segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

As primitivas barracas dos pescadores

Segundo uma tradição que parece consistente, teriam sido os ilhavenses, vindos do Norte na sua avançada pioneira de exploração de novas pescarias, quem primeiro se estabeleceu na Costa da Caparica, até então deserta; e, imediatamente após eles, os algarvios, vindos do Sul. Uns e outros, além da pesca e da organização que esta implica, trouxeram consigo os seus hábitos e costumes próprios, que implantaram nestas paragens.

A Praia do Sol, As primitivas barracas dos pescadores, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 111.
Delcampe

Passados os primeiros tempos, em que toda essa gente permanecia na Caparica apenas durante a época da safra, nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro, vivendo em "singelas e pequenas choupanas, a que largavam fogo quando se retiravam para as suas terras", começa a dar-se a sua fixação: os ilhavenses ao Norte, sobre um medo elevado que existe perto do ponto onde agora se situam as barracas dos pescadores; os algarvios ao Sul, cada qual em seu bairro, fazendo vida separada.

Paisagem com pescadores e cabana de palha a arder, Joaquim Manuel Rocha (1727-1786).
Palácio do Correio Velho

Os algarvios, para se abrigarem, construíram sem dúvida barracas de estorno ou junco, idênticas às que usavam na sua terra de origem, e com os mesmos materiais que ali também se encontram. A habitação tradicional característica do pescador ilhavense, no Norte, é o palheiro de tabuado, apenas com a cobertura em estorno.

Costa da Caparica, cabanas de colmo e tabuado.
Estampa, Madrid, 13 de fevereiro 1932

As mais antigas notícias de que dispomos referentes à Costa da Caparica, dos séculos XVIII e XIX, mencionam, como veremos, exclusivamente um aglomerado de "barracos de palha" (à excepção de Rocha Peixoto, que no seu estudo sobre os "Palheiros do Litoral", datado de 1898, in «Portugália» I, Porto, 1899, pp. 79 96, fala na "imutável traça" do palheiro de tabuado, mas cuja excessiva generalização já denunciamos);

Costa da Caparica, Antigas casas de pescadores, Acção Bíblica (Aliança Bíblica), década de 1930.
Delcampe

se estes termos correspondem a uma indicação rigorosa e precisa, temos de supor que aqui, onde sem dúvida a madeira para o tabuado seria de difícil e dispendiosa obtenção, esses pio neiros ilhavenses adoptaram, não a forma da sua habitação tradicional, mas a dos seus co vizinhos algarvios, mais fácil de construir, que teriam imitado e usado até muito tarde.

Costa da Caparica, Casa de pescadore, Luiz Salvador Jr., 1947.
Luís Salvador Júnior

Mas, como veremos, é de admitir que se trate de uma mera generalização sem qualquer preocupação de exactidão, e que desde muito cedo houvesse casas de tabuado, e apenas com telhados de colmo, além de barracos inteiramente em estorno.

Parece terem sido os ilhavenses os que também primeiro ali passa ram a viver com carácter permanente; os algarvios regressavam ao Algarve quando acabava a safra. Ainda em 1770, esta praia era habitada todo o ano apenas por um número muito reduzido de pessoas, e só no ano seguinte ali se fixaram os primeiros « mestres da pesca», dois ilhavenses – Joaquim Pedro e José Rapaz – e dois algarvios – José Gonçalves Bexiga e Romualdo dos Santos –, "em barracas já com maiores comodidades", e com as suas companhas.

Desenho da Costa antiga, autor António Lopes Martins, Col. Particular.
Rui Manuel Mesquita Mendes (fb)


"Dado o exemplo, em anos a seguir, ali se fixaram também os mestres José dos Santos, Jerónimo Dias, João Lopes e Manuel Toucinho". O principal motivo da subsequente fixação também dos algarvios teria sido o receio de perderem a sua zona de pesca (Agro Ferreira, "A Praia da Costa (Caparica) – Terra de Pescadores", Lisboa, 1930, pp. 20, 22, 30 31).

A rivalidade entre ilhavenses e algarvios era grande, mas o elemento nortenho acusava uma certa supremacia, e os algarvios foram-se amoldando; as próprias moradias do bairro velho dos pescadores parecem se mais com as da Costa Nova do que com as do Algarve.

