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terça-feira, 1 de novembro de 2022

Alegria no trabalho

Suprimindo todas as instituições privadas e públicas – provenientes da República de Weimar – responsáveis pelos interesses trabalhistas como sindicatos e instituições recreativas, o Estado numa atitude totalitária, e visando anular as lutas de classe, criou em maio de 1933 a Frente Alemã para o Trabalho - Deutsche Arbeitsfront (DAF). Presidida por Robert Ley, a DAF tornou-se no principal mediador entre entidades patronais e empregados, acabando por fundar em novembro do mesmo ano a Kraft durch Freude (KdF), uma organização recreativa (...)

Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
Costa da Caparica, aspecto do almoço dos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais, 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Numa ação propagandística e pretendendo regulamentar os tempos livres dos trabalhadores, a Obra sindical Alégria y Descanso facultou aos seus associados átimos de educação cultural e artística, viagens e excursões, formação militante e atividades desportivas, sofrendo influência direta das bases práticas e teóricas das suas congéneres – italiana, alemã e portuguesa. Importa mencionar que, antes da sua consolidação em 1940, a direção da Obra sindical se reuniu várias vezes com os quadros administrativos da OND, da FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho), da KdF, entre 1936 e 1938, para discutir e apreender os seus moldes teóricos e formas de atuação (...)

Costa da Caparica, encontro Jacista (Juventude Agrária Cristã), 1938.
Delcampe Bosspostcard

Similarmente ao modus operandi dos restantes regimes fascistas Europeus, o Estado Novo concebeu, a partir de 1933 várias organizações corporativas, paramilitares, opressivas, propagandísticas e recreativas que o coadjuvaram no projeto de centralização de poder e no controlo integral dos vários domínios da vida pública e privada, tendo em vista a construção de um novo «Homem Português» (...)

Costa da Caparica, Jardim da F.N.A.T., ed. Passaporte n° 46.
Delcampe

Instituído no ano de 1933, o Secretariado De Propaganda Nacional (SPN), sob a orientação de António Ferro, tornou-se responsável pela conceção e promoção de uma política cultural popular que, enquanto conduzia os portugueses para os princípios sociais e políticas do Estado, o dotava de uma irrepreensível imagem tradicional de Bom-Gosto. (1)

Bandeira da Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
BestNet Leilões

"A organização corporativa da Nação não deve limitar os seus objetivos ao campo das preocupações de ordem meramente material. Por muito graves e instantes que sejam as solicitações de alguns problemas económicos do momento presente, há que alargar os horizontes do nosso esforço.

Sem um intenso movimento de espiritualização da vida e sem um forte apelo aos valores morais, a obra do Estado Novo poderia renovar materialmente a face da terra portuguesa, mas não seria conseguida a sua vitória mais alta: a transformação profunda da nossa mentalidade, o revigoramento de todos os laços e de todos os sentimentos que mantém a comunidade nacional e a perpetuam através dos tempos. (...)

É preciso estimular o ambiente de puro idealismo em que tais instituições se criaram, manter acesa a chama do entusiasmo e da confiança que o pensamento social do Estado Novo Corporativo fez reacender na consciência das massas trabalhadoras"  (2)


Em 1939, e mesmo antes de se converter em Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI) no ano de 1944, o SPN acumulou novas funções e passou a ter sob a sua alçada a incumbência de estimular e regulamentar a prática turística (...)

Costa da Caparica, fotografia de Pais Ramos,
Panorama revista portuguesa de arte e turismo n° 10, agosto de 1942.
Hemeretoca Digital


Considerando a classe operária como um grupo sensível à criação de associativismos e movimentos de contestação social, o Estado Novo, arvorando a missão de pedagogo nacional, promoveu, adstrito à ação da FNAT, a criação de várias colónias de férias dedicadas aos “trabalhadores inscritos nos sindicatos Nacionais e nas Casas do Povo e as suas famílias”, entre 1935 e 1974.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Pavilhão central, ed. desc. (Neogravura).
Delcampe


Dependendo das débeis condições da Fundação e dos apoios estatais e, inicialmente, restrito à obra desenvolvida na Mata da Caparica, o projeto das colónias de férias nacionais para trabalhadores avançou, durante vinte anos, a título experimental, não existindo condições para identificar, no período em questão, num programa base a si destinado.

Costa da Caparica, Entrada principal para a FNAT, ed. Passaporte, 88, década de 1960.
Delcampe

De facto, apesar de existir empenho por parte do regime e da organização “em melhorar as condições de vida do trabalhador” consagrando “especial atenção à necessidade de assegurar a sua recuperação física”, as fragilidades que a FNAT enfrentou, ao longo dos seus primeiros anos de instituição, não permitiram gerar o equilíbrio necessário para a ampliação desejada da obra «Um Lugar ao Sol».

Apartada da “«cidade de férias» de Cassiano Branco, que se adivinhava veloz e vibrante ao ritmo d’a idade do Jazz-band”, a primeira colónia de férias nacional estruturou-se como uma verdadeira urbanização, de vertente familiar e educativa, adaptando-se ao espaço envolvente em composições de «roupagem» moderna.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Vista aérea, ed. Neogravura.
Delcampe Bosspostcard

“A partir de 1950, atingiu-se o equilíbrio num nível de receitas e de despesas de ordem dos 2,600 contos”, que, conquanto longe de ser o desejável ou “significar desafogo”, permitiu, associado ao terceiro estatuto da Fundação, expandir o projeto das colónias de férias.

