terça-feira, 25 de dezembro de 2018

A Casa dos Pescadores

A natureza corporativa do Estado e a mobilização da ideologia corporativista para impor à nação um sistema económico e social fortemente institucionalizado foram princípios acolhidos na Constituição de 1933.

Costa da Caparica, Casa dos Pescadores, Comissão Municipal de Turismo, ed. Neogravura, Mario Novais, 1946.
Delcampe - Bosspostcard

A adoção do corporativismo como doutrina oficiosa da "revolução nacional" teria propósitos políticos eminentemente instrumentais: reforçar o poder do Estado nas suas relações com os grupos sociais e interesses organizados; garantir uma paz social compulsiva, quer por meio da inibição da liberdade sindical do trabalho, quer através da institucionalização de uma convergência artificial entre o "capital" e o "trabalho"[...]

Em matéria de seguros sociais, a Constituição de 1933 enunciava muito vagamente as responsabilidades do Estado. Quase dois anos depois do plebiscito constitucional foi publicada a lei de bases da previdência corporativa. Diploma que embora explicitasse os vários regimes de seguro social da ordem corporativa, limitava-se a definir as futuras Casas dos Pescadores como "instituições de previdência" [...]

Nas suas Memórias, Pedro Teotónio Pereira recorda que, desde que Salazar o incumbira de dirigir as Corporações, em 1933, fizera planos "de criar para os pescadores uma norma de organização sindical que lhes permitisse realizar inteiramente os seus fins económicos e sociais através dum tipo de organismo para eles criado" [...]

Embora tenha ponderando cautelosamente a questão dos pescadores, o Subsecretariado de Estado das Corporações e Previdência Social não solicitou qualquer estudo a etnógrafos de serviço no sentido de legitimar a opção que andava a definir. Qual antropólogo andarilho, em 1933 o próprio Teotónio Pereira terá percorrido a costa algarvia para verificar o que sobrava dos velhos compromissos marítimos.

Aspecto do bairro piscatório da Costa da Caparica, 1938.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Como relata o antigo responsável das Corporações e Previdência, nesse afã de resolver a questão da pesca e dos pescadores, ele próprio bateu as praias do litoral, compondo uma espécie de inquérito naturalista do qual, obviamente, não há registo [...]

Real ou imaginário, o inquérito a que se refere Teotónio Pereira exprime a intenção de legitimar a fórmula corporativa de enquadramento das populações marítimas.

Costa da Caparica, vista aérea, 1930-1932.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Confirma também que o Governo verificou, primeiro, se seria prudente autorizar a criação de sindicatos corporativos ou se, de outro modo, seria preferível optar por instituições semelhantes às Casas do Povo, organismos de previdência rural que haviam sido criados no primeiro fôlego da organização corporativa, em setembro de 1933 [...]

Por pouco tempo, e apenas numas poucas localidades, Salazar admitiu a criação de sindicatos de pescadores. Entre 1933 e 1934 foram criados três: um em Setúbal (de âmbito distrital, com sede provisória no Seixal), outro na Nazaré e o terceiro em Buarcos (Figueira da Foz).

Todos seriam extintos em fevereiro de 1938, com suspeitas de participação insidiosa na greve dos bacalhoeiros do ano anterior. As ações de protesto que se registaram em diversos meios piscatórios entre 1933 a 1937, em especial as greves dos sardinheiros de 1934 e 1935 e a "greve da matrícula" dos pescadores de bacalhau, apressaram o governo a declinar de vez qualquer solução de tipo sindical para os pescadores [...]

Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
Costa da Caparica, aspecto do almoço dos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais, 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Apesar da discutível autenticidade da decantada obra social das pescas, conduzida por Henrique Tenreiro, esse edifício de propaganda e realidade exprimiu-se num vistoso programa de assistência à "gente do mar". Obra social que o regime sempre apresentou, em Portugal e no estrangeiro, como emblema de um desacreditado sistema corporativo.

Como se explica este paradoxo? E como se compreende que as Casas dos Pescadores tenham funcionado com severas limitações de autonomia associativa e, ainda assim, tenham concretizado uma obra de assistência e previdência muito saliente no sistema corporativo português? [...]