Com o decorrer do tempo, os dois grupos acabaram por se fundir; mas essa primitiva rivalidade perdura, ainda em nossos dias, nos partidos dos jogos dos garotos, que opõem sempre os do Norte contra os do Sul (em 1870 contavam se na Costa da Caparica 307 chefes de família, na sua maioria descendentes de gentes do Norte (António Correia, "A acção dos pescadores de ílhavo em Costa da Caparica", in "Arquivo do Distrito de Aveiro", n.° 130, Aveiro, 1967, pp. 113 118).


Um dos primeiros cuidados destes pioneiros nortenhos foi a construção da igreja, também de junco e tabuado; o cemitério local data de 1780, mas só em 1848 foi murado [de facto trata-se de outro cemitério, mais recente, v. O cruzeiro do lugar da Costa].

Nos princípios do século XIX, a Costa da Caparica era ainda apenas um aglomerado de barracas de palha, na expressão de Pinho Leal; a primeira casa de pedra e cal data de cerca de 1800; quando D. João VI visitou a Caparica em 1823 ou 1824, hospedou se nessa casa, que era a única ainda então existente no lugar, e que é hoje conhecida pelo nome de casa da Coroa, no largo da Coroa (porque o seu dono, em comemoração do acontecimento, mandou incrustar na sua frontaria as armas reais daquele monarca, sobre a esfera armilar (cf. Pinho Leal, vol. 2, pp. 97 98, Lisboa, 1874, " PAM", s. v. Caparica), ver também "A Praia da Costa" (Agro Ferreira), p. 30).

Costa da Caparica, Casa da Coroa, Cruz Louro, 1935.
Rui Manuel Mesquita Mendes (fb)

Em 1840, um grande fogo, chamado da "Quinquilheira", devorou 98 barracas; em 1864, outro, devorou cerca de 60; e em 1884, outro ainda, devorou também cerca de 60.

Por volta de 1900 a Costa da Caparica continuava a ser apenas um arraial de barracas; "a única casa mista de cantaria e madeira, era uma taberna" (Raquel Soeiro de Brito, "Palheiros de Mira», p. 23"). [esta generalização não corresponde à verdade, em 1859 já existiam diversas construções em alvenaria, v. Maria Rita do Adrião (1811-após 1903)].

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, colégio do Menino Jesus e casas típicas de pescadores, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

Mais uma vez, porém, não podemos saber se essas barracas seriam de estorno ou tabuado; mas cremos que, pelo menos nessa altura, já ali existiam casas deste último género, embora sem dúvida a par de bar racos de estorno, de que aliás chegaram até quase aos nossos dias alguns exemplares: além dos barracos pròpriamente ditos, há que acrescentar, como bem notou Fernando Castelo Branco, outros, construídos sobre barcos fora de uso, que se vêem em duas aguarelas de Roque Gameiro (v. O Alfama, 3 de 3), que supo mos poder datar desta mesma época, e a que já nos referimos; ora esses barracos são precisamente de tabuado (horizontal), e apenas com a cobertura em estorno (Fernando Castelo Branco, "O estudo das construções de materiais vegetais do Litoral Português", in "Mensário das Casas do Povo", Ano XXIII, n.° 265, Lisboa, 1968, ano XII, n.° 264, 1968, p. 9).

Acresce que os homens velhos da localidade tão longe quanto podem, lembram se da Caparica, como um aglomerado sobretudo de casas de tabuado, tal como ainda hoje.

Costa da Caparica, Praia do Sol.
Bairro dos Pescadores, Cruz Louro, 1934.
BestNet Leilões

Seja como for, a partir de então, a construção em tabuado toma certa mente maior incremento, enquanto os velhos barracos do tipo algarvio se vão extinguindo, acompanhando os rápidos progressos que se verificam nos locais que passam a ser frequentados por veraneantes (Raquel Soeiro de Brito, op. loc. cit.).

Segundo Agro Ferreira, até 1922 esta povoação era constituída apenas por «uma centena de barracas de colmo», a par de «umas dezenas de barracas de tijolo e meia dúzia de casas abarracadas de pedra e cal » (Agro Ferreira, "As praias da Costa – indevidamente chamada da Caparica". I Congresso National de Turismo, II Secção, Lisboa, 1936 – A "Praia do Sol"). Mas, pelas razões apontadas, é difícil saber se a expressão, além das coberturas, se refere também às paredes.