Não detendo mais a gestão das colónias balneares infantis e tendo como base a obra de «Um Lugar ao Sol», a FNAT desenvolveu um plano de readaptação dos seus edifícios, anteriormente destinados às crianças, para o público adulto.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Trecho duma avenida, ed. Neogravura.
Delcampe Bossposcard

Enfatizando “as feições de uma obra que Salazar desejava simples, despretensiosa, agradável, higiénica e confortável”, o plano de readaptações, contando com “uma forte carga pedagógica na elevação cultural moral e cívica dos trabalhadores”, dotou os seus edifícios, repetidamente descritos na documentação como «pitorescos» e «com pendor tradicional», de dormitórios destinados a solteiros, quartos familiares, salas de jantar, salas de convívio, bar, casas-de-banho, capela, garagem e áreas funcionais que albergaram cozinhas, despensas e compartimentos destinados a funcionários (...) (3)


(1) Joana Castanheira Gabriel, Arquitetura social da FNAT (1938-1974)..., 2019
(2) Decreto-lei n.º 25 495, 13 de junho de 1935. Diário do Governo n.º 134 - I Série. Presidência do Conselho. Lisboa, p. 857.
(3) Joana Castanheira Gabriel, idem

Artigos relacionados:
Um lugar ao sol
Sobre o projecto de Cassiano Branco
Indevidamente chamada de Caparica
Mata do Estado e Quinta de Santo António

Leitura relacionada:
Panorama revista portuguesa de arte e turismo n° 10, agosto de 1942

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

A lombriga...

No verão de 1952, a Piedense faz ensaios com os seus novos comboios automóveis, que o povo irá em breve apelidar de "os carrinhos".  São dois tractores Ferguson que rebocavam carruagens de 16 lugares, abertas de lado, e que irão estabelecer três circuitos urbanos dentro da Costa de Caparica. (1)

Costa da Caparica, Caminhos da Praia, ed. Passaporte, 12, década de 1950.

Na imagem, anterior a 1975, vemos esse comboio com as cores da "Transul", empresa de transportes constituída em 1 de Janeiro de 1968 pela fusão da "Transportes Beira-Rio" de Rodrigo Zagalo e Melo (falecido a 10 de Agosto de 2012 com 87 anos) com sede na Cova da Piedade e a "Empresa de Camionetes Piedense", de José Sousa Silva e Fernando Sobral, com sede na Trafaria.

Costa da Caparica, ed. Centro de Caridade N. Sra. do Perpétuo Socorro, década de 1970.
Delcampe

Este comboio funcionava anteriormente à fusão, com as cores da "Piedense" - cinza prata e azul - a concessionária dos transportes públicos rodoviários no concelho de Almada para a Costa da Caparica - "Praia do Sol". (2)

Costa da Caparica, Largo Comandante Sá Linhares, ed. Passaporte, 08, década de 1950.
Delcampe


Pelo menos até finais dos anos 70 o comboio ou como também se chamava, a lagarta, fazia o vai-vem entre o centro da Costa e o "Ninho" localizado na zona de pinhal em Santo António da Caparica, e tinha várias paragens pelo caminho.

Costa da Caparica, Bar Valverde na Mata, ed. Passaporte, 26, década de 1950.

O "Ninho" (ainda hoje assim lá está assinalado), era um local de lazer muito procurado no Verão pelos veraneantes por ser sombreiro de dia e fresco nas noites cálidas de Verão.

Costa da Caparica, Esplanada da Pensão Sto. António, foto António Passaporte, década de 1960.
Delcampe


A última viagem ocorria do "Ninho" para a Costa às 00h25. Nos anos 60, o bilhete custava 2$50. (3)


(1) José Luís Covita, Memórias de Um Século de Autocarros - A Sul do Tejo, Lisboa, Scribe, 2012
(2) almaDalmada
(3) Idem (Luis Filipe Veiga)

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Um domingo na Praia

Adiante da Trafaria
Para lá da mata fica
— rindo ao sol que alegra o dia —
a Costa da Caparica.

Costa da Caparica, Vista parcial da Praia, ed. Passaporte, 19.
Imagem: Delcampe

Toma-se o barco em Belem
ou no Terreiro do Paço
e o trajecto faz-se bem,
sem delongas nem cansaço.

Trafaria, o e mbarcadouro, Mário Novais, década de 1940.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Aos domingos, no entretanto,
é quase tôla aventura...
perde metade do encanto;
torna-se numa tortura.

Trafaria, o e mbarcadouro, Mário Novais, década de 1940.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Só visto, aquilo!... Porém,
O sol trespassa os telhados;
Lisboa não se contém,
e os barcos vão apinhados! [...]


Trafaria, vista parcial, Mário Novais, década de 1940.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Mas um dia... dura um dia!
E assim que o dia falece,
Na estrada da Trafaria,
a barafunda ensurdece!

Trafaria, paragem de autocarros, Mário Novais, década de 1940.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Todo o anseio se resume
em topar qualquer transporte
e paira um vago perfume 
das romarias do norte

Costa da Caparica, Um aspecto da praia à hora do banho, ed.Passaporte, 17.
Imagem: Delcampe

o o O o o

Costa da Caparica, Um aspecto da praia à hora do banho, ed.Passaporte, 16.
Imagem: Delcampe

no trânsito buliçoso 
e nos que vão a cantar,
para não ser tão penoso
o caminho a palmilhar...

