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terça-feira, 14 de julho de 2020

Ercília Costa, Antigamente

O Fado tem em Ercília Gosta uma das suas mais legitimas e fieis intérpretes. "Sereia peregrina do Fado", no dizer de alguns críticos, "Santa do Fado", no dizer de outros, Ercília Gosta é indubitavelmente uma grande cantadeira. 

Ercilia Costa (1902-1985).
Museu do Fado

Filha de gente do mar, teve por berço essa linda praia da Costa de Caparica, e foi de certo ali, embalada pelo murmúrio do Oceano, que a sua linda voz, que nos recorda a da saudosa Maria Vitória, aprendeu a cantar o Fado.

Ercília canta admiravelmente todos os fados, repassando-os dum profundo sentimento, escolhendo para cantar os versos mais simples da poesia popular — dessa poesia que ela sabe sentir e reflecte como um espelho a alma do povo.

Começando desde muito nova a cantar o Fado, não tardou a impôr-se pela sua voz de fadista primorosa. Portugal inteiro a conhece e admira, e ainda recentemente, no Brasil, Ercília teve ensejo de ver quanto é querida e apreciada não só pelos seus patrícios como pelo povo brasileiro.


Tem cantado em quasi todos os teatros do pais, em algumas casas fidalgas e, que nos lembre, gravou os seguintes discos: "Fado dois tons", "O meu filho", "Rosas", "Fado sem pernas", "Fado Ercília", "Fado Aida", "Fado Tango", "Saudades", "Fado Lisboa", "Divina Graça", "A minha vida", "Desilusão", "Um desgosto", "Amor de Mãi", "Fado Corrido", "Negros Traços", "A desgarrada", com o dr. Antonio Menano e Joaquim Campos, e "Fado da Mouraria", também com Joaquim Campos.

Quando há anos se realizou em Lisboa um desafio de football Portugal Espanha, reuniram-se numa ceia de confraternização, no restaurante Boina, diversos jornalistas desportivos, portugueses e estrangeiros, tendo sido Ercília Costa e o seu colega Filipe Pinto convidados a assistir a essa festa.


Ambos cantaram de tal modo, engrinaldando de sentimento os seus versos, que alguns dèsses estrangeiros que não conheciam o Fado, se declararam maravilhados, aplaudindo delirantemente a gentil portuguezinha e o seu colega. 

Decorrido bastante tempo, Ercília Costa ainda era assediada por alguns dêsses jornalistas estrangeiros, que lhe escreviam recordando essa noite memorável e pedindo lhe autógrafos e discos das suas criações.


Em sua homenagem, depois do seu recente regresso das Terras de Santa Cruz, foram-lhe oferecidas duas festas: no salão de Chá, do Café Chave de Ouro e no Retiro da Severa, em que Ercília Costa, pela selecta assistência que a elas acudiu, mais uma vez teve ensejo de ver quanto o público a estima.

Do seu reportório que Ercília escolhe escrupulosamente as seguintes quadras do poeta popular João da Mata:

ANTIGAMENTE

Antigamente era uso 
Jantar-se fora de portas,
E cantar-se o fado luso
Na sombra amena das hortas.

Preparavam se os farnéis, 
Combinado de antemão: 
Uns tratavam dos pasteis, 
Outros do vinho e do pão... 

Uma carroça enfeitada 
De palmeiras verdejantes, 
Levava a rapaziada 
Para o sitio dos descantes. 

Animação, algazarra, 
No banquete improvisado...
Até que a voz da guitarra
Vinha anunciar o Fado!

