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terça-feira, 15 de agosto de 2017

Navios de propulsão mista e casco reforçado junto à Torre do Bugio

Que diría a Inglaterra se o commandante de algum dos couraçados francezes ou allemães, que por vezes vém ancorar nas aguas de Portsmouth ou de Southampton — mandasse de repente prohibir ao governador de uma d'essas praças a continuação das obras de defesa que ahi se vao incessantemente aperfeiçoando, sob o pretexto de que taes baterías poderiam fazer mal ao navio de seu commando?...

Navios de guerra de propulsão mista e casco reforçado saindo do Tejo de madrugada junto à Torre do Bugio.
Imagem: Museu de Lisboa

Com tal precedente, os almirantes inglezes, que honram frequentenaente o humilde porto de Lisboa com a presenta dos seus pavilhoes — estariam auctorisados a exigir a destruição da torre de S. Julião, do Bugio e de Belém!

Dir-se-hia que nao é de prever que o portuguez, pacato e bonacheirão, faça fogo — muito menos sobre couraçados inglezes. (1)


(1) Eça de Queiroz, Cartas de Inglaterra, Porto, Livraria Chardron, 1905



Apresenta o Museu de Lisboa a imagem acima de autor anónimo, com pouco detalhe mas explícita, à qual é erróneamente atríbuida a representação da esquadra de Roussin junto à Torre de S. Lourenço do Bugio, em 11 de julho de 1831, quando do forçamento da barra do Tejo.

Imagem: Museu de Lisboa

Verifica-se que os navios aí representados são posteriores a esses acontecimentos.

A tecnologia mostrada, a propulsão mista, vela e vapor, o uso de hélice (preterindo as pás laterais), o casco de ferro, ou, mais provavelmente, de madeira revestida a ferro, antecipando os verdadeiros couraçados, e o rostro (esporão), remetem a datação da imagem para 1860 ou mais tarde.

A frota francesa commandada por Roussin força a entrada do Tejo, Pierre-Julien Gilbert, 1837.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

A esquadra de Roussin, como representada por Pierre-Julien Gilbert em 1837, seria composta principalmentes por fragatas, então navios modernos e eficazes que promoviam o recente rei Louis Phillipe d'Orléans e o liberalismo, após a Revolução de 1830.

Batalha naval do Cabo de S. Vicente em 5 de julho de 1833, Morel-Fatio, 1842 .
Imagem: Wikipédia

As consequências da acção de 11 de julho de 1831 importaram no enfraquecimento das forças navais absolutistas, contribuindo, em parte, para a sua derrota contra a esquadra liberal comandada pelo almirante Charles Napier, na batalha naval do Cabo de S. Vicente em 5 de julho de 1833.

Quanto ao quadro do Museu de Lisboa poderá, eventualmente, representar o dia 16 de setembro de 1869, quando uma esquadra combinada das frotas britânicas do Mediterrâneo e do Canal saíram de madrugada do Tejo para exercícios conjuntos no Atlântico.

Alguns artigos relacionados:
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Foz do rio Tejo em 1800
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A falua do Bugio
Uma arribada em calma branca
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Furiosa batalha
Mar da Calha

Informação relacionada:
Ironclad warship
MS Achilles (1863)
Hector class ironclad
Defence class ironclad
Audacious class ironclad
Our iron-clad ships; their qualities, performances, and cost.
Herbert Wrigley Wilson (1866-1940)
Google Image Search: HMS Achilles
Cuirassé à coque en fer
A revolução industrial da marinha portuguesa (1833-1875), Revista da Armada 492, janeiro de 2015

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Mar da Calha

Na grande fortaleza de S. Julião, que cruza os seus fogos com a do Bugio, e nesta torre, marcando e limitando ambas as entradas do porto de Lisboa, estão montados os competentes pharoes.


Uma chalupa armada emergindo da foz do Tejo passado o Bugio, Thomas Buttersworth (1768 – 1842).
Imagem: Bonhams

O pharol da torre de S. Julião data de 1785, e é de luz fixa e branca, com o alcance de 12 milhas. E de 4.a ordem, tem próximo um posto semaphorico, e fica á latitude N. de 38° 42' 22" e á longitude W. de 9° 19' 27" de Greenwich.

A estação semaphorica communica-se com a estação central de Lisboa e com a torre do Bugio por meio de telephone.

Veleiros no Tejo junto ao Bugio, Carlos Ramires, 2014.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Na torre está estabelecido um posto de soccorro a náufragos.