Trafaria, ponte de embarque, c. 1960.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

A travessia do Tejo
torna-se longa... Começa
a sentir um só desejo:
— Chegar a casa depressa!

Cais de embarque da Trafaria, década de 1960.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

E Lisboa nem parece
Lisboa, triste, cansada,
quando por fim adormece
já quase de madrugada... (1)


(1) Silva Tavares, Um domingo na Praia, Calendário de Lisboa, Lisboa, Livraria Popular de Francisco Franco, 1948

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Plano de Urbanização da Costa da Caparica

Integrado no Plano Geral de Urbanização do Concelho de Almada, de cuja elaboração foram encarregados os arquitectos urbanistas de Gröer e Faria da Costa, estudou este último o arranjo urbanístico do agrupamento Costa da Caparíca-Trafaria-Cova do Vapor, que, embora de características distintas, ficarão articuladas entre si e constituirão um todo que se completa.

Planta de Conjunto do Plano de Urbanização da Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: FCG Biblioteca de Arte

O trabalho do arquitecto Faria da Costa é um estudo sério da urbanização daquela zona, em que se consideram todos os aspectos do problema. Começou o autor por examinar as características das populações de cada uma daquelas povoações, a fim de poder determinar as suas necessidades.

Verificado o facto de que, na Trafaria, predomina a população fixa ao passo que na Costa da Caparíca e na Cova do Vapor é a população flutuante de fim da semana que tem maior importância, logo seguida pela população flutuante estival, que na Costa sobe a 70% o e na Cova do Vapor anda por 250%, o arquitecto faz uma série de considerações sobre cada um daqueles núcleos urbanos.

Costa da Caparica, familia na praia e pescador.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

Quanto à Cova do Vapor, acentuando que a sua existência não assenta noutras razões que não sejam uma espécie de moda — a do camping — sugere que não se vá mais além do que criar um acesso cómodo, que ficará assegurado com o estabelecimento da rede de grandes artérias propostas para a região, um abas-tecimento de água potável reduzido à sua expressão mais simples — a de um curto número de fontanários — e uma cabine telefónica.

No que se refere à Trafaria, tem-se em atenção que é apenas o ponto de passagem para a Costa da Caparica e que só uma reorganização completa da vida da povoação, pela sua articulação com aquela praia, poderia animar. A realização de uma obra de abrigo dará, por sua vez, novas condições à população da Trafaria, que poderá vir a ser um centro de trabalho activo.

Trafaria, Aspecto da Praia e bicha para as Camionetas da Caparica, ed. Passaporte, 06.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

Faria da Costa considera, no seu estudo, a Trafaria como uma zona de habitação operária e artesanal, onde a população flutuante, praticamente, não conta, ao passo que a Costa da Caparíca, embora integrada no mesmo todo, será, principalmente, uma zona de habitação e recreio da população flutuante, cabendo-lhe também a sua população fixa.

Computando em 25.000 o número ideal de habitantes para um aglomerado com as características do núcleo constituído pelas duas povoações, salienta que uma tal população, dado o nível económico— predomínio de veraneantes — dará já vida a toda e qualquer iniciativa privada de interesse geral, permitindo, por isso, as condições de auto-abastecimento que se traduzem na comodidade e conforto que os pequenos aglomerados de baixo nível económico não podem ter.

Trafaria, Bairro dos pobres, Comissão Municipal de Turismo, ed. Neogravura.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

Por outro lado, uma população de 25.000 habitantes daquele nível, com uma fraca densidade, reune as vantagens dos grandes centros, já possível e completo apetrechamento urbano, sem os inconvenientes das densas e fatigantes capitais.

Depois de analisar a conveniente distribuição populacional na Costa da Caparíca e na Trafaria, o autor explica que o problema da primeira consiste em alojar 10.831 habitantes, dos quais 3.250 de população fixa e 7.500 de população flutuante.

A população fixa distribuir-se-á pelos bairros piscatórios, pelas casas de habitação colectiva das zonas comerciais e, ainda, pelas moradias da classe média e abastada.

A população flutuante ficará distribuída pelas novas moradias, pelos blocos sobre a avenida marginal, pela extensão linear prevista e pelos hoteis, pensões, colónias de férias, etc., que o plano de urbanização prevê.

Um exemplo de desordem urbana

Entrando, em seguida, própriamente no estudo do problema da urbanização da Costa da Caparica, o arquitecto Faria da Costa afirma que se trata do exemplo mais frizante da desordem urbana do nosso país.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

"Este caso diz — pode considerar-se um fenómeno típico dos aglomerados cujo desenvolvimento se fez ràpidamente, sem plano pré-estabelecido, agravado pela falta de controle por parte do município e por uma ausência absoluta de espírito colectivo que levam ao abandono dos deveres de cada um para com a sociedade de que faz parte."

"Na Costa da Caparíca tudo se esqueceu, desde a mais elementar regra de construção à mais simplória medida de higiene, tudo se autorizando, com desprezo completo das disposições do Código Administrativo."

