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terça-feira, 7 de maio de 2019

Pescadores de Setubal

Na Costa de Caparica, onde vivem cerca de 4:000 pescadores, deu-se uma grave occorrencia na madrugada de 3 do corrente. 

(Instantaneos do sr. Alberto Lima)
Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, pescadores puxando uma embarcação para terra, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

Os da Costa, surpreendendo quatro galeões e um buque com pescadores de Setubal a pescarem dentro das aguas reservadas pela capitania aos pescadores da Costa, foram estes em dois galeões com 6o homens, ao seu encontro e aprisionaram os de Setubal, metendo-lhe dois galeoes e o buque no fundo, e cortaram-lhe as redes.

Os pescadores de Setubal foram conduzidos para a praia, onde desembarcaram e seguiram para a sua terra, sem que os da Costa os maltratassem. 

(Instantaneos do sr. Alberto Lima)
Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, pescadores lançando uma embarcação ao mar, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

Os prejuizos calculam-se nuns 15:000$000 de réis. Não é a primeira vez que se dão estes casos entre os pescadores de Setubal e os da Costa. 

Ha uns vinte annos deu-se conflito semelhante, e oxalá não se repitam, para que não surjam consequencias funestas. (1)


(1) O Occidente n.° 1066, 10 de agosto de 1908

segunda-feira, 29 de maio de 2017

A Trafaria em 1908

Da Costa de Caparica ha estrada para a Trafaria, e aqui vamos nós agora para esta praia, que é onde melhor se pôde assignalar a acção beneficiente do antigo deputado Costa Pinto na fixação das areias pelo desenvolvimento da vegetação do penisco.

Trafaria, Jardim da matta florestal, ed. Manuel Henriques, 03, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O certo é que hoje a praia da Trafaria é já encimada por uma ampla matta, e que o seu pântano de agua mixta, que occupava uma área de 8 kilometros, foi esgotado, com o que também Lisboa lucrou, pois que as chamadas "febres do Aterro" parece que provinham d'aquelie pântano quando soprava o vento do respectivo quadrante [discurso de Costa Pinto na camará dos deputados, sessão de 17 de março de 1901].

Trafaria, Vista do Largo da Egreja, ed. Manuel Henriques, década de 1900.

A Trafaria, comquanto seja uma povoação irregular, tem algumas ruas direitas, taes como as do Alecrim e dos Valentes; bem como um largo de S. Pedro, onde está situada a capella da invocação do mesmo santo, e onde ha um coreto para a Real Fanfarra Trafariense.

A estrada da Costa, construída em 1888, vem dar a este largo.

Trafaria, Estrada da Costa, ed. Manuel Henriques, 16, década de 1900.
Imagem: Delcampe

As casas em geral são térreas e pequenas, com excepção dos prédios modernamente mandados edificar pelos srs. coronel Chaves d'Aguiar e António Marques de Freitas.

A praia de banhos é boa, está abrigada do norte e a agua é limpa.

Trafaria, ponte dos vapores da Parceria Lisbonense, [Praia de banhos, ed. Manuel Henriques, 2, década de 1900].

As barracas são de madeira, e ha duas pontes de desembarque, uma para os vapores da Parceria Lisbonense, cujas carreiras começam em 1 de julho e findam em 31 de outubro,

Anuncio do Serviço de Carreiras da Parceria dos Vapores Lisbonenses em 1908.

e outra para serviço exclusivo dos fortes. Estes são os de Alpena, infante D. Manuel, Raposeira e Cotovia, cuja guarnição é constituída pelo grupo de artilharia n.° 4, na força de 12 ofliciaes, 15 sargentos e 200 praças.

Trafaria, Entrada da ponte de embarque [serviço exclusivo dos fortes], ed. Manuel Henriques, 4, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Os fortes são servidos por uma estrada militar privativa, que desemboca ao sul da povoação, onde se acha construído o quartel, inaugurado em 23 de janeiro de 1903, e que é a melhor installação que no género possuímos, posto que ainda esteja incompleto.

Trafaria, Quartel do grupo de artilharia n.º 4, ed. Manuel Henriques, 12, c. 1909.
Imagem: Fundação Portimagem

Junto á ponte dos vapores ha um telheiro que serve para arrecadação das galeotas reaes, e o antigo presidio que está sendo adaptado a prisão militar naval.

Trafaria — Vista geral, ed. Martins/Martins & Silva, 1201, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

Foi no antigo presidio que em 1810 falleceu o poeta Domingos Maximiano Torres [Alfeno Cynthio], o qual ali esteve encarcerado como "jacobino".

Funccionam na Trafaria duas fabricas: uma de dynamite fundada em 1873 e que occupa 25 operários; outra de conserva de peixe fundada em 1885, e n'esta trabalham 12 homens.

A Trafaria tem uma associação de soccorros mútuos, creada em 1900, é intitulada de — S. Pedro.