Bairro piscatório da Caparica, comandante Tenreiro e dr. Pimenta da Gama, 1938.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Por finais de 1936 Salazar remetera à Assembleia Nacional a proposta de lei sobre o regime jurídico das futuras Casas dos Pescadores. O conteúdo pouco se afastava do texto final que seria vertido na Lei n.º 1953, de 11 de março do ano seguinte. A proposta de lei começava por sublinhar o perfil e a vocação originais das Casas dos Pescadores: organismos de previdência destinados a garantir o seguro corporativo contra acidentes de trabalho, bem como a assistência material, moral e religiosa.

No plano da assistência, a formulação era menos concreta e ainda mais doutrinária: "As Casas dos Pescadores têm por dever conservar e acarinhar todos os usos e tradições locais, especialmente os de natureza espiritual, que estejam ligados à formação dos sentimentos e virtudes da gente do mar" [...]

Costa da Caparica, O padre Baltasar pregando à multidão na praia da Costa da Caparica, 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

A 23 de fevereiro de 1938 foram concedidos alvarás autorizando a criação e funcionamento das Casas dos Pescadores de Buarcos (capitania do porto da Figueira da Foz), de Aveiro e da Nazaré. Como sabemos, fora precisamente em Buarcos e na Nazaré que o governo consentira a criação de sindicatos de pescadores, que agora extinguia para pôr em seu lugar organismos corporativos de cooperação social [...]

Conduzida pela respetiva Junta Central, a implantação da rede de Casas dos Pescadores depressa atingiu as principais localidades costeiras do continente e os centros de pesca das ilhas adjacentes. Em 1946, já funcionavam 24 Casas, além das secções do Seixal, Caparica e Ericeira [...] (1)


(1) Álvaro Garrido, Assistência e Previdência no mar português A ação social das Casas dos Pescadores (1933-1968)

Leitura relacionada:
Patrícia Silva, Rui Ramos, Comunidades piscatórias...

domingo, 9 de dezembro de 2018

Costa da Caparica, ponta seca por Anne Marie Jauss

Anne Marie Jauss, filha de dois pintores, Georg Jauss e Caroline Jauss, nasce em Munique em 3 de fevereiro de 1902. Estuda em Munich, Merano e Stuttgart, e depois na Escola Estatal de Artes Aplicadas de Munich.

Costa da Caparica por Anne Marie Jauss.
Panorama n.º 11, Outubro 1942

Anne Marie torna-se pintora e é notada na sua cidade natal e em Berlim, mas, em 1932, temendo o regime nazi, emigra para Portugal, onde permanece catorze anos. Vive em Lisboa e arredores, ganha a vida como pintora, ilustradora, arquiteta de interiores, designer e artista de cerâmica.

Costa da Caparica, vista da Quinta de Santo António e da Mata Florestal, tomada do Alto do Robalo, década de 1930.

Em 1946, ela vai para Nova York e depois para Nova Jersey, onde constroi uma casa em 1962 e onde vive até ao fim  dos seus dias.

A Praia do Sol, Panorama dos Capuchos, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 107, década de 1930.
Delcampe, Bosspostcard

Anne Marie ilustrou mais de setenta livros, principalmente livros infantis. Um deles, "A Pastagem", de sua autoria, ganhou um prêmio.

Costa da Caparica, Miradouro dos Capuchos e Caparica, ed. Passaporte, 39, década de 1950.
Delcampe, Oliveira

Anne Marie Jauss morreu em 13 de setembro de 1991, em Milford, New Jersey, aos oitenta e nove anos. (1)

Lisboa, Anne Marie Jauss.
Panorama n.º 28, 1946


(1) Terence E. Hanley

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O padre Mathias (não Matheus...) da Sobreda

Por escrupulosa prudencia deixámos de publicar no passado número o que na vespera acontecêra com o façanhoso Padre Mathias (Matheus lhe chamam erradamente os impressos e o povo) e de que já hoje vai cheia toda a cidade.

António Feliciano de Castilho director da Revista Universal Lisbonense (1841-1845)

O nosso artigo que já estava composto era em todas suas partes exactissimo: como porém grave, e de escandalo, fôsse o seu assumpto e as provas, hoje superabundantemente accumuladas, ainda então não existissem, entendemos que se no callar totalmente o facto desfalcavamos a nossa folha, no amadurecel-o para a publicidade nos desempenhavamos de um dos principaes deveres de jornalistas.

Revista Universal Lisbonense

Sahimos tardios com a notícia, compensaremos esse desar com a brevidade da narração.