Faz o autor notar que, se ao Município cabem responsabilidades graves, elas não são menores para os seus munícipes, isto porque considera que a função de um município não é mais do que a de coordenar a iniciativa e o trabalho de toda população de um aglomerado em que cabe a esta o dever de defender aquilo que é seu património.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Enumerando, depois, as deficiencías da povoação, começa por dizer que não existe rede de esgotos de qualquer natureza. O sistema geralmente adoptado é o do poço negro, aberto nas areias, alcançando o nível aquífero que, em grandes zonas, se encontra, apenas, a 1m50 abaixo da surerfície do terreno, inquinando-se com criminoso despreso pela saúde pública.

Tambem não existe colecta de lixos, os quais são despejados em buracos abertos nas areias, que so se tapam quando cheios. Falta, igualmente, uma rede de abastecimento de águas.

Este é feito por meio de buracos cómodamente abertos nas areias, junto dos esgotos, resultando, como é óbvio, águas de forte inquinação. Os arruamentos são caóticos, sem pavimentos capazes, na sua maioria. No que diz respeito à utilização dos terrenos, encontra-se, vulgarmente, uma percentagem de utilização à volta de 70, 80 e 90%.

A distância a manter do terreno do vizinho, no caso de haver janelas, chega a ter menos de 50 centímetros. A ânsia do negócio do arrendamento no Verão e a grande procura de alojamento por aqueles que necessitam de retemperar um pouco a saúde, levou certos proprietários a improvisar as habitações mais inverosímeis e em condições de higiene e promiscuidade inacreditáveis.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Os prédios, qualquer que seja o número dos seus andares, são construídos com blocos de betão do tipo 40x20x20 aplicados de forma a dar o maior rendimento.

Em conclusão, o arquitecto salienta que, se é certo que o Município não exigiu dos munícipes o cumprimento das mais elementares regras de higiene nem defendeu a colectividade de uma especulação desenfreada de mela duzia de negociantes de terrenos, não deixa também de ser verdade que não tem havido a mais leve reacção dos que vão para a Costa da Caparica, dos quais fazem parte, na época estival, nomes de primeiro plano em todas as camadas sociais.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Só à existência de excepcionais factores climáticos, o autor atribuí a facilidade com que a população da Costa da Caparica, resiste aos efeitos das péssimas condições que oferecia a povoação.

A concepção do projecto

Ao expor a concepção do seu projecto, Faria da Costa começa por afirmar que um plano de urbanização deve, funda-mentalmente, determinar os limites definitivos do aglomerado e prever, para essas dimensões, todo o seu apetrechamento urbano.

Ao pretender resolver o problema da urbanização da Costa da Caparica, em função deste critério, admitiu, por isso, que, uma vez atingidos os limites pre-vistos, o excedente da população irá ocupar aglomerados satélites que se estenderão ao longo da praia, para sul.

Assim, no tempo, o imenso areal da Costa da Caparica será povoado por distintos núcleos urbanos. Como é natural, é o aglomerado existente aquele que, completo, constituirá o primeiro e mais importante núcleo urbano.

Tendo sempre presente um verdadeiro sentido das realidades, o arquitecto estudou o seu plano de forma a não fazer depender de expropriações das propriedades urbanas existentes qualquer dos problemas que se propôs resolver.

Deste modo, qualquer parcela do plano pode realizar-se com inteira independência do existente, deixando-se ao tempo o reajustamento sempre necessário quando se projecta novo sobre velho e, com mais forte razão, quando esse velho é aquilo que se vê na Costa da Caparica.

A análise do Plano de Urbanização da Costa da Caparica mostra que, se juntarmos aos 225 hectares urbanizados, os espaços livres que teríamos de considerar e representariam uma área aproximada de 40 hectares, ou seja, um total de 265 hectares, a densidade média para tecla a povoação seria de 60 habitantes por hectare.

Por outro lado, vemos também que os bairros operaríos previstos, cuja capacidade é de cerca de 2.000 habitantes, ocupam uma area de 15,5 hectares. Por seu turno, as novas moradias destinadas às classes médias e abastadas alcançam o número de 650.

Tomando em conta estes elementos, as areas medidas nas plantas e as populações atrás previstas, constrói o arquitecto o seguinte quadro, que traduz as diferentes densidades de habitantes por hectare nas várias zonas que constituem a futura Costa da Caparica:

Zona operária 15,5
hect.
125
h ha.
Zona de habitação colectiva 24,0
"
200
"
Zona de moradias 78,0
"
60
"
Zona central existente 14,0
"
130
"
Extensão linear 25,0
"
60
"
Extensão satélite 25,0
"
60
"

O aglomerado actual, designado Costa da Caparica, é constituido por três grupos distintos de habitações ligeiramente separados.

O primeiro é constituído pela velha povoação de pescadores. O segundo é o da Quinta de Santo António e o terceiro é formado pelo Bairro do Convento.

Costa da Caparica, uma moradia no Bairro do Convento.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

Estes dois últimos, apesar de recentes, revelam uma absoluta falta de consciência na sua disposição e aproveitamento.

Em função destes três agrupamentos, o arquitecto Faria da Costa traçou a clássica "croisée" Norte-Sul-Nascente-Poente.

A primeira é constituída pela estrada da Trafaria, ampliada no seu perfil, com mais uma faixa de rolagem e alargada nos seus passeios (fig. 3).

