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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O padre Mathias (não Matheus...) da Sobreda

Por escrupulosa prudencia deixámos de publicar no passado número o que na vespera acontecêra com o façanhoso Padre Mathias (Matheus lhe chamam erradamente os impressos e o povo) e de que já hoje vai cheia toda a cidade.

António Feliciano de Castilho director da Revista Universal Lisbonense (1841-1845)

O nosso artigo que já estava composto era em todas suas partes exactissimo: como porém grave, e de escandalo, fôsse o seu assumpto e as provas, hoje superabundantemente accumuladas, ainda então não existissem, entendemos que se no callar totalmente o facto desfalcavamos a nossa folha, no amadurecel-o para a publicidade nos desempenhavamos de um dos principaes deveres de jornalistas.

Revista Universal Lisbonense

Sahimos tardios com a notícia, compensaremos esse desar com a brevidade da narração.

Na manhã de 11 d’este Maio, aparelhava-se, para dizer missa na freguezia da Encarnação o Padre Mathias Antonio. Havia quatro mezes que elle ahi exercitava essa e outras funcções do sacerdocio com venia e boa paz do Reverendo Prior, a quem para esse fim exhibira uma licença assignada pelo Em.mo Patriarcha D. Patricio. Alguns Padres d’aquella e das visinhas Parochias o tractavam como a bom collega; e os fieis o haviam em conta de mui digno do oficio, que muito curiosamente preenchia, de prégador e confessor. 

Lisboa, Liga Naval e Egreja da Encarnação, Faustino António Martins s/n,  c. 1900.
Delcampe

Testimunhas porém, em segredo convocadas por uma denúncia dada contra elle, entram com o Regedor da Parochia pela Sacristia, e afirmam em sua presença reconhecerem-n'o por leigo. Mathias os combate, primeiro com o escarneo, depois com as injurias; mas o contradictorio de algumas de suas coarctadas, e sobre tudo a perturbação de animo, que vislumbra por todas suas feições e gestos, corroboram a accusação. 

O Regedor requer do accusado a apresentação de titulos, que o abonem de sacerdote; elle lheresponde que os tem em sua casa: partem ambos para lá, mas quasi chegados á porta lhe diz — que esses papeis de repente lhe lembra que param na Secretaria d'Estado com um requerimento em que anda para certa Igreja: — o Regedor lhe dá a voz de preso. — Levado perante o Administrador do 4.° Julgado presiste denodadamente na sua afirmativa: chega até como quer que seja a proval-a com testimunhos, um vocal, outro escripto, de pessoas respeitaveis.

Biblioteca Nacional de Portugal
Confuso o magistrado com a promptidão e naturalidade com que o accusado solve dúvidas e rebate argumentos; mas não ainda interiormente convencido, remette-o prêso para o chefe espiritual do districto; afim de que pela camara ecclesiastica se possam haver as necessarias informações. — Mathias se dissera religioso dos eremitas descalços do convento da Sobrêda; ... nos assentos do archivo lá se encontra Mathias religioso dos eremitas descalços do convento da Sobreda.

Dissera haver sido cura na freguezia da Gollegãa; ... o registo da carta, em que se lhe esse beneficio conferia, não menos apparece. — O Prelado receando, como varão prudente e virtuoso, o vêr exposto um innocente á vergonha, e um presbitero á prisão e rigores da justiça, intercede com a auctoridade, para que sem prejuizo de ulteriores indagações, deixe pernoitar, solto, em sua casa o accusado, que prometera provar no dia seguinte por confrades seus da Sobreda a veracidade da sua, em apparencia mui ingenua, deposição.

Nessa noite o administrador, que promptamente se rendeu aos desejos do Sr. Patriarcha, manda a casa do enigmatico personagem: — encontram-no serenamente adormecido: — este somno acaba quasi de completar a prova de sua innocencia. No dia seguinte Mathias e os seus poucos teres haviam desapparecido. — No Campo de Santa Anna foi visto vender a um adello alguns objectos: — de tarde atravessar o Paço do Lumiar em companhia de uma mulher e dirigir-se pelo caminho de Carnide. 


Lisbonne, Ports de Mer d'Europe, Deroy, Turgis Jne, c. 1840.
Frame

Para toda a parte se expediram de repente ordens contra ellle de prisão com os signaes da pessoa declarados. — Idade uns 44 annos; altura ordinaria; rosto comprido e secco; olhos grandes e azues; nariz regular; cabello preto ondeado; barba preta e cerrada; e todo elle de proporções seccas. 