Toda a gente se calava,
E a garganta fresca e bela
Dum cantador modulava
Uma cantiga singela. (1)


(1) A Victor Machado, Ídolos do fado, Lisboa, Tip. Gonçalves, 1937

Artigos relacionados:
Ercília Costa (1902-1985)
Rosa Costa, A minha paixão
Caparicanas

Outras referências:
Ercília Costa no Museu do Fado
Livro "Ercília Costa - Sereia Peregrina do Fado" no facebook
Ercília Costa no YouTube
Ercília Costa em Discogs

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Pera

A propriedade, ou como é dito na língua portuguesa a Quinta, está situada numa parte do país que, pela sua fertilidade, recebeu o nome de Capa Rica ou Rico Manto. Esta freguesia forma uma espécie de península ou língua de terra que se projeta para oeste, situada entre o rio Tejo, no seu lado norte, e o Atlântico, a sul, que aqui faz a baía tão familiar a todos os lisboetas e que se estende desde a foz do Tejo até ao Cabo Espichel.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1903.
Imagem: IGeoE

A Quinta situa-se cerca de uma milha a partir da extremidade ocidental desta língua de terra, e quase a uma distância igual a partir do Tejo e do Atlântico. O nome de Pera foi-lhe dado a ele a partir da abundância de peras anteriormente produzidas na sua vizinhança. A casa não era nem bonita, nem grande nem cômoda, mas cerca de vinte anos atrás, foi consideravelmente ampliada pela construção de uma outra divisão, que foi feita pelo falecido Presidente, o Right Rev. Monsenhor Baines [bispo eq.], e, atualmente, é suficientemente grande para acomodar, sob seu teto, todos os internos do Colégio. 

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

No piso térreo é composta por uma adega razoavelmente grande, notável pela sua frescura, usada para o armazenamento dos barris de vinho e os quartos destinados ao alojamento do caseiro ou fazendeiro e seus trabalhadores. No primeiro andar há uma boa cozinha, uma pequena capela, e seis quartos, um dos quais é grande e serve como um refeitório quando a comunidade aí está. No andar superior são quartos para os Superiores e o dormitório. Os espaços exteriores consistem numa destilaria nova e limpa, adega, lagar, e estábulo.

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

A simplicidade do edifício é amplamente compensada pelo cenário encantador que o rodeia. Indo de leste para oeste, situa-se a meio caminho da encosta norte de um belo vale, ou melhor, depressão com cerca de uma milha de diâmetro, com colinas opostas suavemente inclinadas, e de quase igual altura embora sem grande elevação, estendendo em direcção oeste, até ao Atlântico cujas margens sobrepõe. Todo o vale é vestido, desde a sua base ao seu bordo, com vinhas intercaladas aqui e ali com campos de milho.

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

Inúmeras casas brancas estão espalhadas nos lados suavemente inclinados, enquanto no cume das colinas podem ser vistos ao sudoeste uma igreja e um convento, agora, infelizmente, em ruínas e servindo como celeiro mas que até a supressão das ordens religiosas foi ocupado pelos frades da Ordem de S. Francisco.

Caparica, Convento dos Capuchos, década de 1900.
Imagem: Hemeroteca Digital

A sul, frente à Quinta, a cena é variada, aldeias, moinhos de vento, e pequenas plantações de pinheiros, enquanto a norte, atrás da Quinta encontram-se as duas vilas de Pera, cada um com seu moinho de vento. Pelo meio do vale passa uma estreita estrada pública ladeada de canas, que lhe dão a aparência de um riacho. 

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, vista sul, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

Na extremidade ocidental onde o vale atravessa as colinas, e à distância de cerca de uma milha, uma parte do Atlântico é avistável, o rugido oco das ondas que batem na costa é incessantemente ouvido.

Vista de Caparica, tomada dos Capuchos, anterior aos trabalhos de construção do IC 20.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Vista de Caparica tomada dos Capuchos, após os desaterros no vale cego de Brielas para a construção do IC 20.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Imediatamente abaixo da Quinta fica a casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, que, meio escondida atrás de um tufo de altas árvores antigas, forma um objeto pitoresco, especialmente numa noite de verão, quando como nos tempos antigos o gado era deixado solto para se alimentar nos campos vizinhos. 

