quinta-feira, 29 de abril de 2021

Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas

DOM JOÃO, por graça de Deus, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarve, d’aquém e d’além-mar em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Ethiopia, Arabia, Persia, e da Índia, &c. Faço saber aos que a presente Carta de Lei virem: Que tendo sido servido unir os meus Reinos de Portugal, Brasil e Algarve, para que juntos constituissem, como efetivamente constituem um só e mesmo Reino:

... escudo Real Portuguez, inscrito na dita Esféra Armillar de Ouro em campo azul, com uma Corôa sobreposta...
Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil

é regular e consequente o incorporar em um só Escudo Real das Armas de todos os três Reinos, assim da mesma forma, que o Senhor Rei Dom Affonso Terceiro, de Gloriosa Memoria, Unindo outróra o Reino do Algarve ao de Portugal, Uniu também as suas Armas respectivas: E occorrendo que para este effeito o Meu Reino do Brasil ainda não tem Armas, que caracterizem a bem merecida preeminencia que Me aprouve exalta-lo: Hei por bem, e me Praz ordenar o seguinte:

I. Que o Reino do Brasil tenha por Armas uma Esféra Armillar de Ouro em campo azul.

... o Reino do Brasil tenha por Armas uma Esféra Armillar de Ouro em campo azul...
Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil

II. Que o Escudo Real Portuguez, inscrito na dita Esféra Armillar de Ouro em campo azul, com uma Corôa sobreposta, fique sendo de hoje em diante as Armas do Reino Unido de Portugal, e do Brasil e Algarve, e das mais Partes integrantes da Minha Monarquia.

III. Que estas novas Armas sejam por conseguinte as que uniformemente se hajão de empregar em todos os Estandartes, Bandeira, Sellos Reais, e Cunho de Moedas, assim como em tudo mais, em que até agora se tenha feito uso das Armas precedentes.

Casa da Coroa, da qual se dizia que hospedou D. João VI.
Imagem: Carlos Caria

E esta se cumprirá como nella se contém. Pelo que Mando a huma e outra Meza do Desembargo do Paço, e da Consciencia e Ordens; Presidente do Meu Real Erario; Regedores das Casas da Supplicação; Conselhos da Minha Real Fazenda, e mais Tribunaes do Reino Unido; Governadores das Relações do Porto, Bahia, e Maranhão; Governadores, e Capităes Generaes, e mais Governadores do Brasil, e dos Meus Dominios Ultramarinos, e a todos os Ministros de Justiça, e mais Pessoas, a quem pertencer o conhecimento, e execução desta Carta de Lei, qne a cumprão, e guardem, e fação inteiramente cumprir, e guardar, como nella se contém, não obstante quaesquer Leis, Alvarás, Regimentos, Decretos, ou Ordens em contrario; porque todos, e todas Hei por derogadas para este effeito somente, como se dellas fizesse expressa, e individual menção, ficando aliàs sempre em seu vigor.

E ao Doutor Thomas Antonio de Villa Nova Portugal, edo de Conselho, Desembargador do Paço, e Chanceller Mór do Reino do Brasil, Mando que a faca publicar na Chancellaria, e que della se remettão Copias a todos os Tribunaes, Cabeças de Comarca, e Villas deste Reino; publicando-se igualmente na Chancellaria Mór do Reino de Portugal, remettendo-se tambem as referidas Copias ás Estações competentes; registando-se em todos os lugares onde se costumão registar semelhantes Cartas, e guardando-se o Original onde se guardão as Minhas Leis, Alvarás, Regimentos, Cartas, e Ordens deste Reino do Brasil, Dada no Palacio do Rio de Janeiro aos treze de Maio de mil oitocentos e dezesete.


EL REI Com Guarda.⁠

Marquez de Aguiar.⁠

CArta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil, e incorporar em hum só Escudo Real as Armas de Portugal, Brasil, e Algarves, para symbolo da União, e identidade dos referidos tres Reinos, tudo na forma acima declarada.