Na manhã de 11 d’este Maio, aparelhava-se, para dizer missa na freguezia da Encarnação o Padre Mathias Antonio. Havia quatro mezes que elle ahi exercitava essa e outras funcções do sacerdocio com venia e boa paz do Reverendo Prior, a quem para esse fim exhibira uma licença assignada pelo Em.mo Patriarcha D. Patricio. Alguns Padres d’aquella e das visinhas Parochias o tractavam como a bom collega; e os fieis o haviam em conta de mui digno do oficio, que muito curiosamente preenchia, de prégador e confessor. 

Lisboa, Liga Naval e Egreja da Encarnação, Faustino António Martins s/n,  c. 1900.
Delcampe

Testimunhas porém, em segredo convocadas por uma denúncia dada contra elle, entram com o Regedor da Parochia pela Sacristia, e afirmam em sua presença reconhecerem-n'o por leigo. Mathias os combate, primeiro com o escarneo, depois com as injurias; mas o contradictorio de algumas de suas coarctadas, e sobre tudo a perturbação de animo, que vislumbra por todas suas feições e gestos, corroboram a accusação. 

O Regedor requer do accusado a apresentação de titulos, que o abonem de sacerdote; elle lheresponde que os tem em sua casa: partem ambos para lá, mas quasi chegados á porta lhe diz — que esses papeis de repente lhe lembra que param na Secretaria d'Estado com um requerimento em que anda para certa Igreja: — o Regedor lhe dá a voz de preso. — Levado perante o Administrador do 4.° Julgado presiste denodadamente na sua afirmativa: chega até como quer que seja a proval-a com testimunhos, um vocal, outro escripto, de pessoas respeitaveis.

Biblioteca Nacional de Portugal
Confuso o magistrado com a promptidão e naturalidade com que o accusado solve dúvidas e rebate argumentos; mas não ainda interiormente convencido, remette-o prêso para o chefe espiritual do districto; afim de que pela camara ecclesiastica se possam haver as necessarias informações. — Mathias se dissera religioso dos eremitas descalços do convento da Sobrêda; ... nos assentos do archivo lá se encontra Mathias religioso dos eremitas descalços do convento da Sobreda.

Dissera haver sido cura na freguezia da Gollegãa; ... o registo da carta, em que se lhe esse beneficio conferia, não menos apparece. — O Prelado receando, como varão prudente e virtuoso, o vêr exposto um innocente á vergonha, e um presbitero á prisão e rigores da justiça, intercede com a auctoridade, para que sem prejuizo de ulteriores indagações, deixe pernoitar, solto, em sua casa o accusado, que prometera provar no dia seguinte por confrades seus da Sobreda a veracidade da sua, em apparencia mui ingenua, deposição.

Nessa noite o administrador, que promptamente se rendeu aos desejos do Sr. Patriarcha, manda a casa do enigmatico personagem: — encontram-no serenamente adormecido: — este somno acaba quasi de completar a prova de sua innocencia. No dia seguinte Mathias e os seus poucos teres haviam desapparecido. — No Campo de Santa Anna foi visto vender a um adello alguns objectos: — de tarde atravessar o Paço do Lumiar em companhia de uma mulher e dirigir-se pelo caminho de Carnide. 


Lisbonne, Ports de Mer d'Europe, Deroy, Turgis Jne, c. 1840.
Frame

Para toda a parte se expediram de repente ordens contra ellle de prisão com os signaes da pessoa declarados. — Idade uns 44 annos; altura ordinaria; rosto comprido e secco; olhos grandes e azues; nariz regular; cabello preto ondeado; barba preta e cerrada; e todo elle de proporções seccas. 

Emquanto viaja; e algum dos mil braços da justiça o não empolga; digamos a nossos leitores o que a seu respeito se tem podido averiguar.—Mathias Antonio, de obscura geração e filho de um pedreiro, foi pedreiro; miliciano; soldado de cavallaria um; de infanteria um; de provisorios; pintor; ferro-velho; e sombreireiro! — de tudo ha documentos. — Não contente com esta encyclopedia profana de artes e officios, ordenou-se a si mesmo: — foi cura; capellão em varias casas e freguezias, no que se houve com tanta actividade, que muitos dias passavam de tres as suas missas — uma na estrada da Charneca — outra na Encarnação — outra na rua Formosa — outra em Santa Izabel etc.

Rua do Século (antiga Rua Formosa), Lisboa Velha de Roque Gameiro.
roquegameiro.org

Foi pregador e de fama; confessor e bem afreguezado; acompanhador de enterros etc. Finalmente, desejoso de que nenhuma cousa lhe ficasse por experimentar; e cubiçando reunir em si o mais possível de sacramentos — casou — enviuvou; — tornou a casar; e tornou ainda a casar com terceira mulher, tendo viva a segunda: — deixou as duas por uma quarta, com quem não casou: — e parece, que já não foi com a mesma quarta que desappareceu.

