domingo, 12 de novembro de 2017

Caparica, que não Costa!

A "Caparica", além de um lugar, onde desde o século XV está uma casa dedicada a Santa Maria do Monte, que precedeu uma paróquia ou freguesia que trasladou esse nome para um limite mais alargado, onde esses lugares se incluem; é também essa região do concelho de Almada, na qual todos se integram.



Não choca que alguém diga que vai à praia à Caparica, mesmo quando na realidade pode ir à Fonte da Telha, à Praia da Rainha, a Santo António ou Cova do Vapor, que nem são na Costa da Caparica (cidade), nem são, no último caso, sequer na freguesia da Costa... do mesmo modo que se alguém disser que vai à praia a Cascais, tendo ido a Carcavelos ou à Parede!

Costa da Caparica, c. 1980.
Imagem: Delcampe

Outra realidade bastante distinta é achar que tudo que diz respeito à Caparica remete necessariamente para a Costa da Caparica, que por muito importante que seja do ponto de vista económico e turístico, é redutor, é preferível manter a designação Caparica, especificando depois a que freguesia ou localidade se está a falar, ou até ao concelho de Almada.

Costa da Caparica, vista aérea, c. 1980.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Esta tentativa de "assabarcamento" é o resultado de uma gestão desatenta do território, que se vê por exemplo na sinalética rodoviária;

IC-20 [futura A38 Via-Rápida da Caparica] c. 1968.
Decreto-Lei nº 48 262 de 24 de Fevereiro de 1968: Integração da Ponte Salazar, Auto-Estrada do Sul e respetivos acessos na Rede Rodoviária Nacional; estabelecimento de limites non aedificandi para as referidas vias e a Variante à Estrada Nacional nº 377

e que a partir de determinada altura, para favorecer a atractividade da Costa como destino turístico, tentou de uma forma unilateral e sem respeitar o restante território, dar à Costa da Caparica algo que não lhe pertence em exclusivo, como seja uma história e antiguidade (da freguesia de Caparica), um património (respeitante aos Capuchos e à igreja de N.ª Sr.ª do Monte), e mesmo uma identidade, veja-se a forma absurda como até tentaram que a "Velha da capa rica" fosse uma senhora da Costa!

Lenda da Capa Rica, ed. Comissão Municipal de Turismo,
ilustração de José Manuel Soares.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Foi a aquilo a que se chama uma estratégia inteligente, aquele que Agro Ferreira e outros mentores da "Praia do Sol" tiveram a partir da década de 1930, e depois plasmada no Plano de Urbanização de Ettiene de Groer, e que de certo modo foi o que contribuiu para esta "falácia",

Plano de Urbanização do Concelho de Almada  (fig. 2),
Esquema da grandes artérias, 1946.
Imagem: Arquitectura, março de 1947

e para o facto de ter agregado a Fonte da Telha a uma sede de freguesia com a qual não tem sequer ligação directa, mas que não contaram com dois pormenores, primeiro que os moradores dos Capuchos e da Vila Nova (a chamada UNOP da "Estrelinha" do PU Costa da Caparica) e os da Charneca da Caparica, se recusassem em 1949 a pertencer à freguesia da Costa da Caparica, ficando esta sempre reduzindo à referida faixa litoral, 

A Fonte da Telha (Costa da Caparica, Praia do Sol), Cruz Louro, 1937.
Imagem: Cruz Louro

e por outro lado que o Monte de Caparica se visse beneficiado (ainda que às vezes com consequências negativas) com um campus universitário e novas áreas residenciais resultantes do Plano Integrado de Almada.



Um pequeno esclarecimento, também importa referir que a Vila Nova, que esteve para ser criada como freguesia nos anos 80, nada têm de oposição à Caparica ou ao Monte de Caparica, aliás a urbanização da Vila Nova é prévia à da própria sede, pois enquanto o sítio da Igreja só começou a ter prédios urbanos no século XVIII-XIX, passando a ser conhecido como Monte de Caparica no século XIX, dando origem às instituições que consolidaram a sua identidade urbana (como p. ex. o Club Recreativo União e Capricho),