Para Vossa Magestade Vér.

João Carneiro de Campos a fez... (1)



(1) Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil

Artigo relacionado:
Pedra d'Armas

Leitura relacionada:
Projecto para o estabelecimento político do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

quarta-feira, 21 de abril de 2021

Grupo esperantista Nova Vojo

O "movimento esperantista" nasceu na Polónia, no final do século XIX, em defesa do Esperanto que foi a mais bem-sucedida tentativa para criar uma "língua universal", ou seja, uma língua património de todos os povos e, por isso mesmo, uma língua neutra, ao serviço da fraternidade e da paz, da partilha de conhecimentos e do progresso.

Grupo esperantista Nova Vojo na Costa da Caparica, 1935.
Lígia de Oliveira (ao centro), Projecto Mosca

Na sua origem, a procura da "língua universal" remete para os tempos bíblicos, concretamente para o episódio da Torre de Babel que os homens edificaram com o objetivo de chegar aos céus. Avaliando essa pretensão dos homens como um mau prenúncio, Deus puniu-os, submetendo-os à “confusão das línguas”. Assim, a adoção de uma língua comum está também associada à ideia de uma humanidade redimida e moralizada. (1)

A sigla "L.E.S." significa "Laborista Esperantista Societo" e a expressão "Nova Vojo", em esperanto, significa "Novo Caminho". (2)


(1) Portugala esperantisto: órgão mensal do Movimento Esperantista Português (ficha histórica)
(2) Idem

Leitura relacionada:
Sónia P. A. R. Gomes, O Esperantismo em Portugal (1892 a 1972)...

Carlos Fontes, Anarquismo em Portugal (1850-2020)

domingo, 18 de abril de 2021

A procura da arte e da xávega (em Espinho)

Ainda sob o mote: "Gratas recordações. O recorte da silhueta do meia-lua sobre as ondas do mar prateado numa tarde de julho distante, ou, no cole, reflectindo no espelho da vaza..."

Fishermen sheltering at their boat, Espinho, Henri van Melle. 
MutualArt

No areal da praia da Aguda fica-me, depois da Granja, Espinho a dois passos...

Esplanada do Café Chinez em Espinho, Aurélio Paz dos Reis, 1907.
Porto Desaparecido (fb)

E ignorando trivialidades vou às notas que na costa Vareira interessam.

*
*     *

Nas artes de arrastar para terra figuram as xavegas do Algarve, os saveiros e as meias-luas, de Espinho, Furadouro, S. Jacintho, Costa Nova, Mira, Tocha, Buarcos, Lagos, e outros logares, desde o sul do Douro até a Vieira, reapparecendo, mais abaixo, na costa de Caparica e da Galé, e na praia de Sines... (1)


(1) Ramalho Ortigão, O culto da arte em Portugal, Lisboa, A.M. Pereira, 1896

Informação relacionada:
Museu Municipal de Espinho (esposições permanentes): Arte-Xávega
Museu Municipal de Espinho (blogspot): As origens da pesca com Arte-Xávega

Documentos relacionados:
As Origens da pesca com Arte-Xávega

A fixação permanente dos núcleos piscatórios
A pesca com Arte-Xávega
O "Barco-do-Mar"
O pescado
As companhas

Padre André de Lima, Espinho: breves apontamentos para a sua história, 1903:
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 1 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 2 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 3 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 4 (1979)

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

Tema:
Saveiro meia lua

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Armeiro de Bulhão Pato

A anglomania não se apoderara do poeta, apesar da moda e da tradição, já antiga. A sua espingarda d'então era uma bella arma hespanhola de Eybar — canos de "herraduras" — como nelles se lia em lettras d'oiro, e oitavados até um terço. D'oiro era a mira, e com elle discretamente ornada na bôcca e em volta da fecharia [das platinas] . Nada de oriental nesta ornamentação sóbria — um filete apenas. 

