Perguntei, porque é que eles só tinham cabeça?
A minha mãe em tom de fim de conversa, para obviar a minha insistência, respondeu: — São anjinhos, e os anjinhos não têm corpo! — Então se não têm corpo, como é que têm cabeça? Mas a conversa ficou por ali, não fossem aqueles anjos decapitados, de olhar melado e triste, aparecer-me à noite durante o sono animados com expressões mais aterradoras, querendo vingar-se.
Com o passar do tempo apercebi-me que os anjinhos são mais de tropelias que malvados. Na única fotografia que consegui apenas eles ficaram focados. A Nossa Senhora do Rosário aparece por detrás do reflexo da vista que se lhe encontra devante.
A Coroa do Largo, essa, fizeram-na desaparecer há muito...
Raul Higgs refere no livro, A nossa Costa, Nossa Senhora Conceição do
Rosário padroeira da freguesia da Costa da Caparica, mas a imagem do
largo da Coroa não lhe corresponde. A Senhora da Conceição não é
representada o menino ao colo.
Tanto na Costa como no Monte, a evocação da Senhora do Rosário foi
progressivamente sendo ocupada pela da Senhora da Conceição, creio que no caso
da Costa mais acentuadamente após a abertura da maternidade na Casa dos
Pescadores, sendo que no Monte a transição foi ainda mais precoce (v.
O inimigo). Creio que os anjinhos estiveram envolvidos.
Sobre a devoção da Senhora do Rosário da Costa há duas versões. António Correia regista que em 1863, na segunda quinzena de Setembro, os pescadores da companha do mestre Reguinga, depois de uma virada, foram salvos pelos pescadores da companha do mestre Vitorino José da Silva, depois de invocarem a dita Sra., passando estes mestres a fazer uma festa grande om dinheiro angariado na Ribeira Nova e nas lotas da praia, continuada pelos seus sucessores (cf. Praia do Sol, 1 de março de1955). Já Manuel Lourenço Soares regista que o naufrágio do mestre Manuel Reguinga foi em 1 de Julho de 1824, passando as festas a realizarem-se em Setembro até 1929 e depois retomadas por mais alguns anos depois de 1937 (cf. Jornal de Almada, 10 de setembro de 1993). Certo é que já em 1888 eram celebradas (cf. AHPL, SR 13.05: E144, rnçt 1888, 2 de novembro de 1888).
A origem desta devoção poderá estar relacionada Com a presença dos Missionários Dorninicanos Inglesinhos do Pe. Higgs (Hughes) na Costa, onde dirigiam o Colégio do Menino Jesus da Praia, também conhecido pelo Conventinho, fundado pelo mesmo padre em1870 (cf. Vieira Júnior, Villa e termo de Almada..., l897, p. 108). (1)
(1)
Rui Manuel Mesquita Mendes, Fenómenos de Religiosidade Popular na Caparica dos Séculos XVIII e XIX, 2013
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