A SW. da fortaleza ha uma restinga chamada ponta da Lage, a qual entra pelo mar dentro, descobrindo na baixa-mar, e que tem cerca de meia amarra de comprimento [1 amarra eq. 120 braças; 1 braça eq. 8 palmos, c. 1,76m].

Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa (detalhe), Francisco M. Pereira da Silva, 1857.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Quando, na entrada da barra, se enfia a guarita cylindrica de NE. da fortaleza com a parte leste da muralha da mesma fortaleza, é signal de estar passada a ponta da Lage, a que era mister dar resguardo, e pôde então a navegação seguir sem receio.

A torre do Bugio, ou fortaleza de S. Lourenço, é circular e levantou-se das aguas no século XVII, tendo desde 1755 montado um pharol, que é hoje de luz branca, fixa, com um clarão vermelho de 20'' em 20'', de 3.a ordem, e com o alcance de 15 milhas, illuminando 360°.

Bugio, Defesa maritima de Lisboa, gravura João Pedroso, Archivo Pittoresco, n 30, 1862.
Imagem: Hemeroteca Digital

Foi esta torre construída no logar da Cabeça Secca, separada da torre pela golada do Sul, ou do Bugio, que só dá passagem a pequenas embarcações. O seu apparelho dioptrieo está 26 metros acima do nivel do mar, na latitude N. de 38° 39' 31" e na longitude W. do 9° 17' 52" de Greenwich.

São estas luzes de capital importância para a navegação que demande o porto de Lisboa.

Desde este ponto continua a costa para o S. em uma larga curvatura, e é formada por um extenso areal, e limitada ao longe pela serra da Arrábida e de S. Luiz, que se estende para ENE. do cabo Espichel, e que termina no pico do Formozinho, 500 metros acima do mar.

Linha de costa da Torre do Bugio ao Cabo Espichel (fotomontagem).
Observam-se as elevações moinhos do Chibata, Monte Córdova (Serra de S. Luís) e Serra da Arrábida, conforme descrito no Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa, Francisco Maria Pereira da Silva, 1857.
Imagem: AVM

Na serra de S. Luiz, o pico mais elevado é o Monte Córdova, que se apresenta de forma circular, quando é enfiado pela torre do Bugio.

No extremo mais occidental de terra, a partir do Bico da Calha, que é a ponta de areal em que termina a margem esquerda do Tejo, depara se primeiro, a 2 milhas para o S., o forte da Vigia, a 850 metros, e por E. 4 3/4 SE. do Bugio o reducto de Alpena [...]

Fragata HMS Lancaster (F229) na foz do Tejo.
Observam-se em 2° plano a Cova do Vapor e a rebentação das ondas fora da barra.
Imagem: Barcos no Tejo

Barra de Lisboa — A entrada do Tejo fica situada entre as torres de S. Julião e do Bugio, que distam 2:750 metros uma da outra, e entre o Bugio e o Bico da Calha, ou ponta do cabedelo do S. 

Dois grandes bancos se prolongam para o mar na direcção geral de NE.-SW., que se denominam Cachopo do N. e Cachopo do S., ou Alpeidão. 

Formam estes cachopos dois canaes, o do N., ou corredor do N., que fica entre o cachopo do N. e a torre de S. Julião da Barra, e o do S., ou Barra Grande, que fica entre os dois cachopos indicados.

Alem d'estes canaes ha um outro, estreito, pouco fundo e variável em planta, chamado Golada, entre a torre do Bugio e a terra.

O cachopo do N. estende-se naquelle rumo por 5:500 a 6:500 metros. 

O do S. é formado da cabeça do Pato, das coroas de Santa Catharina e do cachopo propriamente dito.

Sobre a primeira parte ha peio menos 10 a 12 metros de agua.

As coroas de Santa Catharina ficam entre a cabeça do cachopo e a do Pato. 

Este cachopo do S., ou Alpeidão. na extensão proximamente de 5:500 metros, é um banco de areia, que descobre em baixa-mar em diversos logares.

O banco, ou barra que liga os extremos dos cachopos pelo W., fica entre a cabeça do Pato e o Espigão, na máxima largura de 3:700 metros, e forma grande escarcéu com ventos do quadrante do SW., levantando ás vezes um rolo do mar, ou arrebentação, que fecha de um lado ao outro o canal da barra e offerece nessas occasiões perigo em arrostar com elle.