Plano de Urbanização da Costa da Caparica (fig. 3), 1946.
Imagem: Arquitectura, março de 1947

A segunda é formada por um desvio da estrada de Cacílhas, que vem cruzar-se com a primeira e o seu prolongamento para poente constitui o principal acesso à praia.

É no cruzamento destas duas artérias que o autor projectou o novo bairro comercial.



Todas as restantes artérias têm apenas unia função de circulação local. Admite, no entanto, como excepções, a avenida marginal, de características especiais, junto da qual ficarão localizados edifícios de interesse público, tais como, casino, restaurantes, hoteis, piscina, etc., e os acessos do aglomerado à mata e à praia, feitos, no geral, por arruamentos de tipo de alamedas arborizadas.

Foi tendo presente a existência da Mata Nacional que o arquitecto desenvolveu parte do aglomerado ao longo dela, com a vantagem não só da sua máxima como também do encurtamento da distância que o separa de Lisboa, o que implicitamente estabelece uma mais ampla conjugação da Costa da Caparíca com a Trafaria.

No topo da artéria Norte-Sul, fica localizada a gare rodoviária, com a dupla finalidade de evitar a tendência natural para a prolongar indefenidamente e de fixar nesta zona a população de domingo, para o que contribuirá ainda a concentração nesta zona de restaurantes a preços populares e de cabines para banhos a preços acessíveis.

Como a zona terrestre imediata pertence ao Estado e as condições do solo são idênticas ás da actual Mata Nacional, é de preconizar a arborização do local.

Nesta mesma zona fixou o arquitecto o bairro dos pescadores e os seus acessos ao mar, bem como, localizados mais a Sudeste, o bairro operário e a zona artesanal Estes dois bairros ficarão assim separados do restante aglomerado pelo núcleo desportivo, situado na melhor posição.

Prevê ainda o plano diferentes grupos escolares, um núcleo comercial, além do actual, no Bairro de Santo António e outro na Praça da Gare Rodoviária. Propõe-se também a deslocação do cemitério para fora do núcleo urbano.

Quinta de Santo Antonio e Costa de Caparica (detalhe), ed. desc.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

Partindo da existência de um amplo terreno, com esplendida localização do lado do oceano e, tendo ainda em conta que a praia é constituída por um extenso areal, que torna incómodo o acesso ao mar, o autor projectou uma nova zona habitacional ao longo da avenida marginal, reduzindo a faixa da praia a pouco mais de 100 metros.

Nessa nova zona coloca uma série de blocos de habitações colectivas, do tipo de apartamentos, com poucas divisões, donde uma grande percentagem da população pode gozar a vista do mar, o que hoje não acontece com grande parte do aglomerado urbano, escondido a cota baixa, por detrás das dunas. Estes blocos, que disporiam de garagens colectivas, ficariam perpendiculares à avenida marginal, para terem melhor orientação e evitar uma autêntica muralha que separaria toda a povoação da praia.

Do lado da avenida, seriam os blocos limitados por uma galeria de um só piso, para utilização comercial. Admitindo que estes blocos atinjam a altura de 7 pisos, o arquitecto concebeu-os como verdadeiros hoteis, sem pensão, o que representa uma inovação no nosso meio, perfeitamente de acordo com as características do progresso da vida moderna.

Valorizando a praia, pelo encurtamento da incómoda faixa de areia e pela construção de balneários, duches, cabines e piscinas, o autor do projecto considera também a mata, verdadeiro complemento urbano que muito contribui para essa valorização.

Tirando o melhor partido desse belo elemento natural, o arquitecto considera igualmente a existência de um futuro apetrechamento urbano que transforme a mata num confortável centro de diversões, quer com pequenos campos de jogos, quer com os mais variados pavilhões de chá, restaurantes, etc., construídos em regime de concessão temporária, pois em caso algum é de admitir a alienação deste bem público.

Os acessos e a circulação

A Costa da Caparica ficará ligada por via ordinária a três pontos da margem esquerda do Tejo Cacilhas, Trafaria e Cova do Vapor onde acedem as carreiras fluviais vindas da capital. As obras projectadas pela Administração Geral do Porto de Lisboa para Cacílhas e Trafaría — docas de abrigo — e os melhoramentos a introduzir na ponte-cais da Cova do Vapor resolverão o actual grave problema de acostagens nestes três pontos, o que em muito virá aumentar a atracção que a Costa da Caparíca exerce sobre a população de Lisboa.

O arquitecto apresenta um esquema das grandes artérias, (fig. 2) em que indica as estradas existentes, as melhoradas e as que se projecta e que virão a permitir á população desembarcada uma fácil circulação em toda a região.

Plano de Urbanização do Concelho de Almada  (fig. 2),
Esquema da grandes artérias, 1946.
Imagem: Arquitectura, março de 1947

A circulação principal é constituída por um sistema de grandes artérias que, servindo a região e a Costa da Caparica, lhe asseguram uma ligação fácil á capi-tal. A rêde da circulação principal é formada pelas seguintes artérias:

1.° — Marginal Sul do Tejo, de Cacilhas à Trafaria — Estrada Nacional n.° 11 do Plano Rodoviário — prolongada até à Cova do Vapor.

2.° — Prolongamento do troço Norte-Sul da Estrada da Trafaría — Estrada Nacional n.° 377-1.° — para ambos os lados, até encontrar, a Norte, a Marginal Sul do Tejo e, a Sul, a projectada Praça da Gare Rodoviária.

