O histórico Convento da Senhora da Rosa cerca do Monte de Caparica fundado em 1410 por Mendo Gomes de Seabra e cujos restos acabam de ser demolidos. Diz a tradição que na egreja d'este convento fôra sepultada em 1538 a formosíssima infanta D. Beatriz [(1504-1538), de facto D. Beatriz fora inumada na catedral Sainte-Marie de Cimiez, arrasada em 1706], filha de D. Manuel, mulher de Carlos III, duque de Sabóia, e mãe do célebre general Manuel Felisberto, o vencedor da batalha de S. Quintino. (1)
O Mosteiro de Nossa Senhora da Rosa de Caparica era masculino, e pertencia à Ordem dos Eremitas de São Paulo, Primeiro Eremita. Teve origem em eremitério fundado possivelmente ainda no séc. XIV ou nos primeiros anos da centúria seguinte, no lugar dito da Barriga, no termo de Almada, referido também, noutros documentos do séc. XV, por Cela Nova.
Conforme testemunho do regedor da casa em 1445, o lugar, habitado desde a sua fundação por pobres eremitas, fora reformado por Mendo Seabra (1442?), com a ajuda dos reis D. João I e D. Duarte e do Infante D. João, mestre de Santiago. Sujeitando-o então à Serra de Ossa, nomeou o clérigo João Eanes como regedor deste eremitério e dos de Alferrara e Mendoliva, e nele colocou outros pobres.
Em 1458, pela bula "Speciali gratia", Pio II concedia-lhes a isenção do pagamento da dízima sobre os frutos das herdades da provença.
Em 1466, consta da lista das casas sujeitas à Serra de Ossa. A partir do primeiro quartel do séc. XVI, a casa já surge referida como de Santa Maria da Rosa. A este cenóbio seriam anexados, em 1645, os bens do extinto mosteiro da Junqueira.
Em 1834, no âmbito da "Reforma geral eclesiástica" empreendida pelo Ministro e Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas, sujeitas aos respectivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo. Os bens foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional.
Em 1883, 9 de Maio, foram transferidos os documentos do cartório da Repartição de Fazenda do Distrito de Lisboa, para o Arquivo da Torre do Tombo, no cumprimento da Portaria do Ministério da Fazenda, de 20 de Março de 1865. (2)
Lida em 10 de Maio de 1815.
Por José Bonifácio de Andrada e Silva.
Os motivos que me induzirão a escolher de preferencia o terreno da bahia, que começa na ponta da Trafaria, e vai findar no Cabo de Espichel, para estas tentativas e pesquizas, forão as noticias históricas que tinha obtido da Torre do Tombo; das quaes consta, que os Ourivieiros ou Mineiros da Adiça, que fica três quartos de legoa ao Nascente da nova Mina, desde o tempo do Senhor D. Affonso Henriques, em que já estavão em lavra estas terras, até o do Senhor D. João III, que as doou a hum certo António da Fonseca, sempre se conservarão em trabalho constante e lucrativo, a pezar do muito ouro, que pelas navegações do immortal Infante D. Henrique, nos vinha então da Costa da Mina.
Que as antigas Minas da Adiça forão de muita utilidade á Coroa e ao Reino, o provão os grandes privilegios concedidos pelos nossos Reis aos Mineiros, em huma longa serie de Cartas de confirmação desde o principio da Monarchia até os fins do Reinado do Senhor Rei D. João III em que cessarão esses serviços; talvez porque passarão da Coroa para as mãos de António da Fonseca.
A Adiça formava hum Couto Real com Juizes próprios e privativos postos por ElRei nos primeiros tempos, e chamados então "Quinteiros" e depois eleitos pelos próprios Mineiros. Tinhão estes o privilegio de se queixarem immediatamente a ElRei das pessoas, quaesquer que fossem, que lhes não cumprião seus foros e isenções; ou os íncommodavão em seus trabalhos e occupações.
Escarpements formés par le Miocène et Pliocène entre Costa de Caparica et Adissa [Adiça], cliché P Choffat, c. 1900.
Imagem: Internet Archive
Não pagavão jugada, nem imposto algum de suas herdades e fazendas: não hião á guerra: não respondião em causa civil ou criminal perante algum Juiz, que não fosse o seu próprio: ninguém pousava em sua casa; nem se lhe tomava cousa alguma do seu contra sua vontade: estavão isentos de todos os encargos e officios do Concelho , até mesmo da Almoraçaria; e o que mais he, até estavão livres dos Pedidos Reaes de géneros e dinheiro, e dos encargos de Candelária: finalmente podiâo emprazar perante ElRei todo e qualquer Juiz, que fosse contra algum destes privilégios.