Caparica, Pera, casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

O vale é refrescado durante os calores do verão pela brisa do mar que entra na abertura a oeste, e o local é tão salutar que os seus habitantes geralmente chegam a uma velhice extrema. As terras do Colégio, que consistem quase inteiramente de vinhas ficam em volta da casa, estendendo-se desde o cume da colina norte, sobre a qual fica, até à estrada a sul, que atravessa o meio do vale . De tempos a tempos, conforme as oportunidades, apareciam acrescentos de terra, que por compra, eram feitos à propriedade original.

Encantador como este lugar de beleza natural, o amor dos filhos de Lisboa para com a Quinta deve ser procurado em dias felizes nos quais eles possam olhar para trás durante a "quinzena em Pera", que anualmente em setembro, a Comunidade aí passa.

A liberdade absoluta e sem contenção, que a reclusão da freguesia em que a Quinta está situada, torna possível o relaxamento da rigorosa disciplina do Colégio, a deliciosa sensação do "dolce far niente", que sucede à grave tensão mental da preparação para exames; a suave atmosfera ainda pura, revigorante e enriquecida carregada pela brisa a partir da ampla extensão do Atlântico, conferem um charme especial para as duas ou três semanas que aí são anualmente gastas lá, e que são familiarmente conhecida como "tempo da Quinta ".

Jardins do Colégio em Lisboa, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

A estas devem ser adicionadas a beleza da paisagem com "grupos de vinha nas colinas e suas frequentes divagações pelo vale [They had oft rambled forth along the vale...]", e os inúmeros pontos de interesse e de extrema beleza que se encontram ao alcance de um agradável passeio à noite .

Learn Your Homophones: Pear, Pair, and Pare
Imagem: grammarly

A simples menção do cume das alturas escarpadas que aqui formam a linha de costa, defrontando o vasto Atlântico, será suficiente para trazer de volta uma série de aprazíveis reminiscências a cada sucessiva geração de estudantes de Lisboa.

A Praia do Sol, Panorama dos Capuchos, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 107, década de 1930.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Para ver os resistentes pescadores puxar com as suas redes o tributo prateado exigido ás águas prolíficas, ou para passear ao longo da costa desolada e contemplar as ondas a arfar e a curvar soberbas, enquanto gradualmente se aproximam, como que impacientes de contenção, e, soando oco, se joguem furiosamente contra a praia, foram fontes de prazer que repetidas visitas nunca roubaram a sua frescura.

A Praia do Sol, Alando a rede, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 106, década de 1930.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Aqui os grandiosos aspetos da natureza desvelam-se à vista, e o poderoso oceano poderia ser estudado nos seus humores sempre variáveis. (1)


(1) Croft, William, 1836-1926; Gillow, Joseph, 1850-1921; Kirk, John, 1760-1851 Historical account of Lisbon College, 1902, St. Andrew's press, Barnet

Informação relacionada:
Pontifical English College of Sts Peter and Paul - Lisbon

terça-feira, 12 de junho de 2018

Caparicanas

Ercília Costa (1902 - 1985)

No inicio do nosso século havia um pescador caparicano que nas horas de ócio dedilhava a guitarra. Tocava e desabafava, inconformado com aquilo que, na sua singeleza, chamava triste sina...

A Praia do Sol, As primitivas barracas dos pescadores, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 111
Imagem: Delcampe

Havia constituído lar, e nele nasceram três meninas. Uma, a mais viva, de nome Ercília, muito cedo brincou com a guitarra e cantarolou, numa inocente imitação do progenitor. Aos quatro anos, acompanhava a mãe quando esta viajava até Lisboa, e durante a travessia do Tejo, nos vapores da carreira, lá os passageiros achavam graça às cantigas da pequenita, presenteando-a com moedas de cobre. Foram os primeiros aplausos e os primeiros ganhos da futura actriz-cantora.

Mais mulherzinha, veio residir em Lisboa e aprendeu o ofício de costureira de alfaiate. E tudo parecia ser mais uma rica vocação abortada pelo condicionalismo do dia-a-dia.

