terça-feira, 28 de novembro de 2017

São pequenos...

Tem reinado grandes temporaes na nossa costa, e por isso a cidade tem sentido grande falta de peixe.

A varina zangada, Stuart Carvalhais (1887-1961).

Domingo 10 do corrente, na costa de Caparica, apresentou-so o mar em bonança, o que animou uma companha de pescadores. Havia dias que os desventurados não podendo ir ao mar não tinham ganhado dinheiro para pão.

Brasão da Vila de Costa da Caparica (detalhe).

Lá vae para o mar um barco com os seus dezoito homens, lançam a rede e poem-se á capa esperando que o peixe caia.

Costa da Caparica, Ilustracao Portuguesa, 1920.
Imagem: Hemerotreca Digital

Horas eram de recolher a rede e eil-os logo em trabalhosa lida: mas o mar já não estava para graças, e para provar que é coisa com que se não brinca, levantou um enorme vagalhão que accommettendo o barco, levou comsigo os dezoito pescadores, dos quaes apenas escaparam dois, morrendo afogados os dezeseis.

A tragédia da Costa da Caparica, O Domingo Ilustrado n° 91, 1926.
Imagem: Hemeroteca Digital

Este triste acontecimento foi-nos relatado por um pescador; que na segunda feira appareceu em Lisboa, apregoando besugos e dizendo, "são pequenos, mas mataram dezeseis homens". 

Pescador, Tom [Thomaz de Mello] (1906-1990).
Imagem: Almanak Silva

E ha quem diga que não tem medo do mar.

Patriota (1)


(1) Antonio Feliciano de Castilho, Revista Universal Lisbonense, Lisboa, Imprensa dos Tribunais, 1845

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Da minha casa de madeira...

Eu tinha uma pequena casa de madeira no topo de uma duna da Caparica. O Equador não atravessa estas terras, as da Costa, de quintas e hortas que se quedam na base da Arriba [...]


A minha casa de madeira no topo de uma duna da Caparica foi feita num tempo que não tornará.

Entre a minha casa de madeira no topo de uma duna da Caparica e o mar em frente havia um outro mar [...]

A Praia do Sol, O mercado, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 109.
Imagem: Delcampe

Da minha casa de madeira no topo de uma duna da Caparica via um mundo que se perdeu tão irremediavelmente quanto ser homem a sério.

Como os camponeses que, em anos de Invernos de agruras, se juntavam no areal esperando que um arrais lhes concedesse lugar na arte. Os sorrisos de ver comer a prole quando a sardinha, o carapau e a lula se agitava na rede que vinha, puxado à mão.

Da minha casa de madeira no topo de uma duna na Caparica via passar Ti Palmira, a avó de um Capote que era fedelho descalço antes de ser estrela na TV, caminhando pela praia até a Fonte da Telha, Mina da Adiça, quase até à Lagoa de Albufeira mas não Alfarim, que é gente avessa ao norte e mais dados a sesimbrices, para trazer à luz futuros homens de cara sulcada de sal e sol.

Ti Adelaide Capote (modelo para o personagem Ti Palmira do romance Calamento de Romeu Correia).
Em fundo, Barcos e Varinas de Rogério Amaral, 1951.
Imagem: Costa de Caparica Memórias Vivas

A "Aparadeira", chamava-lhe, que quer dizer parideira, que quer dizer parteira, puxava redes e cordões umbilicais, cortando-os com a tesoura que levava consigo a palmilhar léguas, no bolso do avental.

Da minha casa de madeira no topo de uma duna da Caparica via passar, também em Janeiros de praguejar, homens e mulheres e crianças que se faziam a sul, debaixo de temporais que proibiam o mar, porque "A Lagoa de Albufeira dá todo o peixe que há na costa".

De caminho, a Fonte da Telha e a tasca do Camões que morreu pobre de fiar. Uma sopa, um copo de vinho e um quarto de pão por poucos réis, não me lembro ao certo, às vezes em troca de algumas bolas de vidro que davam à costa, trazidas das artes de Sesimbra pelas marés.

Fonte da Telha.
Imagem: Delcampe

Só à noite, breu de não ver nem Espichel nem Bugio, lançavam o chichorro, arte de malha apertada que trazia sardinha, eiroz, sargo, sargueta, linguado e tudo o mais que desse aquele mar mais pequeno.