A população normal compóe-se de pescadores, havendo entre elles 24 donos de barcos de pesca. 

Trafaria — Vista geral da praia, ed. J. Quirino Rocha, 06, década de 1900.
Imagem: Delcampe

Na época de banhos estabelecem-se na Trafaria muitas famílias de Lisboa. Ali veranearam durante alguns annos dois escriptcres portuguezes — Luiz Augusto Palmeirim e Ramalho Ortigão. 

Recentemente a Sociedade Cooperativa Trafaria construiu um casino, cuja sala de baile foi inaugurada no verão de 1906.

N'esta mesma sala foi montado um palco. A Sociedade teve em 1908 uma receita de 1.339.745 réis, e já despendeu nas obras do club 5.910.970 réis.

A esta praia concorrem annualmcnte as crèanças protegidas pela Assistencia Nacional aos Tuberculosos.

Trafaria, banhistas na margem do Tejo, Alberto Carlos Lima, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

E o Real Gymnasio Club tem ali aberta, durante a estacão balnear, uma escola de natação.

As solemnidades religiosas que se celebram na Trafaria são a festa de S. Pedro, a procissão dos Passos e a da Senhora da Conceição em 15 de setembro.

Trafaria, Vista da Enxurrada, ed. Manuel Henriques, 9, década de 1900.
Imagem: Delcampe

São dignas de menção nos arredores d'esta praia as quintas de Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora do Monte do Carmo e da Corvina.

Ha na povoação alguns estabelecimentos commerciaes, sendo os melhores os de Manuel Henriques e José António da Rocha.

Trafaria, Valle da Enxurrada, ed. J. Quirino Rocha, 3, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O fac-totum da Trafaria, com quem todos os banhistas se entendem, é o banheiro António Maria da Rocha, por alcunha o Hersent.

A povoação tem escola de instrucção primaria, uma estação telegrapho-postal e um posto de fiscalisação. Ha um restaurante — de Alves Ramos.

No sitio da Trafaria mandou o cardeal D. Henrique fundar um lazareto por alvará de 7 d'agosto de 1665. O logar escolhido era uma terra que pertencia a Gaspar da Rua.

No reinado de D. João V, precedendo consulta do senado da camará de Lisboa, foi ordenado que se ampliasse o recinto do lazareto por decreto de 19 de novembro de 1711. Esta ordem não teve logo effeito, e por isso o decreto de 9 de dezembro de 1713 a renovou.

O forte da Trafaria já desde o tempo de D. Pedro II servia para se armazenarem n'elle as mercadorias em quarentena.

Trafaria (Portugal), Vista geral e rio Tejo, ed. Martins/Martins & Silva, 28, década de 1900.
Imagem: Fundação Portimagem

O serviço de desinfecção, que consistia no assoalhamento das mercadorias, era desempenhado pelos officiaes da saúde do porto de Belém, e custeado pela municipalidade, que para esse fim tinha receita própria. Foi em 1815 que o lazareto passou da Trafaria para a Torre Velha de S. Sebastião de Caparica. (1)


(1) Alberto Pimentel, A Estremadura portuguesa, Volume II, Lisboa, Empreza da História de Portugal, 1908, 539 págs.

Mais informação:
Trafaria 1900, cliché Faustino António Martins
Ponte dos vapores da Trafaria
Trafaria e Cova do Vapor em 1946

quinta-feira, 27 de abril de 2017

Tempo seguro

Acudiram á Costa as negras de sardinha. 
Remédio salvador da gente pobresinha, 
Que andava na penúria ha pouco n'esta terra!

Costa da Caparica, Adriano de Sousa Lopes (1879 - 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Venha o norte a puchar dos píncaros da serra; 
Voltemos, com o arado, o flórido ervaçal. 
Correndo tempo assim pinta um anno real!

Costa da Caparica, Adriano de Sousa Lopes (1879 - 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Deus o traga! As paixões, na sanha rancorosa, 
Andam-se a remorder; emquanto na cardosa, 
Na volta do trabalho, alegres os ganhões, 
Aquentam á lareira as mãos e os corações!

Costa da Caparica. Pescadores puxando as redes, Adriano de Sousa Lopes (1879 - 1944).

Não podem entender, 
Na sua ingenuidade, os ecos taciturnos, 
Que chegam do paiz diários e nocturnos; 
Ecos para tremer!

Costa da Caparica, Manhã na praia da Caparica, Adriano Sousa Lopes (1879 — 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

O tempo vae seguro. 
N'ete profundo azul que vence os Apeninos, 
Na graça e no primor de dias crystalinos, 
A tragedia refoge!... O futuro? O futuro?! (1)


(1)  Bulhão Pato, Faíscas de fogo morto, Lisboa, Typ. da Academia Real das Sciências, 1908

Tema: Bulhão Pato