Ercília Botelho Farinha Salgueiro nasceu na Costa de Caparica a 3 de Agosto de 1902. Filha de Manuel Farinha e de D. Virgínia Maria Botelho. O apelido de Salgueiro adoptou-o apos o casamento com o funcionário bancário José Salgueiro, falecido em 27 de Junho de 1977.

Mas a vocação da jovem Ercília não se iria perder, e o interregno acabaria no dia em que, estando a trabalhar no oficio, alguém (ouvindo-a cantar...) lhe pergunta se queria tomar parte num coro de alunos do Conservatório Nacional, ali perto à Rua dos Caetanos. Tratava-se do Auto do Fim do Dia, prova de exame que teria lugar dali a dias no Teatro de S. Carlos.

O mestre da oficina dispensou-a por umas horas, e a bela voz de Ercília logo foi notada no improvisado coro. Dirigiam os ensaios o Maestro Hermínio do Nascimento, na parte musical, e Mestre António Pinheiro, quanto ao poema. E todos foram unânimes em classificar de esplêndida aquela voz surpreendida numa oficina de alfaiate.

Várias circunstâncias impediram a incipiente cantora de se cultivar. Rapariga pobre, nunca poderia empatar sete anos nos estudos. Mas uma nova oportunidade iria surgir pouco depois e, em 1928, estimulada pelos actores Mario Campos e Eugénio Salvador teste ao tempo doublé de futebolista do 1." team do Sport Lisboa e Benfica). começou a cantar o fado e outras canções.

Ercilia, que, entretanto, se baptizara como artista, unindo o primeiro nome ao da sua terra natal, passou a ser anunciada e conhecida por Ercília Costa.

Ercília Costa.
Imagem: du bleu dans mes nuages

Primeiro cantou fados no Olimpia, de Lisboa. Ferro de Engomar, em Benfica. e nos conhecidos retiros da Capital Café Luso, Solar da Alegria e Retiro da Severa. Dois meses após a sua estreia, gravou discos para a Brunswich e Odéon e, terminada essa tarefa, estreou-se no teatro, contratada pelo empresário José Loureiro.

Entretanto, recebia o cartão de artista de variedades. No Trindade, estreou-se na revista A Cigarra e a Formiga. Tempos depois, na Feira da Luz, no Apolo; no Variedades, com Satanela, Raul de Carvalho e Assis Pacheco no Canto da Cigarra; no Coliseu dos Recreios, na História do Fado; no Avenida, no Fogo-de-Vistas; no Maria Vitória, no Rei dos Fadistas: de novo no Coliseu, no Fim do Mundo e Última Maravilha.


Em 1931, visitou as Ilhas, tendo representado em todos os teatros da Madeira e Açores. Depois ici percorrendo todos os palcos do Minho ao Algarve. Em 1934, esteve presente em Vigo, nas festas luso-galaicas, aquando da inauguração da estátua a Camões: e segue logo para Madrid, onde actua em teatros e grava um disco no mesmo dia e na mesma firma em que gravava o argentino Carlos Gardel.

Ercilia é do tempo em que o artista actuava sem o auxílio do microfone. Então era exigido ao cantor, para lá do valor e da qualidade da peça a executar, um domínio absoluto sobre o auditório.

A forte personalidade do cantor tornava-se um factor de extrema importância. Ercilia Costa tinha esta última qualidade em elevado grau, ao ponto de, no enorme Coliseu dos Recreios, com a lotação esgotada (6000 espectadores), quando ela cantava, não se ouvia sequer uma mosca...

Um aspecto da formidável enchente do Coliseu dos Recreios, em cujo palco foi representada a revista O Fim do Mundo, com a participação de Ercília Costa e Leonor d'Eça, 1934.Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

E, como a sua concentração, nesses momentos de transe, a levava, mimicamente, a pôr as mãos como numa prece, alguém, impressionado, disse um dia que ela parecia uma santa a cantar o fado...