Faziam-no, muitas vezes, debaixo dos tiros da Guarda Fiscal, porque os cães que são do povo mas do povo desdenham ao serviço de outros que os desdenham a eles foram, e serão, os mesmos de hoje.

Da minha casa de madeira no topo de uma duna da Caparica vi, incontáveis vezes, as mulheres dos pescadores, as mais belas de Portugal, dizia o poeta Bulhão Pato, que vinha com a desculpa de comer amêijoas, largar arriba acima, arrobas de sardinha na canasta equilibrada à cabeça, para vender às portas dos Capuchos, Vila Nova e, às vezes, Lazarim, trocar peixe por farinha no moleiro, solitáris presença de um lugar que é hoje encruzilhada.

Costa da Caparica, Alfredo Keil (1851 - 1907).
Imagem: Palácio do Correio Velho

Da minha casa de madeira no topo de uma duna da Caparica via o Bugio, Cascais. Estoril, Oeiras, o Monte da Lua. Agora não [...]


A minha casa de madeira no topo de uma duna da caparica contaria metade da minha vida [...]

Nuno Miguel Dias (1)


(1) Bilma Safari, julho de 2010 

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Cemitério de pobres

O cemitério da Costa de Caparica está situado proximo duns rochedos; nesses rochedos as aves de rapina soltam de quando em quando gritos dissonantes e sinistros.

Costa da Caparica, Bairro de Santo António e Foz do Tejo, ed. Passaporte, 2, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

Não ha ali nem uma columna de mármore, nem uma lapide humilde que seja; mas nem por isso lhe faltam memorias de saudade. 

A relva arrancada neste e naquelle ponto, e uma cruz cravada no meio desse ponto, lá nos diz ter havido mão solícita que foi assignalar o sitio onde lhe ficou um ente querido. 

A cruz é formada de um pedaço do remo estalado nas fainas do mar, ou dum fragmento do barco, companheiro batido também nas tempestades, e que um dia uma onda temerosa arrojou e despedaçou sobre a praia. 

A Praia do Sol, Alando a rede, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 106.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Não falta a coroa, amoravel offerenda de corações que adoraram aquelle que já não vive; — coroa não de perpetuas dobradas, nem de saudades nascidas no jardim tratado com esmero, mas de junco silvestre enlaçado com a flor da joina e com as rouxas florinhas do matto rasteiro.

Os ciprestes mal medrados pela visinhança do mar, agitam a copa esguia, curvando-se e projectando a sombra multiforme na terra batida do campo-santo.

Quem vive naquellas choças? Quem labuta constantemente com as vagas a braços com a morte, tendo em paga a miséria.

Costa da Caparica, Vista geral do Bairro de Santo António e Caparica, ed. Passaporte, 74, década de 1960.
Imagem: Fundação Portimagem

Quem só vê como um relâmpago neste mundo o sol das alegrias, deve olhar com dolorosa voluptuosidade para aquelle chão humilde onde o espera finalmente a paz á sombra de Deus.

24 de dezembro de 1868, Bulhão Pato (1)


(1) Cemitério de pobres, Folha dos curiosos n° 3, janeiro de 1869

domingo, 19 de novembro de 2017

Sobreda BD

O GBS (Grupo Bedéfilo Sobredense) criado em 1985, com o nome de NBS - Núcleo Bedéfilo Sobredense, é um grupo de fãs de Banda Desenhada que ao longo destes 27 de existência [em 2012] tem divulgado bastante a BD em Portugal e na Europa.

Sobreda, Solar dos Zagallos.
Imagem: Lisboa, Vale do Tejo, dezembro de 2005

As jornadas da Sobreda BD já existem desde 1982, concretizadas, devido ao esforço de um amante de BD que residia na Vila de Sobreda, de seu nome Armando Luiz Corrêa, embora seja mais conhecido por Luiz Beira.

Grupo Bedéfilo Sobredense.
Imagem: Kuentro

A primeira exposição da Sobreda BD deu-se de 20 a 28 de Maio de 1982. Com um interregno de 2 anos o GBS volta para continuar a divulgar o nome da BD com mais vigor que nunca. (1)

Sobreda BD 2001.
Imagem: Kuentro

Como amante da 9.ª Arte, [Luiz Beira] foi o fundador do Grupo Bedéfilo Sobredense (GBS) na Vila da Sobreda (Concelho de Almada), onde criou as "Jornadas Internacionais de Banda Desenhada" (ou Sobreda-BD, como ficaram conhecidas) que trouxeram ao nosso país alguns autores estrangeiros de renome (como Hermann, Danny, Didier Convard, Horácio Altuna, Jacques Martin, François Craenhals, entre outros)

Sobreda BD, Almada BD Fanzine n° 11, 1993.
Imagem: Ephemera

e homenagearam muitos dos chamados autores clássicos portugueses (como Fernando Bento, Vítor Péon, Artur Correia, Augusto Trigo, Baptista Mendes, José Ruy, José Garcês, José Pires, Eugénio Silva [Carlos Alberto Santos], entre outros).