Esta barra é descripta pelo distincto hydrographo e geographo Franzini, no seu Roteiro das costas de Portugal, publicado em 1812, nos seguintes termos:
"A barra de Lisboa (a melhor e única da costa de Portugal, que admitte em todos os tempos a entrada dos maiores navios), é formada pelos baixos seguintes:

A S. 35° O. da fortaleza de S. Julião, na distancia de 280 braças, está situado o extremo NE. de um baixo de pedra, a que chamam o Dente do Cachopo cujo baixo se prolonga 2 milhas e 3 décimos a S. 65° O. com pouco fundo, tendo umas 300 varas de largura, e sobre o qual rebenta o mar, quando é agitado pelos ventos do 3.° e 4.° quadrantes.

Chamam Barra pequena, ou Corredor, o canal que fica entre o sobredito Cachopo e a costa do N., o qual tem sempre desde 8 até 10 braças de fundo na baixa-mar.


Plano hydrográfico do Porto de Lisboa e costa adjacente até ao cabo da Roca,
Marino Miguel Franzini, 1806.
Imagem: GEAEM Instituto Geográfico do Exército

Uma milha a SO. do extremo occidental d'este cachopo, e quasi N.-S. com a fortaleza de Santo António da Barra, está a Cabeça do Pato, que é um baixo-fundo, no qual se não encontra menos de 6 a 7 braças de agua em baixa-mar; mas que não obstante se deve evitar, especialmente em tempos borrascosos, podendo acontecer que na descida de uma grande vaga cheguem a tocar nelle as embarcações, que demandam muita agua.

Ao S. 55° E. de S. Julião, na distancia de uma milha e 4 décimos, está a Torre do Bugio, formada por dois corpos circulares concêntricos, no meio dos quaes se eleva uma pequena torre em que está o pharol, na altura de 63 pés.

Os dois recintos são edificados sobre um baixo de areia muito extenso, que se cobre no prea-mar, deixando a torre perfeitamente ilhada.

O dito baixo, ou Cachopo do Sul, denominado também da Alcáçova, ou Alpeidão, prolonga-se 2 milhas ao SO., e forma o do Norte, um grande canal, a que chamam a Barra Grande, cuja menor largura é de uma milha e um decimo, com 10 a 18 braças de bom fundo, a não ser perto dos dois mencionados cachopos, em que só ha 6 ou 7 braças, as quaes diminuem de repente.

A frota francesa commandada por Roussin força a entrada do Tejo, Pierre-Julien Gilbert, 1837.
Imagem: Fortificações da foz do Tejo

A torre do Bugio deve considerar-se como o extremo SO. do Rio Tejo, por que ainda existe, entre ella e a costa da Trafaria, um pequeno canal (que sempre conserva alguma profundidade, e cuja direcção soffre muitas alteracoes); comtudo, é tão estreito, que na baixa-mar quasi se juntam as areias da costa com as do baixo, formando uma vasta praia, até a sobredita torre.

Este grande baixo forma uma semelhança de enseada aberta ao 3., na qual se acham 5 a 7 braças de fundo.

Estes dois cachopos podem considerar-se reunidos por uma espécie de banco, situado 3 milhas e meia ao SO. das torres de S. Julião e Bugio, o qual corre em direcção perpendicular á barra; porem, como o seu menor fundo é de 8 para 9 braças, segue-se que qualquer embarcação poderá navegar afoitamente por elle em todas as circunstancias.

Logo para dentro d'este banco cresce o fundo regularmente de 15 até 20 braças, que conserva pelo meio da mesma barra".

Esta descripção, muito precisa e exacta, é perfeitamente applicavel á actualidade, em que a profundidade da barra e a disposição dos canaes e dos bancos submarinos teem sido modificadas muito pouco, como terei occasião de mostrar [...]

Costa da Caparica, Bairro de Santo António e Foz do Tejo, ed. Passaporte, 2, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

Na margem esquerda do Tejo, que principia na ponta da costa, ou bico da Calha, existe um grupo de pedras, conhecido pelo nome de Calhaus do Mar, que fica a duas e meia amarras do areal da Trafaria, que é uma povoação de pescadores, hoje muito concorrida na época balnear.

Trafaria — Vista geral da praia, ed. J. Quirino Rocha, 06, década de 1900.
Imagem: Delcampe

O seu bello areal estende-se até o bico da Calha, continuando para o S. na costa oceânica.


(1) Loureiro, Adolfo, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, Vol III parte 1, Lisboa, Imprensa Nacional, 1906

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