Diante do microfone, Ercília foi uma pioneira: no Posto Radiofónico CT1AA, de Abílio Nunes dos Santos, dos Grandes Armazéns do Chiado, foi o primeiro artista a actuar para ser ouvido no estrangeiro.

A nossa biografada, para lá do valor das orquestras que com ela colaboraram em inúmeros espectáculos e audições, pede que não nos esqueçamos do espantoso Armandinho, cuja guitarra por si dedilhada se transformava num coração humano com vida própria.


Quando do seu funeral, Ercília pediu licença à viúva do grande guitarrista para lhe beijar as mãos.

Continuando a citar os vários países e lugares onde a actriz-cantora actuou, temos que: em 1936, foi pela primeira vez ao Brasil, integrada na Companhia de Revista Adelina Abranches-Eva Stachino; por mais duas vezes visitou este país, em 1938 e 1945; nestas digressões percorreu de lés a lés a grande nação sul-americana.

Em 1937, esteve na Exposição Universal de Paris, actuando numa récita de gala no Teatro Campos Elisios, cantando ainda na emissora Rádio-Parisiènne. Em 1939, cantou na Exposição Mundial de Nova Iorque, demorando-se um ano na América do Norte, onde visitou 26 estados, indo até à Califórnia. Voltou aos Estados Unidos oito anos depois. Bing Crosby, Gary Cooper, Leo Carrillo e outros astros de Hollywood foram seus admiradores, presenteando-a com elogiosos autógrafos nas suas fotografias.

Ercilia Costa foi, no seu tempo, o artista português que gravou mais discos, sendo ainda (e isto constitui uma curiosa revelação...) a autora de várias músicas dos seus fados.

Interpretou dois filmes: Amor de Mãe, para a Aguia Filme, e Madragoa, de Perdigão Queiroga.




Leonor de Eça (1905 -1940)

Leonor da Cunha Eça Costa e Almeida veio ao mundo na Caparica a 8 de Agosto de 1905. Filha de João Lopo da Cunha de Eça e Almeida e de D. Maria Madre de Deus Dinis Almeida.

Leonor de Eça,
Margarida no filme As Pupilas do Senhor Reitor,
Leitão de Barros, 1935.
Imagem: Hemeroteca Digital

Actriz teatral e cinematográfica. Estreou-se em Abril de 1926 no Teatro Nacional, substituindo a actriz Ester Leão na protagonista de O Amor Vence, onde obteve êxito.

Desempenhou cerca de duas dezenas de papéis neste palco, dirigido por Amélia Rey Colaço e Robles Monteiro. Foi duas vezes ao Brasil e trabalhou em quase todos os teatros de Lisboa, Porto e outras cidades.

A chegada, a Lisboa, da artista brasileira Aracelis Castor Bastos, na foto Estêvão Amarante, Aracelis Castor Bastos, Maria Velez, Maria Castelar, Leonor de Eça, Raul de Carvalho, 1936.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

No cinema, toma parte nos filmes As Pupilas do Sr. Reitor, de Leitão de Barros, e Pão Nosso, de Armando de Miranda. No primeiro filme foi premiada no Rio de Janeiro pelo seu desempenho de "Margarida". (2)




(1) Correia, Romeu, Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada, (nas Artes, nas Letras e nas Ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, 316 págs.
(2) Idem 

Informação relacionada:
Interpretações de Ercília Costa
Leonor de Eça no Dicionário do Cinema Português de Jorge Leitão Ramos

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A Boca-do-Grilo

A rocha estava já em frente — paredão barrento, alcantilado, com ladeira aberta por milhentas chuvas, escavadas por pés teimosos do mesmo trilho.

Variante à Estrada Nacional 377 (detalhe), zona da Boca do Grilo.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Ladeada de afusados eucaliptos, a estrada de asfalto torcia para a direita, arrastando depois o caminhante a desmedido ziguezague.