Cadernos Sobreda BD, n° 20, 2006, dedicado a Carlos Alberto Santos
Imagem: BDBD

Por proposta sua, a Vila da Sobreda deu os nomes de Fernando Bento e Vítor Péon a duas ruas (inauguradas no mesmo dia, a 11 de Maio de 2002). 

Fernando Bento e Vítor Péon.
Imagem: BDBD (Tema: Evocando)

As exposições das Sobreda-BD fizeram digressões por muitos pontos do país, especialmente em Viseu e Moura, lançando nestas duas cidades as sementes que deram origem aos respectivos salões BD [...] (2)

Sobreda BD, Boletim Municipal, maio 2001.
Imagem: issuu, Câmara Municipal de Almada

O GBS existe desde 1982 e, vivendo com alguns altos e baixos, conseguiu sobreviver até aos dias de hoje. Estivemos parados durante dois anos pois houve muita malta do grupo que saiu por razões escolares e também pessoais. Resolvemos então fazer uma pausa, neste momento estamos a preparar as coisas para voltarmos a ter exposições, e o principal, estamos a fazer obras na sede.

Cadernos Sobreda BD, Extra, 1995, dedicado a Tibet.
Imagem: BDBD

O grupo e o Festival Sobreda BD são mais conhecidos no estrangeiro do que no nosso próprio país, embora já tenhamos feito muitas exposições por todo o Portugal. Essa é a principal função do GBS: divulgar a BD a nível nacional e levar a mesma onde não haja nenhuma espécie de eventos deste género. O mês passado tivemos uma exposição em Montargil e uma palestra sobre ilustração e BD.

Cadernos Sobreda BD
GBS Edições (no Facebook)

Temos também edições, os Cadernos Sobreda BD (álbuns que são normalmente lançados com o evento da Sobreda) e o Almada BD Fanzine (este irá sofrer alteração de nome porque vai passar a ser um livro do formato da Zona).

Personagem O Ponto, Almada BD fanzine 6, 1991 .
Imagem: BDBD

Neste momento andamos em negociações com a Junta de Freguesia de Sobreda e com a Câmara Municipal de Almada para assinar um protocolo e definirmos estratégias já para este ano e anos vindouros. (3)

*
*     *

SOBREDA-BD... O QUÊ?!...

A Junta de Freguesia da Sobreda (Almada) deu a entender que queria "ressuscitar", e em força, os famosos Salões-BD da Sobreda (povoação que muito deve a sua projecção "no mapa" à BD).

Brasão da freguesia da Sobreda.
Imagem: Wikipédia

O responsável da Cultura desse organismo convocou uma reunião, de certo modo urgente, com o GBS (Grupo Bedéfilo Sobredense). Compareceram: Rá, Luiz Beira, António Valjean e Hugo Teixeira. Todos presentes na hora exacta à boa moda britânica.

Favela, António Valjean..
Imagem: BD à Bá: Entrevista com Valjean

Bronca: o devido responsável da J.F. da Sobreda é que não deu sinal de vida!!!... Então, como é? (4)


(1) BD ao Forte
(2) BDBD
(3) BD à Bá: Entrevista com Valjean
(4) BDBD

Informação adicional:
GBS Edições (no Facebook): Cadernos Sobreda BD

domingo, 12 de novembro de 2017

Caparica, que não Costa!

A "Caparica", além de um lugar, onde desde o século XV está uma casa dedicada a Santa Maria do Monte, que precedeu uma paróquia ou freguesia que trasladou esse nome para um limite mais alargado, onde esses lugares se incluem; é também essa região do concelho de Almada, na qual todos se integram.



Não choca que alguém diga que vai à praia à Caparica, mesmo quando na realidade pode ir à Fonte da Telha, à Praia da Rainha, a Santo António ou Cova do Vapor, que nem são na Costa da Caparica (cidade), nem são, no último caso, sequer na freguesia da Costa... do mesmo modo que se alguém disser que vai à praia a Cascais, tendo ido a Carcavelos ou à Parede!