3.° Via Nascente-Poente, que, partindo da Estrada Cacilhas-Costa da Caparíca na altura do cemitério dessa última povoação, cruza perpendicularmente a via Norte-Sul.

Costa da Caparica, Praia do Sol, Vista Parcial, ed. desc.
Imagem: Delcampe

4.° — Marginal Atlântica, que, partindo da Cova do Vapor, segue para Sul, ao longo da praia e entesta com a via Nascente-Poente.

O prolongamento para Sul desta Marginal Atlântica forma a grande Alameda Marginal, que, inflectindo para Nascente, se liga na Praça da Gare Rodoviária k via Norte-Sul.

Costa da Caparica, Alameda de Santo António, ed. Passaporte, 25, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

Além destas artérias, que servirão a Costa da Caparica, prevê-se na região uma via de acesso á Lagoa de Albufeira. Desta via partirão os ramais que servirão os futuros aglomerados satélites.

Plano de Urbanização da Costa da Caparica (fig. 4), 1946.
Imagem: Arquitectura, março de 1947

Todas estas artérias têm perfis transversais tipos de características especiais, adequados às funções que desempenham e às zonas que atravessam. Nelas as, faixas de rolagem e os passeios variam consoante as necessidades particulares ai cada um dos seus troços (figs. 3, 4 e 5).

Plano de Urbanização da Costa da Caparica (fig. 4), 1946.
Imagem: Arquitectura, março de 1947

No que respeita á circulação interior, que o arquitecto considera, práticamente, no seu todo, subsidiária do sistema de grande circulação que atrás se descreve, a solução é mais económica, pois destinando-se quáse apenas a servir o tráfego, local, as larguras das faixas de rolagem podem ser menores.

Espaços livres

À Mata Nacional, só por si, garante não só uma boa utilização do espaço livre, como faz descer a percentagem de habitante-hectare, muito abaixo daquele que se reputa óptimo.

Todavia, por se tratar de um aglomerado de características próprias, onde a vida ao ar livre é fundamental, foram criadas alamedas, passeios e jardins de bairros, numa distribuição de espaços livres que evitam grandes deslocamentos.

Numa simples vista sobre o Plano das zonas (fig. 6) verifica-se quanto a percentagem e distribuição dos espaços livres são boas, pelo que o arquitecto entende desnecessária qualquer operação de verificação de percentagens, pois ela ultrapassa, de largo, os 60m2 por habitante.

Plano de Urbanização da Costa da Caparica (fig. 6), Faria da Costa, 1947.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Escolas e edifícios públicos

A experiência mostra que, no geral, os municípios não possuem locais bem situados para construir edifícios publicos, nomeadamente escolas, porque não souberam reservar, antecipadamente, os terrenos necessários.

Foí tendo em vista esta experiência que o arquitecto Faria da Costa estabeleceu no seu plano zonas especiais para tal efeito.

Assim, as escolas previstas pelo Plano dos Centenários foram localizadas no Bairro dos Pescadores, pois é aí a localização que mais convem ao núcleo actual da população fixa. No futuro, elas servirão também o Bairro Operário projectado.

Além daquelas escolas, foram previstas outras, porque o autor do projecto admite a possibilidade de, no futuro, uma grande parte da população flutuante se fixar na Costa da Caparíca, por largos períodos, já por motivos de saúde, já de ordem económica.

Costa da Caparica, Esplanada do Café Costa Nova, ed. Passaporte, 78.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

Além do espaço destinado a escolas, previu também o arquitecto uma zona de edifícios públicos, junto ao mercado, a zona de reserva, quer no Bairro de Santo António, quer na Avenida n.° 1.

Gare rodoviária

Dada a posição particular do aglomerado urbano, o transporte colectivo ter-restre terá de ser resolvido pela camionagem.

Assim, utilizando as redes das grandes artérias como linhas de circulação de autocarros, toda a população será cbmodamente servida e os percursos má-ximos que terá de percorrer até á. linha das carreiras está muito águem dos 500 metros admitidos.

Dado que a população flutuante dos domingos é igual á soma das populações fixa e estival e que, por motivos óbvios, as suas horas de ponto são mais acentuadas, foi especialmente em função desta população que o arquitecto localizou a Gare Rodoviária, muito embora se reconheça que as outras populações em nada são prejudicadas, antes pelo contrário.

À Gare Rodoviária dá sobre uma ampla praça com largas placas de estacionamento para passageiros que aguardam embarque.

Costa de Caparica, passagem sobre a vala à entrada da vila, década de 1960 (?).
Imagem: Costa da Caparica, anos 60

Se o transporte por via aérea um dia for realidade ou se se fizer sentir essa necessidade, aliás provável, a ela será dada ampla satisfação, visto que para Sul da Gare Rodoviária existem amplas planícies, fàcilmente adaptáveis a aeródromos.

Outros aspectos do plano

O plano de Faria da Costa considera ainda a criação de centros de diversão, piscina e praia infantil, centro de desportos, colonias de férias e hoteis populares.

O centro de diversões foi localizado sobre a grande alameda que dá para a praia e junto á praça da confluência das grandes artérias — Marginal e via Nascente-Poente vinda de Cacilhas.