Costa da Caparica, interior de uma barraca de pescadores, Cruz Louro, 1930.
Delcampe

Com efeito, Raul Brandão, falando da Costa da Caparica em 1923, dá a entender que as casas aí eram, pelo menos então, de tabuado (Raul Brandão, "Os Pescadores", 1923, p. 248: "Quatro tábuas e um tecto de colmo negro"). E Leite de Vasconcelos, que a visita em 1931, nota que, pouco tempo antes, ainda ali se via grande número de casas de madeira cobertas de colmo, « que vão sendo substituídas por óptimas vivendas» (J. Leite de Vasconcelos, "Etnografia Portuguesa", II, p. 564). "O telhado faz se de barrotes de pinheiro, castanheiro (!), etc., pondo se lhe por cima canas grossas, e sobre as canas feixes de estorno, atado a elas com linhas de carreto. Chamam barracas a estas casas, que vão desaparecendo. Os compartimentos podem ter divisões ou simplesmente cortinas, ou de caniçadas de estorno."

Aspecto do bairro piscatório da Costa da Caparica, 1938.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Note se que este autor publica uma fotografia antiga da Costa da Caparica, em que se vêem alguns escassos barracos que parecem ser de tabuado, no meio de uma chusma de outros inteiramente de estorno, do tipo algarvio, dispersos no areal (J. Leite de Vasconcelos, "Etnografia Portuguesa", III, p. 487 488, e fig. 126, p. 489).

Hoje, na Costa da Caparica, nenhum exemplar subsiste de tais barracas, e domina inteiramente a casa de tabuado, não só para banhistas, numa feição cuidada, como também, no velho bairro dos pescadores, estas térreas, de pau a pique, e tabuado horizontal, virando para a rua a empena, onde se situa a porta; a cobertura em telha de Marselha é a única diferença sensível entre elas e as barracas descritas por Raul Brandão (Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, "Palheiros", p. 95).
nto".

Costa da Caparica, Bairro dos Pescadores.
Arquivo Histórico da Marinha

Embora seja portanto plausível, não se pode contudo, como dissemos, afirmar que essas casas representem a forma primordial das habitações dos ilhavenses que se instalaram na Caparica, que reproduziriam naturalmente o sistema construtivo usado na sua terra de origem; na verdade, se os "barracos de palha" a que alude Pinho Leal, eram de junco, do tipo algarvio, elas serão apenas um estádio habitacional mais adiantado, que se teria então iniciado, após que as condições de vida dos seus moradores melhora ram, e os transportes em geral se tornaram mais fáceis.

Em todo o caso, essa nova forma, aqui na Caparica, teria vindo curiosamente ao encontro da mais velha tradição construtiva da região de origem dos seus primeiros povoadores (note-se porém que, aqui, eles não usaram a construção palafítica característica da sua terra de origem e dos outros povoados por eles criados, e que se justificaria pelas mesmas razões, cf. Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, op. cit. p. 96).
I); 

Costa da Caparica, Bairro dos Pescadores.
Arquivo Histórico da Marinha

Cerca de 9 km a Sul da Costa da Caparica encontra se a Fonte da Telha, "lugarejo de pescadores à beira mar", também "quase totalmente formado por estas primitivas barracas", que "servem de arrecadação, de abrigo de animais e ainda de habitação para o Homem" (Orlando Ribeiro, ap. Raquel Soeiro de Brito, op. cit. p. 23).

A Fonte da Telha surgiu, como povoação, por volta de 1900, e há poucos anos a esta data ainda viviam alguns dos homens que lhe deram começo. Pescadores da Caparica, esses homens deitavam por vezes ali as suas redes de arrasto para terra, e pernoitavam em covas que abriam na duna e sumàriamente abrigavam com estorno, que vergavam amarrando lhe as pontas em cima, de modo a formar como que uma pequena tenda.

A Fonte da Telha (Costa da Caparica, Praia do Sol), Cruz Louro, 1937.
Cruz Louro

Tomada a resolução de aí se instalarem com carácter permanente, eles ergueram barracas, que certamente reproduziram as da Caparica, em que até esse momento tinham vivido.

