano transversal - tipo 2, 1946,
arquitecto João Faria da Costa para a Junta Central das Casas dos Pescadores.
Habitação, cem anos de políticas públicas em Portugal, 1918‑2018

Houve necessidade de construir cidade, de regularizar o traçado, hierarquizando os espaços em função dos equipamentos propostos. No entanto, apenas foram construídas as habitações, distribuídas em blocos de dois pisos com 4 fogos isolados e em banda e, em duas fases distintas (1946 e 1958, respetivamente), totalizando 88 fogos.

Bairro de casas para pescadores da Costa de Caparica - plano - tipo 2, 1946,
arquitecto João Faria da Costa para a Junta Central das Casas dos Pescadores.
Habitação, cem anos de políticas públicas em Portugal, 1918‑2018

Curiosamente, este projeto de Faria da Costa é replicado através do Programa das Famílias Pobres em Vila Nova de Ourém e em Vila Nova da Barquinha, em fase posterior à proposta paraa Vila da Caparica, aspeto que reforça a continuidade entre os dois programas. (1)


(1) Habitação, cem anos de políticas públicas em Portugal, 1918‑2018

Artigos relacionados:
Plano de Urbanização da Costa da Caparica
Bairro Novo dos Pescadores

Tema:
Urbanismo

sábado, 1 de maio de 2021

Restaurante Carolina do Aires por Maurício de Vasconcelos

No domingo passado, dia 30 de Março o dia começou bem cedo. Fui para a Costa da Caparica, visitar o restaurante Carolina do Aires e a casa do Dr. Luciano Carvalho (1964), uma casa desenhada em contexto urbano e com um programa diferente das que estou a estudar, por se tratar de uma casa de férias.

Costa da Caparica, década de 1970
Delcampe

Dirigi-me ao restaurante Carolina do Aires e uma vez que era hora de almoço decidi parar e aproveitar a oportunidade para entrar no restaurante e assim "sentir na pele o espaço".

Proposto, inicialmente, como um objecto para uma permanência de carácter temporário, Maurício desenha toda a estrutura em madeira, sendo rapidamente desmontável caso fosse necessário.

Costa da Caparica, restaurante Carolina do Aires, década de 1980.
Delcampe

Apesar de se encontrar muito alterado, pelo menos exteriormente, percebe-se claramente a intenção do arquitecto, a procura de uma ligação interior exterior.

Por dentro ficámos maravilhados com a dinâmica imposta pela estrutura da cobertura e por todo o ambiente de recolhimento e conforto proporcionado pela madeira. (1)

[São ainda de Maurício de Vasconcelos a autoria dos equipamentos de praia de apoio aos banhistas no âmbito da campanha de 1969, "Há e mar, há ir e voltar" de Alexandre O'Neil.]


(1) Single family houses by Mauricio de Vasconcelos, 1950-1970

Tema:
Urbanismo