O autor previu este centro como o grande ponto de concentração da população de todo o aglomerado e dos turistas atraídos pela admirável praia da Costa da Caparica.

É neste centro que ficam localizados casino, hotéis, restaurantes, cafés, bars, piscina, grandes estabelecimentos, etc.

A localização e o partido adoptado obedecem á preocupação de defender o centro de diversões dos ventos Norte que, no Verão, são os que mais incomodam. A construção de zonas reentrantes e a construção dos blocos no sentido Nascente-Poente têm essa finalidade.

Como entende que a praia, com todas as suas qualidades, estaria incompleta se não existissem uma piscina e uma praia infantil, já porque ali se poderá exercer á vontade a prática e a aprendizagem da natação, já porque servirá para festas náuticas, o arquitecto Faria da Costa contou igualmente com esses elementos.

O centro de desportos, considerado como um dos pontos essenciais do plano de urbanização, compreende campo de foot-ball, pistas de atletismo, rínk de patinagem e campos de tennis.

Foram ainda previstas, fora deste centro, locais para campos de "tennis'', os quais, com os existentes, completam urna boa rede. No que respeita a colónias de férias, diz o arquitecto Faria da. Costa que se traia de uma iniciativa do maior interesse, desde que obedeça a um critério diferente daquele que se seguiu até esta altura.

Plano de Urbanização da Costa da Caparica, planta de utilização do solo (fig. 7), 1946.
Imagem: Arquitectura, março de 1947

Enquanto estudava o Plano de Urbanização da Costa da Caparica, sustou a realização de muitas pretensões para a construção de colonias de férias, porque sistemáticamente elas se localizavam na Mata Nacional.

Ora, o autor entende que, em caso algum, se deve consentir na alienação de parcelas na mata para esse fim, constituindo zonas privilegiadas para uns e que a todos preconiza que essas colónias de férias se instalem na periferia da mata, isto é, ao longo da extensão linear.

Como situação, esta é maravilhosa, pois entre a praia e a mata ela reune em sí os dois principais elementos naturais, que são a razão de ser da Costa da Caparica.

Vejamos, finalmente, como resolveu o arquitecto o problema dos hoteis populares.

Ao localizá-los, teve em vista criar a reserva para. uma iniciativa que, entre nós, não tem ainda uma expressão verdadeira.

Num país como o nosso, com um tão baixo nível de vida, — áparte um pequeno número de bafejados pela sorte, que podem dispor de hoteis de criados agaloados e diárias incomportáveis para a maioria — á classe média só restam as pensões, que, na verdade, são baratas, em relação ao nível da grande maioria, mas que não possuem as indispensáveis condições de conforto e higiene.

Na praia da Costa da Caparica, uma família que ali vai passar o dia.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Entende o arquitecto que seria fácil, uma vez que se reservem terrenos bem localizados e que só a esse fim se destinem — de modo a evitar especulações — construir simples pavilhões, claros e arejados, sómente com quartos, caiados e servidos por uma galeria que os ligaria a um pavilhão central, onde seriam os serviços, salas de jantar, "hall", etc.

Extensão linear

A marginal Atlântica, criada para um melhor acesso a toda a zona da praia, que se estende desde a Caparíca actual até à Cova do Vapor, teve também em mira criar uma zona de habitações onde seriam localizadas não só as colónias de férias, como tambem construções particulares e hoteis.

A faixa de utilização, assim criada, teria não só a vantagem de ter vista do mar — qualidade que grande parte do aglomerado não possuí, por estar ou atrás da mata ou atrás das dunas como ainda a de criar um fundo de receita que ultrapassará certamente o custo da própria estrada.

É óbvio que a ligação entre a praia e a mata não deixará manter-se, devendo prever-se frequentes e amplas passagens para peões, de ligação entre elas e, principalmente, na direcção de veredas, a criar dentro da mata.

Execução do plano

O plano de urbanização da Costa da Caparíca implica a execução de obras de grande vulto, tais como a defesa da margem e a terraplanagem das dunas, cuja realização deve competir ao Estado, única entidade com as condições técnicas e financeiras necessárias a podê-las executar.

Estas obras de custo elevado serão, porém, compensadoras, dado o alto preço porque o município poderá vender os terrenos assim conquistados e pagando ao Estado o custo das obras realizadas.

O arquitecto estudou cuidadosamente todos os aspectos da execução do plano da urbanização, por forma a torná-lo viável e a evitar todas as dificuldades capazes de obstarem à sua realização.

Assim, estudou a execução das avenidas, tendo em conta as cotas do terreno, dedicou também atenção ao problema dos esgotos que considera difícil, devido ao baixo nível de toda a zona da Costa da Caparíca.

No entanto, qualquer que seja o processo que venha a adoptar-se, ele deverá levar os produtos de esgotos para sul, os quais, depois de elevados e tratados, deverão ser utilizados como fertilizante na criação de hortas necessárias ao abastecimento da Costa da Caparíca, no Verão.

Não esqueceu igualmente o abastecimento de águas, que considera, em parte, já resolvido com a execução do projecto do abastecimento ao concelho de Almada.

Quanto ao fornecimento de energia e luz eléctrica, trata-se de um problema corrente, que está enquadrado no plano geral em estudo para todo o concelho.