Bulhão Pato por Alberto Carlos Lima (detalhe).
Arquivo Municipal de Lisboa

O guarda-matto [a fecharia] tinha mola de segurança. Elegante e solida, esta caçadeira havia dado as suas provas: a esse tempo entrara já em muitas batalhas, e pouco antes Lopes Cabral — um athleta — matou com ella, em um dia, na Gollegã, setenta e cinco codornizes!


A Eybar succedeu Paris, e a espingarda que lhe conheço em effectivo serviço, ha mais de vinte annos, é uma Gastine-Renette, do systema Lefaucheux, cinzelada e acabada com a maior perfeição. Arma fina e de preço.

Raimundo Bulhão Pato, Miguel Angelo Lupi, c. 1880
Imagem: ComJeitoeArte

Gastine-Renette é úm dos mais illustres entre os fabricantes d'armas contemporâneos. Foi o "Arquebusier" de Napoleão III, o seu fornecedor predilecto de armas de caça e de guerra.

No cabide de armas do poeta vêem-se mais duas — uma de fogo central, belga, e outra Flobert-Remington.

Traiçoeira esta ultima. — Como os machos d'arrieiro morde e dá couce! O cão levanta, e o tiro vem, ás vezes, também para a cara do atirador! Perigoso systema. (1)

Paisagens de caça: Raimundo António de Bulhão Pato, 1829-1912;
sel. textos, org. e notas Nuno Sebastião.
cf. Bulhão Pato, Paizagens, Lisboa, Rolland E Semiond, 1871;

capa de Raphael Bordallo Pinheiro.
Ribeira Seca

Um dia foi que o "lever de rideau" — o prologo — esteve quasi a ser a tragedia. A espingarda de Bulhão Pato — era a de Eybar — deixara-a elle ficar em Allemquer, onde fora caçar, e Cabral, que de lá a trouxera, mandou-lh'a na véspera. Cabral —um grande e experimentado caçador — era tudo quanto ha de mais cuidadoso; podia-se-lhe chamar sem "calembour" [trocadilho], o rei das cautelas. 

Mas uma vez, todos erram, e quando Bulhão Pato, que tinha o costume de dar um fogacho á espingarda, antes de principiar a atirar, o fez sem a menor desconfiança, porque nenhum dos pistons trazia fulminanie, d'um dos canos saiu incendiada a polvora solta, mas o outro disparou um tiro a valer! Encaramo-nos Todos... Estavamos [felizmente] illesos.

O que nos valeu loi o ter elle, também prudente, disparado, como usava sempre, por cima da borda.

Bulhão Pato, Rafael Bordalo Pinheiro,
Album Glórias, 1902
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

— Hein! disse o poeta — de que nós escapámos! Mestre Cabral d'esta vez esqueceu-se!


Uma arribada em calma branca, revista Serões (detalhe) 1907
Hemeroteca Digital de Lisboa


E foi este, em tantos annos, o único accidente. que teve assomos de gravidade. (2)



(1) Zacharias d'Aça, O Tiro Civil n.° 135, sexta-feira 1 de abril de 1898
(2) Zacharias d'Aça, O Tiro Civil n.° 137, domingo 1 de maio de 1898

Artigos relacionados:
Retratos de Bulhão Pato

Tema: Bulhão Pato

Informação relacionada:
Bulhão Pato, Zacharias d'Aça, O Occidente n.° 717, 30 de novembro de 1898
Bulhão Pato, Paquita, Typographia Franco-Portugueza, 1866
Bulhão Pato, Livro do Monte, georgicas, lyricas, Lisboa, Typographia da Academia, 1896 
Francisco Zacharias d'Aça, Caçadas portuguezas: paizagens, figuras do campo
Lisboa, Secção Editorial da Companhia Nacional Editora, 1898