Emquanto viaja; e algum dos mil braços da justiça o não empolga; digamos a nossos leitores o que a seu respeito se tem podido averiguar.—Mathias Antonio, de obscura geração e filho de um pedreiro, foi pedreiro; miliciano; soldado de cavallaria um; de infanteria um; de provisorios; pintor; ferro-velho; e sombreireiro! — de tudo ha documentos. — Não contente com esta encyclopedia profana de artes e officios, ordenou-se a si mesmo: — foi cura; capellão em varias casas e freguezias, no que se houve com tanta actividade, que muitos dias passavam de tres as suas missas — uma na estrada da Charneca — outra na Encarnação — outra na rua Formosa — outra em Santa Izabel etc.

Rua do Século (antiga Rua Formosa), Lisboa Velha de Roque Gameiro.
roquegameiro.org

Foi pregador e de fama; confessor e bem afreguezado; acompanhador de enterros etc. Finalmente, desejoso de que nenhuma cousa lhe ficasse por experimentar; e cubiçando reunir em si o mais possível de sacramentos — casou — enviuvou; — tornou a casar; e tornou ainda a casar com terceira mulher, tendo viva a segunda: — deixou as duas por uma quarta, com quem não casou: — e parece, que já não foi com a mesma quarta que desappareceu.

Ouvimos que a um dos soldados, que o escoltaram nos seus trabalhos do dia 11, dissera elle; — sou padre e hei-de proval-o; mas que o não fosse, que tinha ninguem com isso? — ou temos liberdade, ou a não temos; se a temos, deixem exercer a cada um a industria que bem lhe parece!

Assim se abusa das duas mais sanctas cousas do mundo — da Liberdade, que humanisa a Religião — da Religião, que sanctifica a Liberdade!! (1)


(1) Um padre feito à pressa, Revista Universal Lisbonense n° 33, 19 de maio de 1842

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Convento de Nossa Senhora da Assunção dos Eremitas Descalços de Santo Agostinho

A Santa Reforma de Agostinhos Descalços principiou neste Reino em 2 de Abril de 1663, cuja intro-ducçaõ teve origem na religiosa piedade da Serenissima Senhora D. Luiza, Rainha de Portugal, Mulher d'El-Rei D. João IV. a qual desejando retirar-se do Seculo, e fundar semelhante Reforma, communicou este seu pensamento com o seu Confessor o insigne Fr. Manoel Poeiros, Religioso neste tempo de Nossa Senhora da Graça, o qual naõ sómente lhe approvou aquelle santo projecto, mas lhe persuadiu, que para a subsistencia do tal Mosteiro se lhe fazia preciso haver outro de Religiosos da mesma Ordem.

Retrato Luisa Francisca of Guzmán and Medina Sidonia (1613-1666), atríbuido a Alonso Cano, c. 1630-1635.
Revista Goya

Este conselho adinittio a Serenissima Rainha, e fazendo-o pôr em execuçaô, foi o dito Confessor o primeiro, que com licença do Geral da Ordem vestio o habito da Reforma, e se chamou Fr. Manoel da Conceiçaõ.

Hathi Trust Digital Library
Com elle lambem vestira o mesmo habito cinco Religiosos do mesmo Convento de Nossa Senhora da Graça, insignes em letras, e em virtudes. Fez-se esta funcçaõ em dia de Nossa Senhora dos Prazeres na Ermida de D. Gastaõ Coutinho, onde se descalçáraõ, e tomáraõ posse do Convento chamado do Monte Olivete no sitio do Grillo, huma legoa de Lisboa, que a sobredita Rainha tinha mandado edificar para os novos Religiosos.

O respeito, e grande veneraçaõ , que todos tributavaô a esta admiravel Princeza, fez assustar, e impedir algumas objecções que se levantavaõ contra esta Reforma, a qual desde entaõ continúa com grande augmento, e exemplo, confirmando-lhe o Papa Clemente X, no anno de 1675 todos os seus Conventos.

Daõ estes Religiosos obediencia a hum Vigario Geral, que totalmente os governa , e gozaõ dos mesmos privilegies, e indultos que os Summos Pontifices concedêraõ aos Eremitas de Santo Agostinho. Consta dos seguintes Conventos de Religiosos [ler mais...] (1)

O Convento da Sobreda [Quinta da Tourada] foi doado por Fernão Castilho de Mendonça aos Agostinhos Descalços , [que devido à sua idade avançada lhe fora recusado professar mas"com obrigação de o sepultarem na capela-mor do dito convento no carneiro que está nela feito"] por escritura de 19 de Julho de 1668, não pedindo aquele que na fábrica do convento houvesse memória sua, nem escudo de armas, nem que nela se colocasse o seu nome, apenas pediu que se rezasse por ele uma missa quotidiana.