Em 1934, a povoação, a despeito da sua proximidade da Caparica, que então já evoluirá muito consideràvelmente, mantinha o seu carácter primitivo. Nos últimos anos, graças também à sua frequentação sempre crescente como praia de banhos, o aspecto da Fonte da Telha tem se modificado, e designadamente as barracas de estorno vão sendo ràpidamente substituídas por casas de tabuado ou de materiais duros, que se alinham em arruamentos regulares; mas delas subsistem ainda alguns exemplares.

A estrutura e pormenores de construção dos primitivos barracos da Costa da Caparica, que até aos princípios deste século constituíram, se não a totalidade, certamente uma grande parte, da povoação, já só poderá conhe cer se através dos exemplares ainda existentes da Fonte da Telha, que como dissemos, eram sem dúvida idênticos àqueles (em 1963, ver texto correspondente à nota 279, a descrição de Leite de Vasconcelos das coberturas de estorno das barracas de tabuado da Caparica).


Fonte da Telha, cabana (fig. 254).
Veiga de Oliveira, Galhano, Pereira, Construções primitivas em Portugal

Aqui, a estrutura das paredes consiste numa série de prumos espetados na areia – as muletas; os das paredes laterais são baixos, erguendo se acima do solo pouco mais de 1,50 m; e aos que suportam o pau de fileira (cume), a meio das empenas, chamam prumos de cabeceira.

Os barrotes da cobertura, lançados do frechal ao cume, ficam distantes uns dos outros cerca de 60 cm, e sobre eles pregam-se ou amarram se canas simples ou aos pares, a espaços de cerca de 15 cm. Nas paredes, a ripagem é semelhante, disposta mais espaçadamente.

O estorno do revestimento é cosido a ponto, e o cume leva uma fiada dis posta transversalmente, segura por duas canas, uma em cada vertente; sobre esta fiada dispõe se outra – a combreira – ao correr do cume, também amarrada para as varas. Interiormente as paredes são revestidas de tabuado, colocado horizontalmente (fig. 254).

Na Trafaria, temos indicação da existência – já antes de 1793 – de barracos semelhantes aos de outros pontos da nossa costa, e às "sanzalas ou palhotas" do Brasil e da África, "de palha brava e comprida" ou "folhas dos coqueiros, com paredes de fora de taipa" (Luís António de Oliveira Mendes, "Discurso académico ao Panorama", premiado na sessão pública de 12 de Maio de 1793, in "Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa", Tomo IV, Lisboa, 1812, agradecemos esta indicação ao investigador António Carreira).

Costumes portuguezes, um pescador na Trafaria.



(1) Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano, Benjamim Pereira, Construções primitivas em Portugal

Artigos relacionados:
Maria Ritta do Adrião: alojamento local (desde 1859)
Maria Rita do Adrião (1811-após 1903)
Casario
A Costa no século XIX
Não rebenta a vaga
etc.

Tema:
Urbanismo

Polémica sobre outras construções (palheiros, apoios de pesca, restaurantes de praia, residências de veraneio etc.):
Os palheiros da Costa, enquanto evidência da cultura dos pescadores da costa ocidental
Palheiros da Costa da Caparica: em defesa da cultura popular
Estudo de caracterização e avaliação do eventual valor cultural e patrimonial (histórico e arquitectónico) das construções de carácter precário, localizadas na área de intervenção do PP5...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Descida do Cabedelo

succedeo vir huns dos Saveiros sahindo da costa, que fica ao Sul da trafaria, a donde a dianados bosques, fabricou entre as margens do mesmo Tejo, e reconcavas daquellas penhas, huma celebre anceada, em que os ditos Saveiros vivem a mayor parte do anno aquartellados, em suas cabanas (...) (1)

Costa da Caparica, Descida (e Ponta) do Cabedelo, ed. desc., década de 1920.
Delcampe

Há 15 milhões de anos, deu-se a formação das rochas que constituem a arriba fóssil, sedimentos e fósseis de organismo marinhos, posteriormente a formação da camada superior, constituída por areias e cascalheiras de cor avermelhada. Nesta época a arriba era o limite do território, estava em contacto com a água (...)