Ouvimos que a um dos soldados, que o escoltaram nos seus trabalhos do dia 11, dissera elle; — sou padre e hei-de proval-o; mas que o não fosse, que tinha ninguem com isso? — ou temos liberdade, ou a não temos; se a temos, deixem exercer a cada um a industria que bem lhe parece!

Assim se abusa das duas mais sanctas cousas do mundo — da Liberdade, que humanisa a Religião — da Religião, que sanctifica a Liberdade!! (1)


(1) Um padre feito à pressa, Revista Universal Lisbonense n° 33, 19 de maio de 1842

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Convento de Nossa Senhora da Assunção dos Eremitas Descalços de Santo Agostinho

A Santa Reforma de Agostinhos Descalços principiou neste Reino em 2 de Abril de 1663, cuja intro-ducçaõ teve origem na religiosa piedade da Serenissima Senhora D. Luiza, Rainha de Portugal, Mulher d'El-Rei D. João IV. a qual desejando retirar-se do Seculo, e fundar semelhante Reforma, communicou este seu pensamento com o seu Confessor o insigne Fr. Manoel Poeiros, Religioso neste tempo de Nossa Senhora da Graça, o qual naõ sómente lhe approvou aquelle santo projecto, mas lhe persuadiu, que para a subsistencia do tal Mosteiro se lhe fazia preciso haver outro de Religiosos da mesma Ordem.

Retrato Luisa Francisca of Guzmán and Medina Sidonia (1613-1666), atríbuido a Alonso Cano, c. 1630-1635.
Revista Goya

Este conselho adinittio a Serenissima Rainha, e fazendo-o pôr em execuçaô, foi o dito Confessor o primeiro, que com licença do Geral da Ordem vestio o habito da Reforma, e se chamou Fr. Manoel da Conceiçaõ.

Hathi Trust Digital Library
Com elle lambem vestira o mesmo habito cinco Religiosos do mesmo Convento de Nossa Senhora da Graça, insignes em letras, e em virtudes. Fez-se esta funcçaõ em dia de Nossa Senhora dos Prazeres na Ermida de D. Gastaõ Coutinho, onde se descalçáraõ, e tomáraõ posse do Convento chamado do Monte Olivete no sitio do Grillo, huma legoa de Lisboa, que a sobredita Rainha tinha mandado edificar para os novos Religiosos.

O respeito, e grande veneraçaõ , que todos tributavaô a esta admiravel Princeza, fez assustar, e impedir algumas objecções que se levantavaõ contra esta Reforma, a qual desde entaõ continúa com grande augmento, e exemplo, confirmando-lhe o Papa Clemente X, no anno de 1675 todos os seus Conventos.

Daõ estes Religiosos obediencia a hum Vigario Geral, que totalmente os governa , e gozaõ dos mesmos privilegies, e indultos que os Summos Pontifices concedêraõ aos Eremitas de Santo Agostinho. Consta dos seguintes Conventos de Religiosos [ler mais...] (1)

O Convento da Sobreda [Quinta da Tourada] foi doado por Fernão Castilho de Mendonça aos Agostinhos Descalços , [que devido à sua idade avançada lhe fora recusado professar mas"com obrigação de o sepultarem na capela-mor do dito convento no carneiro que está nela feito"] por escritura de 19 de Julho de 1668, não pedindo aquele que na fábrica do convento houvesse memória sua, nem escudo de armas, nem que nela se colocasse o seu nome, apenas pediu que se rezasse por ele uma missa quotidiana.

A topographical chart of the entrance of the river Tagus (detalhe), W. Chapman, 1806.
Biblioteca Nacional de Portugal

No dia 20 os padres tomaram posse do mesmo e no dia 21 nele rezaram a primeira missa, encontrando, nas palavras do cronista da Ordem, uma bela igreja quase terminada, dormitório com 12 celas já feitas, portaria, refeitório, antecoro, sacristia, e uma cerca contendo pomar, vinha, horta, água copiosa, e sete capelas dos sete principais passos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, enfileirados na parede da cerca [...]