A topographical chart of the entrance of the river Tagus (detalhe), W. Chapman, 1806.
Biblioteca Nacional de Portugal

No dia 20 os padres tomaram posse do mesmo e no dia 21 nele rezaram a primeira missa, encontrando, nas palavras do cronista da Ordem, uma bela igreja quase terminada, dormitório com 12 celas já feitas, portaria, refeitório, antecoro, sacristia, e uma cerca contendo pomar, vinha, horta, água copiosa, e sete capelas dos sete principais passos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, enfileirados na parede da cerca [...]

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa, 1814.
Biblioteca Nacional de Portugal

Já se achavam feitas imagens de vulto e estavam pagas as obras que faltavam, menos o claustro [...] Os vitrais da igreja eram pintados trazidos da Holanda [...] Tinha um altar privilegiado em 1780 [...] (2)

Tendo-se ja noticiado ao publico, no supplemento deste Diarío N.° 110, que havendo por bem Sua Maggestade, conformar-se com o parecer da junta do Exame do estado actual, e melhoramento temporais das Ordens Regulares, sobre a Suppreção, e extincção, que havião pedido o Vigario Geral e Definitorio da Congregação dos Religiosos Agostinhos Descalços, de alguns Conventos, e Hospicios da sua Ordem.

Lisbonne son port, ses rades et ses environs avec une petite carte routière du Portugal (detalhe), 1833.
Biblioteca Nacional de Portugal

O Prior do Convento de Nossa Senhora da Boa-hora no Bairo dc Belém, faz saber que tendo-se annexado ao dito Convento, o da Senhora d'Assumprão no sitio da Sobreda em Caparica, elle o pertende arrendar, ou aforar; e faz saber, que o dito Convento supprimido, tem bons comodos para qualquer familia , ainda que numeroga; tem boas terras dc vinha , excellentes parreiras e abundancia de arvores de caroço, e alguma de espinho, canas para arranjo das parreiras, e para vender, boa horta, dois grandes poços, cavallariça , lagar, e boa casa de adega quem o pertender arrendar , pode ir fallar com o dito Prior. (3)

A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.

Sobreda, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
IGeoE

Lugar solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVIII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo. (4)


(1) Pedro Ignacio Tavares, Noticia historica das ordens religiosas e congregações que existem em Portugal : com huma collecçaõ geral de estampas que representaõ as mesmas ordens, e congregações e noticia da e'poca da sua intruducçaõ, ou creaçaõ nestes reinos, a invocaçaõ, situaçaõ, e anno da fundaçaõ seus mosteiros e conventos. , Lisboa, Na tipografia de Bulhões, anno 1831.
(2) Rui Manuel Mesquita Mendes, Fenómenos de religiosidade popular na Caparica
(3) Diário do governo, 14 de maio de 1821
(4) Duarte Joaquim Vieira Júnior, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896

Outra informação:
Crónica Constitucional de Lisboa, quinta-feira, 24 de outubro de 1833
Francisco Silva
Solar dos Zagallos, a Space of Memory and Creativity on the South Bank
Tomáz Zagalo e Melo
António Piano

domingo, 12 de junho de 2016

Freguesia de Caparica no século XIX

Caparica — freguezia, Extremadura, comarca e concelho de Almada, 6 kilometros ao S. de Lisboa, 1:430 fogos. Em 1717 tinha 1:193 fogos. Orago Nossa Senhora do Monte. Patriarchado e districto admintstrativo de Lisboa. Situada na esquerda do Tejo, e d'ella se gosam deliciosas vistas.

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa, 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

É n'esta freguezia a chamada Torre Velha, ou de S. Sebastião de Caparica, que serviu de lasarêto. Fica em frente da torre de S. Vicente, de Belém.

Foi mandada edificar por el-rei D. Sebastião, pelos annos dé 1575.

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt, técnica mista, 1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército

Principia a freguezia logo á entrada da barra do Tejo, que a banha na extensão de 12 kilometros, pelo N.: o Oceano lhe serve de termo pelo O., e na praia está a aldeia da Costa, d'esta freguezia.

A matriz é um bello templo, fundado nos fins do século XVI.

O terreno d'esta freguezia é em geral fertil e seu clima saudável. Antes do oidium produzia annualmente, termo médio, 6:500 pipas de bom vinho.

Na aldeia de Mofacem, d'esta freguezia ha 30 e tantas cisternas, todas magnificas e de dispendiosa construcção, obra dos árabes. 

Foram elles que deram a esta aldeia o noma de mo-hacem, que significa barbeiro.

Vè-se pois que esta povoação é muito antiga. Capa tambem é palavra arabe (que os mouros adoptaram dos persas) significa mesmo capa. (Capote é diminutivo de capa.)

Ha duas tradições sobre a etymologia de Caparica.

Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.

A segunda versão (e mais verosimil) é que, sendo a Senhora do Monte, de muita devoção para estes povos limitrophes, concorreram todos para lhe fazerum esplendido manto (ou capa) pelo que a Senhora ficou d'álli em diante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica.