Costa da Caparica, c. 1980.
Imagem: Delcampe

Outra realidade bastante distinta é achar que tudo que diz respeito à Caparica remete necessariamente para a Costa da Caparica, que por muito importante que seja do ponto de vista económico e turístico, é redutor, é preferível manter a designação Caparica, especificando depois a que freguesia ou localidade se está a falar, ou até ao concelho de Almada.

Costa da Caparica, vista aérea, c. 1980.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Esta tentativa de "assabarcamento" é o resultado de uma gestão desatenta do território, que se vê por exemplo na sinalética rodoviária;

IC-20 [futura A38 Via-Rápida da Caparica] c. 1968.
Decreto-Lei nº 48 262 de 24 de Fevereiro de 1968: Integração da Ponte Salazar, Auto-Estrada do Sul e respetivos acessos na Rede Rodoviária Nacional; estabelecimento de limites non aedificandi para as referidas vias e a Variante à Estrada Nacional nº 377

e que a partir de determinada altura, para favorecer a atractividade da Costa como destino turístico, tentou de uma forma unilateral e sem respeitar o restante território, dar à Costa da Caparica algo que não lhe pertence em exclusivo, como seja uma história e antiguidade (da freguesia de Caparica), um património (respeitante aos Capuchos e à igreja de N.ª Sr.ª do Monte), e mesmo uma identidade, veja-se a forma absurda como até tentaram que a "Velha da capa rica" fosse uma senhora da Costa!

Lenda da Capa Rica, ed. Comissão Municipal de Turismo,
ilustração de José Manuel Soares.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Foi a aquilo a que se chama uma estratégia inteligente, aquele que Agro Ferreira e outros mentores da "Praia do Sol" tiveram a partir da década de 1930, e depois plasmada no Plano de Urbanização de Ettiene de Groer, e que de certo modo foi o que contribuiu para esta "falácia",

Plano de Urbanização do Concelho de Almada  (fig. 2),
Esquema da grandes artérias, 1946.
Imagem: Arquitectura, março de 1947

e para o facto de ter agregado a Fonte da Telha a uma sede de freguesia com a qual não tem sequer ligação directa, mas que não contaram com dois pormenores, primeiro que os moradores dos Capuchos e da Vila Nova (a chamada UNOP da "Estrelinha" do PU Costa da Caparica) e os da Charneca da Caparica, se recusassem em 1949 a pertencer à freguesia da Costa da Caparica, ficando esta sempre reduzindo à referida faixa litoral, 

A Fonte da Telha (Costa da Caparica, Praia do Sol), Cruz Louro, 1937.
Imagem: Cruz Louro

e por outro lado que o Monte de Caparica se visse beneficiado (ainda que às vezes com consequências negativas) com um campus universitário e novas áreas residenciais resultantes do Plano Integrado de Almada.



Um pequeno esclarecimento, também importa referir que a Vila Nova, que esteve para ser criada como freguesia nos anos 80, nada têm de oposição à Caparica ou ao Monte de Caparica, aliás a urbanização da Vila Nova é prévia à da própria sede, pois enquanto o sítio da Igreja só começou a ter prédios urbanos no século XVIII-XIX, passando a ser conhecido como Monte de Caparica no século XIX, dando origem às instituições que consolidaram a sua identidade urbana (como p. ex. o Club Recreativo União e Capricho),

Clube Recreativo União e Capricho Diploma de Sociedade de Educação e Recreio Federada.
Imagem: Associativismo na Caparica

já a Vila Nova é o resultado da fixação na antiga vara do Funchal de pequenos núcleos urbanos (Vila Nova de baixo e Vila Nova de cima) resultantes de emparcelamento na segunda metade do século XVII (que é quando o topónimo aparece) de propriedades do Convento da N.ª Sr.ª da Rosa e de outros senhorios locais, e que naturalmente pela proximidade a dois conventos (Capuchos e Rosa) e da importante quinta e Palácio dos Távoras, certamente daria essa ideia de uma vila nova que então se formava, por oposição das aldeias mais antigas, como a Sobreda, Fonte Santa ou Murfacém…

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa (detalhe), 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Em conclusão, quando nós, que conhecemos e amamos o território de Almada, valorizamos a sua história e cultura, respeitamos as suas gentes e a sua identidade, como consequência deveríamos evitar alimentar ainda mais uma confusão que já é de si bastante perniciosa para uma das partes, e como bem referes desvaloriza o todo do território em benefício de uma parcela, por muito importante que ela seja! 