Zee Caerte van Portugal Daer inne Begrepen de vermaerde Coopstadt van Lisbone (detail),
Lucas Janszoon Waghenaer, 1586.
Wildernis

A Ponta do Cabedelo, como o nome indica é uma “pequena elevação de areia, na foz de um rio, formada por acumulação de sedimentos fluviais e marinhos”, o que indica também que a Descida do Cabedelo foi outrora inundada por água (...)


El Atlas del Rey Planeta (detalhe), Pedro Teixeira, 1634
La descripción de España y de las costas y puertos de sus reinos

“Esta faixa litoral é preenchida exclusivamente por areias, pelo que até finais do século XlX a paisagem era dominada por dunas e juncais que ocupavam as zonas alagadas com água escorrente da arriba” (cf. Centro de Arqueologia de Almada, Actas do 1º Encontro sobre o Património de Almada e do Seixal, 2012)

Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa (detalhe), Francisco M. Pereira da Silva, 1857.
Biblioteca Nacional de Portugal

No entanto denota-se o aparecimento do Convento dos Capuchos (1558) no lugar chamado de Outeiro o que significa “Pequena eminência de terra firme, pequeno monte ou coluna”, no cimo da Arriba que “ (...) mais a ocidente, em lugar recatado e isolado, lhes permitia o sossego necessário ao seu modo de vida.”, e no lugar da Descida do Cabedelo, próximo do Convento, é possível verificar uma linha de água bem demarcada que escorre da Arriba.

Arriba fóssil e Convento dos Capuchos, 1952.
Arquivo Municipal de Lisboa

A Descida do Cabedelo aparece como um rasgo na arriba fóssil, sem vestígios aparentes de água, no entanto quase todo o lugar tem a indicação de poços de água (...)

Costa da Caparica,  ed. Passaporte, 7, década de 1950.
Delcampe

Atualmente já é visível a estrada do Miradouro dos Capuchos que parte do Largo existente, em frente ao Convento dos Capuchos, já construída e que culmina num miradouro construído em cima do local onde foram encontrados vestígios arqueológicos, e que olha sobre a Costa da Caparica e Lisboa.

Costa da Caparica, vista tomada do Alto do Robalo, ed. desc.

Perpendicularmente a esta estrada, um caminho que tem como destino o lugar de um rádio-farol, tornando a Ponta do Cabedelo um lugar apenas de contemplação e manutenção de um rádio-farol existente. (2)


(1) Francisco Guevarz, Nova relação da batalha naval, que tiveram os algaravios com os saveiros nos mares, que confinão com o celebrado paiz da Trafaria, Catalumna, 1750)
(2) Mariana Ferreira Raposo, Entre o Mar e a Terra - Costa da Caparica
Paisagem de Transição: Percurso pedonal entre a Costa da Caparica e o Alto dos Capuchos, 2021


Artigos relacionados:
Arriba Fóssil
Costa do Mar
Mar da Calha
Terras da Costa
Cronologia do Convento dos Capuchos (Caparica)



Como de costume o objecto que se descreve neste apontamento já quase não existe. Creio que do cabedelo aqui referido, que atravessava o juncal misturando-se com a duna,  e do qual restou o escarpado, formaria ainda por 1750 uma enseada no mar... contra o mito que conta que o areal da Costa foi depositado pelo terramoto de 1755 e que antes deste não existiria, como há 15 milhões de anos.

Plano geral que representa a Costa do Mar entre Trafaria e Cabo Espichel (detalhe) de Jacob Crisóstomo Pretorius, datado de 22 de Abril de 1789.
Arquivo Histórico Militar, 3/47/AH-2/6 – nº 18468


Não são poucas as teses, relatórios e artigos que recorrem às anotações e imagens que, com origem em trabalhos precedentes de diversos autores, nestas referências ao longo do tempo venho reunindo e categorizando:

Mar de Caparica
Almada virtual
Eventualmente Lisboa e o Tejo

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Anjinhos da Costa

Perguntei, porque é que eles só tinham cabeça?

Pedestal da imagem da Nossa Senhora do Rosário colocada em nicho no Largo da Coroa.
Mar da Costa/Mar de Caparica


A minha mãe em tom de fim de conversa, para obviar a minha insistência, respondeu: — São anjinhos, e os anjinhos não têm corpo! — Então se não têm corpo, como é que têm cabeça? Mas a conversa ficou por ali, não fossem aqueles anjos decapitados, de olhar melado e triste, aparecer-me à noite durante o sono animados com expressões mais aterradoras, querendo vingar-se.