Junto a Caparica está o convento de capuchos arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Távora quarto senhor de Caparica, em 1564. Elle morreu em 15 de fevereiro de 1573, e jaz na egreja do mesmo convento.

Costa da Caparica, Convento dos capuchos antes da restauração, ed. Passaporte, 30, c. 1950
Imagem: Delcampe, Oliveira

Este fidalgo, sendo embaixador de Portugal em Hespanha, em uma occasião que o imperador Garlos V estava zangado com elle, lhe disse : "Eu sei muito bem quantos rios e pontes tem Portugal" ao que Tavora respondeu: "Os mesmos que linha em 14 de agosto de 1385." Digna resposta de um bravo portuguez.

Caparica foi antigamente da comarca de Setúbal.

D'esta freguezia se avista a serra da Arrabida, Palmella, o mar, o Tejo, Lisboa e outras muitas povoações, montes e valles.

Antes de 1834 era o povo da freguezia que apresentava o cura, a quem davam anualmente, 1 moio de pão meiado e 5 pipas de vinho em mosto, a saber: os que tinham liuna junta de bois davam nm alqueire de pão, os que tinham duas ou mais, dois alqueires, e cada fazendeiro um pote de vinho. Andava tudo por 250$000 réis.

Além do convento dos capuchos arrabidos, ha mais n'esta freguezia um convento de frades paulistas, fundado em 1410. Este mosteiro está em um profundo valle, e era denominado, convento de Nossa Senhora, da Rosa. Na sua cêrca ha uma fonte, cuja agua dizem que cura a lepra e outras moléstias cutaneas. Foi fundador d'este convento Mendo gomes de Seabra.

Outro de frades agostinhos descalços, fundado em 1677. Este é no logar da Sobrada [Sobreda].

Ha n'esta freguezia nada menos de 24 capellas, entre publicas e particulares.

É terra muito abundante de aguas.

Tem vários portos de mar, sendo os principaes, Benatega, Porto Brandão, Paulina, Portinho da Costa e Trafaria.

Enseada da Paulina, revista Branco e Negro n° 60, 1897 (ver artigo dedicado)
Imagem: Hemeroteca Digital

Benatega é a palavra árabe ben-ataija. Significa, filho ou descendente da coroada. Vem de ben filho, ou descendente e de ataija coroada.

No logar da Costa, d'esta freguezia esteve (julgo que em 1823 ou 1824 D. João VI, hospedando-se na única casa de pedra que alli então havia (todas as mais eram cabanas da palha) 

Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, 1909.
Imagem: Delcampe

e tanto gostou da caldeirada que alli lhe deram, que fez o cosinheiro (dono da casa) mestre das caldeiradas (!) com a renda de 800 réis diários emquanlo vivo.

Costa da Caparica, casa da coroa.
Imagem: almaDalmada

Também aqui esteve a sr.a D. Maria II e depois, quando rei, seu filho, o sempre chorado D. Pedro V. (1)

A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

Lugar solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo.

E para fazermos segura ideia do que era Charneca antiga e de que então era Vale de Rosal, e a sua importância histórica, ouçamos o que em 1647 diz o Padre Baltazar Teles em sua Chronica da Companhia de Jesus em Portugal

— Tem o colégio de Santo Antão (uma das primeiras casas da companhia de Jesus em Lisboa) uma grande quinta ou para melhor dizer, uma vinha chamada Vale de Rosal, que está na banda d’além, no termo de Almada, limite de Caparica, na freguesia de Nossa Sra. Do Monte, distante do porto de Cacilhas quase uma boa légua.

O martírio dos 40, Mathaeus Greuter, gravura, 1611.
Louis de Richeome, La peinture spirituelle, Folger Shapespeare  University
Imagem:  Aspectos de devoção e iconografia dos Quarenta Mártires do Brasil...

Fica esta quinta no meio de uma grande e estendida charneca: é lugar todo à roda muito tosco, seco e estéril, cheio de silvados incultos, continuado de matos maninhos, e de areais escalvados, escondido em vales, cercado de brenhas, coberto de pinheiros bravios, de zimbros, de tojos e de outros frútices silvestres: é sítio mais acomodado para caças de monteria que para morada de gente culta, e por isso mui frequentao de corças e veados, infesto de lobos e de outros animais monteses. (2)

Afonso Costa, o Ministro da Justiça  visita a Quinta do Vale do Rosal, 1911.
Ilustração Portuguesa, n° 263 II série, Lisboa, Chaves, José Joubert
Imagem: Hemeroteca Digital



(1) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1874  Mattos Moreira, Lisboa,
(2) Vieira Júnior, Duarte Joaquim, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896