Antiga equipa do Monte Caparica Atlético Clube.
Imagem: Futebol de Outros Tempos

Nada me move contra a Costa nem contra os seus naturais, mas o seu a seu dono, se os naturais da Costa se queixam, e bem, que a cidade de Almada não tem praias (quando muito estas são do concelho de Almada), certamente compreendem que os naturais do Monte de Caparica, sede da freguesia da Caparica, 

Via Rápida para a Costa da Caparica (detalhe).
Decreto-lei 48 262,  24 de fevereiro de 1968.
Imagem: Diário da República Eletrónico

e das restantes freguesias da região, não gostem quando (na maior parte das vezes por ignorância ou abordagem simplista de outros, que não os almadenses) se confunde Caparica com Costa da Caparica, passando por cima da sua multiplicidade de identidades, patrimónios e culturas, havendo aliás raízes bem distintas, uma mais rural, outra mais marítima!

Monte de Caparica, início dos anos 60.
Imagem: Sónia Martins

O cúmulo desta confusão é tal, que até mesmo estudos académicos, como o recente volume das Memórias Paroquiais dedicado aos Distritos de Lisboa e Setúbal, cometem o mesmo erro, identificando por equívoco ou total incúria, a memória paroquial da Caparica, a denominada "Relação Topográfica da Freguesia de Nossa Senhora do Monte de Caparica" do Pe. José António da Veiga de 1758, como pertencendo à actual freguesia da Costa Caparica!

Vista aérea Monte da Caparica Maio de 2016 (Parrot Bebop Drone)

Em nome do rigor não podia deixar de considerar pouco avisado os critérios de publicação, de um artigo sobre uma colectividade histórica do Monte de Caparica  [CRUC] e da freguesia da Caparica, num blogue ou página que está claramente vocacionado, e bem, sobre a Costa...

Monte de Caparica, placa azulejar toponímica colocada a partir de 1912 pelo Automóvel Club de Portugal.

quanto muito, não colocando em causa a liberdade de escolha de critérios, faria mais sentido que esta publicação  fosse integrada numa página [website] dedicada ao concelho de Almada [Almada Virtual Museum], ou às duas margens do Tejo [Eventualmente Lisboa e o Tejo], ou à Outra Banda ou simplesmente à Caparica! (1)

(1) Rui Manuel Mesquita Mendes, Caparica em 11 de novembro de 2017


Artigos relacionados:
Freguesia de Caparica no século XIX
Indevidamente chamada de Caparica

Publicações online (Junta de Freguesia de Caparica):
Lugares de Caparica
Associativismo na Caparica
Clube Recreativo União e Capricho 100 anos no coração da Caparica
Memórias da Caparica pela Pena de Bulhão Pato

Mais informação:
De Santa Maria do Monte à Caparica actual - Uma viagem por cinco séculos
Lugares da Caparica
História e Património (History and Heritage)
Rui Manuel Mesquita Mendes em ACADEMIA



Resulta o texto acima da discussão com, o amigo e investigador, Rui Manuel Mesquita Mendes, relativamente à publicação referente ao Club Recreativo União e Capricho neste blogue. 

Visto serem públicas algumas das posições debatidas (v. Almada Virtual Museum no Facebook)  e no intuito de que outras por ele apresentadas não se percam como argumentos de discussão, é com o seu acordo que aqui ficam publicadas.

Rui Granadeiro

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

CRUC

Foi constituida no logar do Monte, freguezia de Caparica, no dia 31 de Janeiro de 1911, uma sociedade com a denominação de Club Recreativo União e Capricho [...]

Troupe de Jazz União e Capricho.
Imagem: Clube Recreativo União e Capricho, Cem anos no coração da Caparica, 1911-2011

Poderão ser socios todos os indivíduos de ambos os sexos, nacionaes ou estrangeiros, maiores de 16 annos, assim como as mulheres casadas e os menores, mas só com auctorisação de seus paes, tutores e maridos [...]