A Praia do Sol - Uma vista parcial. Subida para os "Capuchos", ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 110.
Imagem: Fundação Portimagem

Por isso, elas optavam sempre pelo caminho de cabras da Boca-do-Grilo, ladeira íngreme e pedregosa como o Inferno — mas, em quatro arrancos, punham-se lá em cima. (1)

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902
Imagem: IGeoE

Com a sardinha, empilhada,
Inda saltando vivaz,
Vem de cestinha avergada;
E lá de baixo, da praia,

Costa da Caparica, Alfredo Keil (1851 - 1907).
Imagem: Palácio do Correio Velho

E sobe a pino o almaraz;

Sentinelas ou Guardas avançadas, Caparica, Falcão Trigoso, 1935.
Imagem: Palácio do Correio Velho

Mas nem por sombras cançada! (2)


(1) Romeu Correia, Calamento, Lisboa, Editorial Minerva, 1950.
(2) Bulhão Pato, Livro do Monte, georgicas, lyricas, 1896, Typographia da Academia, Lisboa.

sábado, 16 de julho de 2016

Ercília Costa (1902-1985)

No inicio do nosso século havia um pescador caparicano que nas horas de ócio dedilhava a guitarra. Tocava e desabafava, inconformado com aquilo que, na sua singeleza, chamava triste sina...

A Praia do Sol, As primitivas barracas dos pescadores, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 111
Imagem: Delcampe

Havia constituído lar, e nele nasceram três meninas. Uma, a mais viva, de nome Ercília, muito cedo brincou com a guitarra e cantarolou, numa inocente imitação do progenitor.

Aos quatro anos, acompanhava a mãe quando esta viajava até Lisboa, e durante a travessia do Tejo, nos vapores da carreira, lá os passageiros achavam graça às cantigas da pequenita, presenteando-a com moedas de cobre. Foram os primeiros aplausos e os primeiros ganhos da futura actriz-cantora.


O vapor Victória.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Mais mulherzinha, veio residir em Lisboa e aprendeu o ofício de costureira de alfaiate. E tudo parecia ser mais uma rica vocação abortada pelo condicionalismo do dia-a-dia.

Ercília Botelho Farinha Salgueiro nasceu na Costa de Caparica a 3 de Agosto de 1902. Filha de Manuel Farinha e de D. Virgínia Maria Botelho. O apelido de Salgueiro adoptou-o apos o casamento com o funcionário bancário José Salgueiro, falecido em 27 de Junho de 1977.

Mas a vocação da jovem Ercília não se iria perder, e o interregno acabaria no dia em que, estando a trabalhar no oficio, alguém (ouvindo-a cantar...) lhe pergunta se queria tomar parte num coro de alunos do Conservatório Nacional, ali perto à Rua dos Caetanos. Tratava-se do Auto do Fim do Dia, prova de exame que teria lugar dali a dias no Teatro de S. Carlos.

O mestre da oficina dispensou-a por umas horas, e a bela voz de Ercília logo foi notada no improvisado coro. Dirigiam os ensaios o Maestro Hermínio do Nascimento, na parte musical, e Mestre António Pinheiro, quanto ao poema. E todos foram unânimes em classificar de esplêndida aquela voz surpreendida numa oficina de alfaiate.

Várias circunstâncias impediram a incipiente cantora de se cultivar. Rapariga pobre, nunca poderia empatar sete anos nos estudos. Mas uma nova oportunidade iria surgir pouco depois e, em 1928, estimulada pelos actores Mario Campos e Eugénio Salvador teste ao tempo doublé de futebolista do 1.° team do Sport Lisboa e Benfica, começou a cantar o fado e outras canções.

Ercilia, que, entretanto, se baptizara como artista, unindo o primeiro nome ao da sua terra natal, passou a ser anunciada e conhecida por Ercília Costa.

Ercília Costa.
Imagem: du bleu dans mes nuages

Primeiro cantou fados no Olimpia, de Lisboa. Ferro de Engomar, em Benfica. e nos conhecidos retiros da Capital Café Luso, Solar da Alegria e Retiro da Severa. Dois meses após a sua estreia, gravou discos para a Brunswich e Odéon e, terminada essa tarefa, estreou-se no teatro, contratada pelo empresário José Loureiro.