Tudo isto consta da Carta de Confirmação do Senhor Rei D. Manoel de 2 de Maio de 1497, onde vem inseridas todas outras mais antigas desde o Senhor D. Affonso III. O Senhor Rei D. João III confirmou antes da doação já mencionada , os mesmos privilégios pela sua Carta de 17 de Abril de 1526.
Parece pelos documentos que examinei, que até o Senhor Rei D. Duarte formavâo os Mineiros huma companhia ou sociedade "montanistica"; e náo só pagavão o quinto do ouro que tiravão por sua conta; mas erão também obrigados a lavrar por conta d' ElRei certos sítios daquella costa. Em tempo porém do Senhor D. Duarte mudou-se esta administração a requerimento dos Mineiros, em huma capitação annua, pelo ouro que lavra vão no chamado Medão ou Barreira, que acompanha e fica sobranceira ás praias desta costa: ficavâo porém obrigados a lavrar a Mina do sitio chamado da Malhada, quando entendessem ser tempo próprio de se apanhar o seu ouro, do qual pagavão metade a ElRei.
Os Adiceiros formarão então huma companhia composta de vinte, e huma pessoas, chamadas Mineiros mores, incluidos neste numero hum Mestre, e hum Escrivão; e de vinte e três outros chamados Mineiros menores. Os primeiros pagavão por cabeça annualmente duas coroas de bom ouro, e os segundos huma só. Deste modo a capitação dos Mineiros, afora a metade do ouro que se apanhava na Malhada, de que não sei a quantia, montava a sessenta e cinco coroas de ouro, que julgo serem das antigas do Senhor Rei D. Pedro, por não haver outras cunhadas até o Senhor Rei D. Duarte.
Ora cincoenta destas dobras de ouro fino fazião hum marco, e por tanto vinha a importar esta capitação no tempo de agora em valor intrínseco 144$640 reis com mui pouca differença. Tal foi a sabedoria e magnanimidade do Senhor Rei D. Duarte, que soube contentar-se com huma tão diminuta renda, para assim animar a classe interessante dos Mineiros, de que Portugal havia tirado grandes proveitos, e os Senhores Reis huma parte mui principal do seu Património.
Devo esperar da sabedoria do nosso Augusto Principe, que tão gloriosamente caminha pela estrada de seus Augustos Avos, que haja de favorecer as nossas nascentes Minas, de que foi o Creador, com o mesmo amor e patrocinio, que merecerão as antigas a seus Augustos Antecessores.
Além destas noticias accresceo o ter sabido que alguns homens ás escondidas e sem licença tinhão ha poucos annos gandaiado algum ouro por estes sítios, e o vendião aos Ourives de Lisboa. Animado de tâo boas esperanças logo que cessarão os perigos da guerra desastrosa, que felizmente acabou, mandei fazer pesquizas successivas, para me certificar da abundancia de ouro, e calcular pelo preço presente dos jomaes, se me era possível restabelecer essas antigas Minas.
Começarão estas pesquizas em Outubro de 1813, e se concluirão em 25 de Maio de 1814; então cheio de summo prazer, por ver realizadas as minhas esperanças , paticipei ao Governo destes Reinos o seu resultado, e pedi a sua approvação, e algumas providencias de que preecisava, que me forão logo concedidas. e os primeiros ensaios e pesquizas forão feitos em tres differentes sitios, 1.° nas visinhanças da antiga Adiça, 2.° no sitio chamado a Ponta do mata, onde fiz abrir a Mina que hoje se lavra com o nome Principe Regente, e no dos Olhos d'agoa mais ao Sul, e distante do primeiro perto de legoa e meia.
Posteriormente ordenei novos exames ao longo do pé da Barreira ou Medão, entre os dois extremos da Adiça e da Ponta do mato; e por elles consegui felizmente certeza de que em toda esta extensão de costa ha mais ou menos ouro, que póde ser aproveitado. Das outras pesquizas, feitas terra a dentro no sitio da Azoia, e Ponte das cabeças, e ultimamente nas Cruzinhas junto á praia, fallarei depois.
Achando-me sem Mestres, nem obreiros, que soubessem da mineração e apuração de ouro em pó, e sò com o hábil Mineiro Manoel Nunes Barbosa, natural da Capitania des Goyazes, por acaso residente nesta Cidade, e que hoje he o Inspector c Mestre da nova Mina, vi-me forçado a começar hum só serviço para ir attrahindo gente, e faze-la instruir na laboração do ouro, para depois poderem servir de Mestres, e Feitores de novos estabelecimentos, que desejo succcrssivamente ir fazendo em tempo próprio nestes districtos; e em outras Províncias do Reino.
Pela novidade do objecto, e pelo alto preço dos jornaes, que espero diminuão com o tempo, e quando houver maior abundância e barateza de viveres, não pôde ainda este Estabelecimento chegar ao grao de prosperidade e lucro, que delle espero.