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa, 1814.
Biblioteca Nacional de Portugal

Já se achavam feitas imagens de vulto e estavam pagas as obras que faltavam, menos o claustro [...] Os vitrais da igreja eram pintados trazidos da Holanda [...] Tinha um altar privilegiado em 1780 [...] (2)

Tendo-se ja noticiado ao publico, no supplemento deste Diarío N.° 110, que havendo por bem Sua Maggestade, conformar-se com o parecer da junta do Exame do estado actual, e melhoramento temporais das Ordens Regulares, sobre a Suppreção, e extincção, que havião pedido o Vigario Geral e Definitorio da Congregação dos Religiosos Agostinhos Descalços, de alguns Conventos, e Hospicios da sua Ordem.

Lisbonne son port, ses rades et ses environs avec une petite carte routière du Portugal (detalhe), 1833.
Biblioteca Nacional de Portugal

O Prior do Convento de Nossa Senhora da Boa-hora no Bairo dc Belém, faz saber que tendo-se annexado ao dito Convento, o da Senhora d'Assumprão no sitio da Sobreda em Caparica, elle o pertende arrendar, ou aforar; e faz saber, que o dito Convento supprimido, tem bons comodos para qualquer familia , ainda que numeroga; tem boas terras dc vinha , excellentes parreiras e abundancia de arvores de caroço, e alguma de espinho, canas para arranjo das parreiras, e para vender, boa horta, dois grandes poços, cavallariça , lagar, e boa casa de adega quem o pertender arrendar , pode ir fallar com o dito Prior. (3)

A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.

Sobreda, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
IGeoE

Lugar solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVIII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo. (4)


(1) Pedro Ignacio Tavares, Noticia historica das ordens religiosas e congregações que existem em Portugal : com huma collecçaõ geral de estampas que representaõ as mesmas ordens, e congregações e noticia da e'poca da sua intruducçaõ, ou creaçaõ nestes reinos, a invocaçaõ, situaçaõ, e anno da fundaçaõ seus mosteiros e conventos. , Lisboa, Na tipografia de Bulhões, anno 1831.
(2) Rui Manuel Mesquita Mendes, Fenómenos de religiosidade popular na Caparica
(3) Diário do governo, 14 de maio de 1821
(4) Duarte Joaquim Vieira Júnior, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896

Outra informação:
Crónica Constitucional de Lisboa, quinta-feira, 24 de outubro de 1833
Francisco Silva
Solar dos Zagallos, a Space of Memory and Creativity on the South Bank
Tomáz Zagalo e Melo
António Piano

domingo, 2 de dezembro de 2018

Ruinas da egreja do convento de Nos­sa Senhora da Rosa, em Caparica

O histórico Convento da Senhora da Rosa cerca do Monte de Caparica fundado em 1410 por Mendo Gomes de Seabra e cujos restos acabam de ser demolidos. Diz a tradição que na egreja d'este convento fôra sepultada em 1538 a formosíssima  infanta D. Beatriz [(1504-1538), de facto D. Beatriz fora inumada na catedral Sainte-Marie de Cimiez, arrasada em 1706], filha de D. Manuel, mulher de Carlos III, duque de Sabóia, e mãe do célebre general Manuel Felisberto, o vencedor da batalha de S. Quintino. (1)

Convento da Senhora da Rosa cerca do Monte de Caparica.
Ilustração Portugueza, 24 de novembro de 1913

O Mosteiro de Nossa Senhora da Rosa de Caparica era masculino, e pertencia à Ordem dos Eremitas de São Paulo, Primeiro Eremita. Teve origem em eremitério fundado possivelmente ainda no séc. XIV ou nos primeiros anos da centúria seguinte, no lugar dito da Barriga, no termo de Almada, referido também, noutros documentos do séc. XV, por Cela Nova.

Conforme testemunho do regedor da casa em 1445, o lugar, habitado desde a sua fundação por pobres eremitas, fora reformado por Mendo Seabra (1442?), com a ajuda dos reis D. João I e D. Duarte e do Infante D. João, mestre de Santiago. Sujeitando-o então à Serra de Ossa, nomeou o clérigo João Eanes como regedor deste eremitério e dos de Alferrara e Mendoliva, e nele colocou outros pobres.

Em 1458, pela bula "Speciali gratia", Pio II concedia-lhes a isenção do pagamento da dízima sobre os frutos das herdades da provença.

Em 1466, consta da lista das casas sujeitas à Serra de Ossa. A partir do primeiro quartel do séc. XVI, a casa já surge referida como de Santa Maria da Rosa. A este cenóbio seriam anexados, em 1645, os bens do extinto mosteiro da Junqueira.