Entretanto, recebia o cartão de artista de variedades. No Trindade, estreou-se na revista A Cigarra e a Formiga. Tempos depois, na Feira da Luz, no Apolo; no Variedades, com Satanela, Raul de Carvalho e Assis Pacheco no Canto da Cigarra; no Coliseu dos Recreios, na História do Fado; no Avenida, no Fogo-de-Vistas; no Maria Vitória, no Rei dos Fadistas: de novo no Coliseu, no Fim do Mundo e Última Maravilha.


Em 1931, visitou as Ilhas, tendo representado em todos os teatros da Madeira e Açores. Depois ici percorrendo todos os palcos do Minho ao Algarve. Em 1934, esteve presente em Vigo, nas festas luso-galaicas, aquando da inauguração da estátua a Camões: e segue logo para Madrid, onde actua em teatros e grava um disco no mesmo dia e na mesma firma em que gravava o argentino Carlos Gardel.

Ercilia é do tempo em que o artista actuava sem o auxílio do microfone. Então era exigido ao cantor, para lá do valor e da qualidade da peça a executar, um domínio absoluto sobre o auditório.

A forte personalidade do cantor tornava-se um factor de extrema importância. Ercilia Costa tinha esta última qualidade em elevado grau, ao ponto de, no enorme Coliseu dos Recreios, com a lotação esgotada (6000 espectadores), quando ela cantava, não se ouvia sequer uma mosca...

Um aspecto da formidável enchente do Coliseu dos Recreios, em cujo palco foi representada a revista O Fim do Mundo, com a participação de Ercília Costa e Leonor d'Eça, 1934.Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

E, como a sua concentração, nesses momentos de transe, a levava, mimicamente, a pôr as mãos como numa prece, alguém, impressionado, disse um dia que ela parecia uma santa a cantar o fado...

Diante do microfone, Ercília foi uma pioneira: no Posto Radiofónico CT1AA, de Abílio Nunes dos Santos, dos Grandes Armazéns do Chiado, foi o primeiro artista a actuar para ser ouvido no estrangeiro.

A nossa biografada, para lá do valor das orquestras que com ela colaboraram em inúmeros espectáculos e audições, pede que não nos esqueçamos do espantoso Armandinho, cuja guitarra por si dedilhada se transformava num coração humano com vida própria.


Quando do seu funeral, Ercília pediu licença à viúva do grande guitarrista para lhe beijar as mãos.

Continuando a citar os vários países e lugares onde a actriz-cantora actuou, temos que: em 1936, foi pela primeira vez ao Brasil, integrada na Companhia de Revista Adelina Abranches-Eva Stachino; por mais duas vezes visitou este país, em 1938 e 1945; nestas digressões percorreu de lés a lés a grande nação sul-americana.

Em 1937, esteve na Exposição Universal de Paris, actuando numa récita de gala no Teatro Campos Elisios, cantando ainda na emissora Rádio-Parisiènne. Em 1939, cantou na Exposição Mundial de Nova Iorque, demorando-se um ano na América do Norte, onde visitou 26 estados, indo até à Califórnia. Voltou aos Estados Unidos oito anos depois. Bing Crosby, Gary Cooper, Leo Carrillo e outros astros de Hollywood foram seus admiradores, presenteando-a com elogiosos autógrafos nas suas fotografias.

Ercilia Costa foi, no seu tempo, o artista português que gravou mais discos, sendo ainda (e isto constitui uma curiosa revelação...) a autora de várias músicas dos seus fados.


Interpretou dois filmes: Amor de Mãe, para a Aguia Filme, e Madragoa, de Perdigão Queiroga.


(1) Correia, Romeu, Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada, (nas Artes, nas Letras e nas Ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, 316 págs.

Informação relacionada:
Interpretações de Ercília Costa