Observa, ainda, o arquitecto que a zona da Costa da Caparíca está sujeita a servidão militar, moldada nas concepções guerreiras dos fins do século passado, o que representa um grande entrave, mais de ordem moral que material, no desenvolvimento normal da povoação. 

João Guilherme Faria da Costa (1906-1971).
Imagem: Picasa

Acha o autor indispensável que a servidão, a manter-se, seja revista pelas entidades competentes, crente como está de que, na época da aviação e da bomba atómica, as preocupações que levaram a estabelecer aquela servidão, em grande parte desapareceram.


(1) Plano de Urbanização da Costa da Caparica, revista Arquitectura, março de 1947

Artigos relacionados:
Costa da Caparica — urbanismos
Trafaria e Cova do Vapor em 1946


Mais informação:
João Guilherme Faria da Costa
Jornal Arquitectos, 227, abril-junho 2007

terça-feira, 28 de junho de 2016

Sobre o projecto de Cassiano Branco

A aproximação da construção à área costeira limitou a forma de ver a possibilidade e potencialidades locais de crescimento urbano, resultando em aglomerados habitacionais próximos da praia, por vezes até de uma forma potencialmente perigosa.

Costa da Caparica, vista aérea, 1930 — 1932.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Por estas razões talvez o plano de Cassiano Branco fosse utópico para a época mas também será verdade afirmar que seria em muitos aspectos um plano actual, realista caso tivesse sido implementado, atribuído um rumo bem diferente àquela região.

Costa de Caparica, Praia Atlântico.
Pormenor de Solução Urbanística, Cassiano Branco, Arquitecto, 1930.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Observemos então a proposta de Cassiano Branco ou o postal e, a partir dele, desenvolvemos algumas reflexões, necessariamente especulativas essencialmente porque não existem textos que acompanhem a reflexão sobre o território, que pretendem descodificar as motivações, compreender os enquadramentos e comentar um desejo de uma nova cidade.

Hotel, Pormenor de Solução Urbanística, Cassiano Branco, Arquitecto, 1934.
Imagem: Costa da Caparica: de Cassiano Branco à realidade

O postal que representa uma proposta utópica para a Costa da Caparica, que seguramente não é somente um simples postal, prefigura uma cidade de lazer, particularmente apetrechada com equipamentos desportivos, lúdicos e culturais, que também, seguramente, não são imagem de Portugal dos anos 30, como não é igualmente representativa das tendências urbanísticas impostas pelo Estado-Novo.

Casino, Pormenor de Solução Urbanística, Cassiano Branco, Arquitecto, 1934.
Imagem: Costa da Caparica: de Cassiano Branco à realidade

Efectivamente, só na década seguinte se realizaram em Portugal alguns Planos de Urbanização de algumas estâncias de férias do litoral, cujos programas são quase exclusivamente a habitação unifamiliar, o hotel, o mercado e a igreja, não tendo contudo um caracter tão abrangente no território como o Plano da Costa da Caparica de Cassiano Branco.

Costa da Caparica, Hotel Praia do Sol, ed. Passaporte, 10, década de 1950.
Imagem: Delcampe

Refira-se uma vez mais que os limites deste plano não são claros mas, referenciando a extensão da Arriba Fóssil, quase que podemos afirmar que ele se estende desde a Costa da Caparica até à zona da Fonte-da-Telha.

Costa da Caparica, ed. Gama Freixo.
Imagem: Delcampe

São propostas registadas em planta que apresentam uma estrutura viária disciplinada e hierarquizada em função de pequenas rotundas ou praças, à qual corresponde também uma hierarquização do programa.

Costa da Caparica, ed. Gama Freixo.
Imagem: Delcampe

Prevalece um cenário de Cidade-Jardim muitas vezes associado à intenção de preservação e aproveitamento do património vegetal pré-existente.

Costa da Caparica, Miradouro dos Capuchos e Caparica, ed. Passaporte, 39, década de 1950.
Imagem: Delcampe, Oliveira

A cidade jardim é um modelo de cidade concebido por Ebenezer Howard, no final do Séc. XIX, consistindo em uma comunidade autónoma cercada por um cinturão verde num meio-termo entre campo e cidade.

Costa da Caparica, vista aérea, c. 1980.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

A ideia era aproveitar as vantagens do campo eliminando as desvantagens da grande cidade, mas nem sempre pode ser um sinónimo de eco-cidade. (1)

Ilustração de Cassiano Branco, L'Illustration 4963, 16 April 1938.
Imagem: Old french Adverts

Art Deco: estilo que surgiu na década de 1920 ganhando força nos anos 30 na Europa e na América do Norte e do Sul e que abrangeu a moda, a arquitectura, as artes plásticas, o design gráfico, a tipografia e o design industrial.

O estilo deve o seu nome à Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais modernas (em francês: Exposition Internationale des Arts Décoratifs et Industriels Modernes), realizada em Paris, em 1925.

Essencialmente era um estilo decorativo que combinava luxo, e ornamentação formal, e que apresentava cores discretas, traços sintéticos, formas estilizadas ou geométricas... (2)


(1) Rufino, A. M. A. C. P, Costa da Caparica: de Cassiano Branco à realidade, Lisboa, , 2014
(2) Rufino, A. M. A. C. P, Idem


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Costa da Caparica — urbanismos

Informação relacionada:
Arquivo RTP: Vida & Obra de Cassiano Branco