Costa da Caparica, Bairro de Santo António e Foz do Tejo, ed. Passaporte, 2, década de 1960. Imagem: Delcampe, Oliveira |
Não ha ali nem uma columna de mármore, nem uma lapide humilde que seja; mas nem por isso lhe faltam memorias de saudade.
A relva arrancada neste e naquelle ponto, e uma cruz cravada no meio desse ponto, lá nos diz ter havido mão solícita que foi assignalar o sitio onde lhe ficou um ente querido.
A cruz é formada de um pedaço do remo estalado nas fainas do mar, ou dum fragmento do barco, companheiro batido também nas tempestades, e que um dia uma onda temerosa arrojou e despedaçou sobre a praia.
A Praia do Sol, Alando a rede, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 106. Imagem: Delcampe, Bosspostcard |
Não falta a coroa, amoravel offerenda de corações que adoraram aquelle que já não vive; — coroa não de perpetuas dobradas, nem de saudades nascidas no jardim tratado com esmero, mas de junco silvestre enlaçado com a flor da joina e com as rouxas florinhas do matto rasteiro.
Os ciprestes mal medrados pela visinhança do mar, agitam a copa esguia, curvando-se e projectando a sombra multiforme na terra batida do campo-santo.
Quem vive naquellas choças? Quem labuta constantemente com as vagas a braços com a morte, tendo em paga a miséria.
Costa da Caparica, Vista geral do Bairro de Santo António e Caparica, ed. Passaporte, 74, década de 1960. Imagem: |
Quem só vê como um relâmpago neste mundo o sol das alegrias, deve olhar com dolorosa voluptuosidade para aquelle chão humilde onde o espera finalmente a paz á sombra de Deus.
24 de dezembro de 1868, Bulhão Pato (1)
(1) Cemitério de pobres, Folha dos curiosos n° 3, janeiro de 1869
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