Em 1834, no âmbito da "Reforma geral eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas, sujeitas aos respectivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo. Os bens foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional.

Manuel Pinheiro Chagas, História de Portugal, popular e ilustrada, Volume 3
cf. Roque Gameiro.org

Em 1883, 9 de Maio, foram transferidos os documentos do cartório da Repartição de Fazenda do Distrito de Lisboa, para o Arquivo da Torre do Tombo, no cumprimento da Portaria do Ministério da Fazenda, de 20 de Março de 1865. (2)


(1) Ilustração Portugueza, 24 de novembro de 1913
(2) Arquivo Nacional Torre do Tombo

Artigo relacionado:
Cella Nova, Senhora da Rosa de Caparica

Mais informação:
Chronica dos Erémitas da Serra de Ossa, no reyno de Portugal...
Santuario Mariano e Historia das Imagēs milagrosas de Nossa Senhora...
Chorographia moderna do reino de Portugal...
Corografia Portugueza e descripçam topografica...
Portugal antigo e moderno...

Informação relacionada:
Histórias da História da Charneca de Caparica
Mosteiro da Rosa na revista ARTIS

sábado, 1 de dezembro de 2018

Bulhão Pato, retratado por José Campas

Enquanto estivemos no Lazareto, eu frequentava muito a casa do Tio Pato. Foi sempre muito meu amigo e dava-me o grande prazer de falar comigo em muitos assuntos. Eram horas muito agradáveis para mim as que ficava na sua tão bondosa e inteligente companhia [...]

Retrato de Bulhão Pato (Caparica), José Campas, 1908.
Ilustração Portugueza 27 de abril de 1908

Um dia, convidou o Dr. Afonso Costa para o ir visitar. Ele e seu irmão, foram almoçar comigo à minha Escola, no Lazareto e depois fomos a casa de Bulhão Pato. O Tio Pato ficou muito contente, falaram bastante do presente, do passado, do futuro.

Retratos de Bulhão Pato e Isabel Pato (Caparica), José Campas, 1908.

Do passado lembrou o Tio Pato, a Sogra de Afonso Costa, que também se recordava muito de factos passados na sua mocidade em que o Tio Pato era admirado.

Último retrato de Bulhão Pato, José Campas.
Ilustração Portugueza, 10 de março de 1913

À saída tirámos um retrato que deve estar na minha mala ou na pequena caixa de madeira existente em casa de meu Filho Nuno. Nessa fotografia estavam: o irmão do meu apaixonado e uma Mulher, ele, e o Afonso Costa, seu irmão, eu e mais pessoas, conhecidas ou não, que na rua se juntaram. [...] (1)


(1) Ilda Jorge de Bulhão Pato, Pedaços da minha vida – narrados desde 11 de Fevereiro a 19 de Abril de 1971 cf. Maria Manuela de Moura Pereira, As escolas maternais de Ilda Jorge de Bulhão Pato

Artigo relacionado:
Retratos de Bulhão Pato

Mais informação:
Exposição José Campas (Obra publicada por ocasião da exposição patente no Salão Bobone, Lisboa, de 16 a 31 janeiro de 1929; tem uma relação de museus, galerias e colecções que possuem obras do artista)


José de Sousa Ferreira Campas.
Pintor, natural de Lisboa, nasceu a 14/06/1888 e faleceu a 04/01/1971.
Tirou o Curso de Pintura na Escola de Belas-Artes de Lisboa, obtendo o Prémio Anunciação em 1905-1906. Estagiou em Paris, onde expôs com êxito de 1918 a 1922.
Foi discípulo de Carlos Reis, Jean Paul Laurens, Léon Bonnat, Raphael Collin e J J Duval.
Com os seus quadros recebeu honrosos galardões, como a 1ª medalha em pintura na Sociedade Nacional de Belas-Artes, estando representado no Museu Nacional de Arte Contemporânea [???].
Publicou na imprensa portuguesa valiosos artigos de crítica de arte e polémica, especialmente em "A Voz", tendo sido delegado do Governo Português na Exposição Internacional de Paris, em 1935.
Foi Professor do Ensino Técnico, tendo sido Director das Escolas Técnicas de Lagos e de Abrantes, e emérito restaurador de quadros antigos.
Executou obras apreciáveis tanto de figura como de paisagem [...]
cf. Quem É Quem, Portugueses Célebres, Círculo de Leitores, 2008