Clube Recreativo União e Capricho Diploma de Sociedade de Educação e Recreio Federada.
Imagem: Associativismo na Caparica

já a Vila Nova é o resultado da fixação na antiga vara do Funchal de pequenos núcleos urbanos (Vila Nova de baixo e Vila Nova de cima) resultantes de emparcelamento na segunda metade do século XVII (que é quando o topónimo aparece) de propriedades do Convento da N.ª Sr.ª da Rosa e de outros senhorios locais, e que naturalmente pela proximidade a dois conventos (Capuchos e Rosa) e da importante quinta e Palácio dos Távoras, certamente daria essa ideia de uma vila nova que então se formava, por oposição das aldeias mais antigas, como a Sobreda, Fonte Santa ou Murfacém…

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa (detalhe), 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Em conclusão, quando nós, que conhecemos e amamos o território de Almada, valorizamos a sua história e cultura, respeitamos as suas gentes e a sua identidade, como consequência deveríamos evitar alimentar ainda mais uma confusão que já é de si bastante perniciosa para uma das partes, e como bem referes desvaloriza o todo do território em benefício de uma parcela, por muito importante que ela seja! 

Antiga equipa do Monte Caparica Atlético Clube.
Imagem: Futebol de Outros Tempos

Nada me move contra a Costa nem contra os seus naturais, mas o seu a seu dono, se os naturais da Costa se queixam, e bem, que a cidade de Almada não tem praias (quando muito estas são do concelho de Almada), certamente compreendem que os naturais do Monte de Caparica, sede da freguesia da Caparica, 

Via Rápida para a Costa da Caparica (detalhe).
Decreto-lei 48 262,  24 de fevereiro de 1968.
Imagem: Diário da República Eletrónico

e das restantes freguesias da região, não gostem quando (na maior parte das vezes por ignorância ou abordagem simplista de outros, que não os almadenses) se confunde Caparica com Costa da Caparica, passando por cima da sua multiplicidade de identidades, patrimónios e culturas, havendo aliás raízes bem distintas, uma mais rural, outra mais marítima!

Monte de Caparica, início dos anos 60.
Imagem: Sónia Martins

O cúmulo desta confusão é tal, que até mesmo estudos académicos, como o recente volume das Memórias Paroquiais dedicado aos Distritos de Lisboa e Setúbal, cometem o mesmo erro, identificando por equívoco ou total incúria, a memória paroquial da Caparica, a denominada "Relação Topográfica da Freguesia de Nossa Senhora do Monte de Caparica" do Pe. José António da Veiga de 1758, como pertencendo à actual freguesia da Costa Caparica!

Vista aérea Monte da Caparica Maio de 2016 (Parrot Bebop Drone)

Em nome do rigor não podia deixar de considerar pouco avisado os critérios de publicação, de um artigo sobre uma colectividade histórica do Monte de Caparica  [CRUC] e da freguesia da Caparica, num blogue ou página que está claramente vocacionado, e bem, sobre a Costa...

Monte de Caparica, placa azulejar toponímica colocada a partir de 1912 pelo Automóvel Club de Portugal.

quanto muito, não colocando em causa a liberdade de escolha de critérios, faria mais sentido que esta publicação  fosse integrada numa página [website] dedicada ao concelho de Almada [Almada Virtual Museum], ou às duas margens do Tejo [Eventualmente Lisboa e o Tejo], ou à Outra Banda ou simplesmente à Caparica! (1)

(1) Rui Manuel Mesquita Mendes, Caparica em 11 de novembro de 2017


Artigos relacionados:
Freguesia de Caparica no século XIX
Indevidamente chamada de Caparica

Publicações online (Junta de Freguesia de Caparica):
Lugares de Caparica
Associativismo na Caparica
Clube Recreativo União e Capricho 100 anos no coração da Caparica
Memórias da Caparica pela Pena de Bulhão Pato

Mais informação:
De Santa Maria do Monte à Caparica actual - Uma viagem por cinco séculos
Lugares da Caparica
História e Património (History and Heritage)
Rui Manuel Mesquita Mendes em ACADEMIA



Resulta o texto acima da discussão com, o amigo e investigador, Rui Manuel Mesquita Mendes, relativamente à publicação referente ao Club Recreativo União e Capricho neste blogue. 

Visto serem públicas algumas das posições debatidas (v. Almada Virtual Museum no Facebook)  e no intuito de que outras por ele apresentadas não se percam como argumentos de discussão, é com o seu acordo que aqui ficam publicadas.

Rui Granadeiro

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