Com o passar do tempo apercebi-me que os anjinhos são mais de tropelias que malvados. Na única fotografia que consegui apenas eles ficaram focados. A Nossa Senhora do Rosário aparece por detrás do reflexo da vista que se lhe encontra devante.

Nossa Senhora do Rosário em nicho no Largo da Coroa.
Mar da Costa/Mar de Caparica

A Coroa do Largo, essa, fizeram-na desaparecer há muito...

Costa da Caparica, casa da coroa.
almaDalmada

Raul Higgs refere no livro, A nossa Costa, Nossa Senhora Conceição do Rosário padroeira da freguesia da Costa da Caparica, mas a imagem do largo da Coroa não lhe corresponde. A Senhora da Conceição não é representada o menino ao colo.

O padre Baltasar pregando à multidão na praia da Costa da Caparica, 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Tanto na Costa como no Monte, a evocação da Senhora do Rosário foi progressivamente sendo ocupada pela da Senhora da Conceição, creio que no caso da Costa mais acentuadamente após a abertura da maternidade na Casa dos Pescadores, sendo que no Monte a transição foi ainda mais precoce (v. O inimigo). Creio que os anjinhos estiveram envolvidos.


oooOooo

Sobre a devoção da Senhora do Rosário da Costa há duas versões. António Correia regista que em 1863, na segunda quinzena de Setembro, os pescadores da companha do mestre Reguinga, depois de uma virada, foram salvos pelos pescadores da companha do mestre Vitorino José da Silva, depois de invocarem a dita Sra., passando estes mestres a fazer uma festa grande om dinheiro angariado na Ribeira Nova e nas lotas da praia, continuada pelos seus sucessores (cf. Praia do Sol, 1 de março de1955).

Já Manuel Lourenço Soares regista que o naufrágio do mestre Manuel Reguinga foi em 1 de Julho de 1824, passando as festas a realizarem-se em Setembro até 1929 e depois retomadas por mais alguns anos depois de 1937 (cf. Jornal de Almada, 10 de setembro de 1993).

Certo é que já em 1888 eram celebradas (cf. AHPL, SR 13.05: E144, rnçt 1888, 2 de novembro de 1888).

A origem desta devoção poderá estar relacionada Com a presença dos Missionários Dorninicanos Inglesinhos do Pe. Higgs (Hughes) na Costa, onde dirigiam o Colégio do Menino Jesus da Praia, também conhecido pelo Conventinho, fundado pelo mesmo padre em1870 (cf. Vieira Júnior, Villa e termo de Almada..., l897, p. 108). (1)


(1) Rui Manuel Mesquita Mendes, Fenómenos de Religiosidade Popular na Caparica dos Séculos XVIII e XIX, 2013

Artigos relacionados:
A procissão
O inimigo

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Leões na Costa

A nossa Costa de Caparica até parece a Costa... d'África! Está infestada de "leões"! Mas o que nos salva é que estas "feras" só são feras nos estádios desportivos e com uma bola nos pés. A nossa praia está fornecendo forças a uma grande quantidade de jogadores de futebol que a escolhem certos de encontrar o que tanto necessitam para retemperar o organismo de pau perado por urna época desportiva fatigante.

"Os Leões" na praia da Costa, Gonçalves, Travassos, Passos e Juca do Sporting Clube de Portugal. Ilustração de Natalino Melquíades.
Jornal Praia do Sol, 1 de agosto de 1956

Entre tantos destacamos hoje os jogadores leoninos que estão passando as suas férias na Costa. Passos, Gonçalves, Juca, e Travassos, internacionais conhecidos que trocaram Alvalade pelo areal da Praia da Costa que, não desfazendo, é também internacional... e muitíssimo conhecida!

Costa da Caparica, jogadores de Futebol Travassos e Juca do Sporting Clube de Portugal.
Delcampe Bosspostcard


Na próxima época, se o Sporting ganhar o campeonato, não será para admirar. Os jogadores estiveram na Costa de Caparica.

Onilatan (1)


(1) Jornal Praia do Sol, 1 de agosto de 1956