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Portal InfoGestNet

Tem este Club por fim proporcionar aos seus socios, recitas, concertos, bailes, jogos considerados licitos e quaesquer outros divertimentos que possam contribuir para o desenvolvimento d'este Club. (1)

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Portal InfoGestNet

Ao longo da sua existência, o Clube ocupou diferentes espaços, todos eles dentro do núcleo urbano do Monte de Caparica: em primeiro lugar no n° 5 da Travessa da Granja, depois no 1° andar do Largo Cândido dos Reis (ou Largo do Monte mesmo junto à Igreja, em terceiro lugar no n.° 88 - 1° andar da rua Direita. 

Antigo emblema do CRUC.
Imagem: Clube Recreativo União e Capricho, Cem anos no coração da Caparica, 1911-2011

A mudança de instalações para o n° 38 da Rua Alfredo Cunha, onde a colectividade se encontra actualmente sedeada, teve lugar em finais do primeiro quartel do século XX. Ocupa desde então o rés-do-chão do edifício que havia sido construído para instalação do Hotel Central [inaugurado em 1876], onde em 1892 foi inaugurada, no piso térreo, a primeira sala de espectáculos da Caparica: o Teatro Garrett, designação pela qual continuaria ser conhecido o espaço após a instalação do Clube.

Antigo edifício do Hotel Central inaugurado em 1876, posterior Teatro Garrett.
Imagem: Clube Recreativo União e Capricho, Cem anos no coração da Caparica, 1911-2011

O facto de dispor de um salão com um pequeno palco e uma galeria, assegura de forma excelente a realização dos objectivos propostos pelo Clube, nomeadamente a realização de bailes, récitas e representações teatrais, sendo alugada outra sala contígua no prédio anexo para instalação do bufete.

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Clube Recreativo União e Capricho, Cem anos no coração da Caparica, 1911-2011

Actualmente, o palco aparece dividido ao centro por uma coluna estrutural do edifício, o que, segundo apurámos junto de alguns sócios, se deve ao facto de originalmente o palco só ocupar metade do espaço, sendo o lado esquerdo reservado à bilheteira virada ao exterior [...]

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Clube Recreativo União e Capricho, Cem anos no coração da Caparica, 1911-2011

Acontecimentos políticos como a tomada de Goa pela União Indiana e o início da guerra colonial, marcaram profundamente a história de Portugal no início da decada de sessenta. Em 1962 não se realizaram comemorações do 51° aniversário do CRUC, situação justificada laconicamente na acta de 4 de Fevereiro desse ano "devido aos acontecimentos que se têm dado no país".

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Portal InfoGestNet

O desânimo parece ter-se instalado, para o que também terá contribuído o desmembramento do conjunto musical privativo do Clube. No entanto a colectividade resiste e em 1963 é escolhido um novo emblema.

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Portal InfoGestNet

Enquanto no emblema original uma coroa de louro envolve um escudo nacional e é encimada por uma estrela de cinco pontas resplandecente, no novo símbolo o escudo é substituído por meia lira e meia máscara alusivas à música e ao teatro, inseridas dentro de um triângulo invertido que, do lado direito, apresenta a palavra Capricho.

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Clube Recreativo União e Capricho, Cem anos no coração da Caparica, 1911-2011

Os bailes marcam a actividade regular do Clube, que ainda assim se mostra exíguo para a afluência fiel aos princípios fundadores de promoção cultural dos seus sócios, em 1964, o Clube passa a dispor de uma biblioteca destinada à leitura local ou domiciliária [...]

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Portal InfoGestNet

Continuando a acompanhar a evolução social da localidade onde se insere, o CRUC constitui um local de encontro para muitas pessoas, algumas das quais aposentadas, que aqui passam parte dos seus tempos livres, convivendo, jogando cartas ou snooker, lendo o jornal ou assistindo aos jogos de futebol transmitidos em canal codificado. 

CRUC, Álbum de fotografias 1964-1981.
Imagem: Portal InfoGestNet

Desta forma, o Clube mantém-se como uma instituição de referência, pelo que representa na história do movimento associativo do concelho de Almada e pelos serviços que vem prestando à população da freguesia de Caparica, tendo sido agraciado em 1999 com a Medalha de Ouro de Mérito Cultural atribuída pela Câmara Municipal de Almada. (2)


(1) Estatutos do Clube, Portal InfoGestNet
(2) Clube Recreativo União e Capricho, Cem anos no coração da Caparica, 1911-2011

Mais informação:
Estatutos do Clube (InfoGestNet)
CRUC Capricho (fb)