Acresce também a falta de tempo para poder recolher no verão mineral em abundância, que depois se haja de lavar pelo inverno, em que as continuas borrascas, chuvas , e grandes marés difficultão, e impedem muitas vezes abrir novas catas, e recolher a pissarra aurífera: todavia com o favor Divino , e á força de zelo e actividade, e com ajuda das sciencias auxiliares, até para aproveitar devidamente a differença das marés nas praias, e escapar das marés vivas, temos lutado felizmente contra os elementos; e a extracção do ouro não tem parado até hoje, a pezar das terriveis invemadas que tem havido, e das ventanias e borrascas continuas que reinão nesta costa geralmente.
No dia 4 de Julho de 1814 se começou pelas três horas da tarde a primeira cata encostada á fralda da Barreira, so sitio já mencionado da Ponta do mato que fica quasi no meio da bahia. Principiou-se este trabalho com três únicos homens, e estes mesmos erão Soldados inválidos do pequeno destacamento, que guarnece aquella Mina. Eu mesmo fui examinar o terreno e a formação, e dar as instrucções e ordens que me parecerão mais convenientes para o methodo e andamento daquelle serviço [...]
Linha de costa da Torre do Bugio ao Cabo Espichel (fotomontagem).
Observam-se as elevações moinhos do Chibata, Monte Córdova (Serra de S.
Luís) e Serra da Arrábida, conforme descrito no Plano hydrographico da
barra do porto de Lisboa, Francisco Maria Pereira da Silva, 1857.
Imagem: Mar de Caparica
Assim se por hum lado as ondas do mar embravecido sobre a immensa praia desabrigada contrarião muitas vezes nossos trabalhos mineraes, por outra he o Oceano ao mesmo tempo hum valentíssimo e excellente operário, que ajunta, e deposita as fagulhas sem conto do ouro derramado, e as lava e apura sobre as rampas da praia, que lhe servem então de óptimo bolinete ou lavadouro de concentração, quando acha base firme, qual he o salão ou greda já descripta. (1)
Nossa Senhora do Cabo (do Espichel) — famoso santuário da Extremadora, ao S. do Tejo, na freguesia de Santa Maria do Castello da villa e concelho de Cezimbra, commarca d'Almada. Fica o templo, no Cabo do Espichel, a que os romanos chamavam Promontório Barbarico [...]
Costa da Caparica, ed. Passaporte, 7, década de 1950.
Imagem: DelcampeTerras da Costa e Cabo Espichel,
Sobre um rochedo do Cabo, se vé uma ermidinha, denominada Miradouro, que, segundo a lenda, memora o sitio onde appareceu a Senhora, por isso, chamada do Cabo.
Outros, porem, affirmam que a Senhora foi achada na praia, inferior ao dito rochedo, e que apparecéra sobre uma jumentínha, que subira pela rocha, deixando n'ella impressos os vestígios das suas pegadas — que o tempo fez desapparecer, mas que os mordomos da Senhora fizeram de novo gravar.
Cezimbra — Cabo Espichel e Ponta do Cavallo, cf.. ed. Martins/Martins & Silva, 606, década de 1900.
Imagem: Delcampe
Diz-se que uns velhos de Caparíca, que vinham a estes sitios cortar lenha, foram os primeiros que acharam a santa imagem da Virgem, e por isso, foi o povo de Caparica o primeiro que festejou a Senhora do Cabo, hindo todos os annos com o seu cirio, em Romaria á Senhora, no primeiro domingo de maio.
oooOooo
À memória do amigo, José Alves Martins (Papo-Seco), o organizador
do último "Círio" que saiu da Costa de Caparica para o Cabo Espichel
[...]
O
"Círio" tinha muita grandiosidade, e chegou a ter como juiz monarcas, e
quando desembarcava em Porto Brandão ou Banática, as populações
acorriam a receber os visitantes com foguetes e música enquanto os sinos repicavam.
À
frente, homens cavalgando, cavalos brancos, e vestidos com trajes
romanos que anos depois. passou a ser três garotos que cantavam as
"loas" (quadras alusivas ao acto) acompanhados pela música.
Atrás do carro com os filarmónicos a seguir a berlinda (que se encontra no Museu dos Coches em Lisboa) com a Imagem. acompanhada por carros de todo o feitio e tamanho, repletos de pessoas. e grande cavalgada com que fechava o cortejo.
O Círio de Nazaré em Belém do Pará, revista Puraqué, 1878.
Imagem: Biblioteca do Círio
Era assim, antigamente, o "Círio do Cabo", e a propósito dele, o britânico Beckford, descrevia o regresso do Marquês de Marialva, no "Cirio" em 3
de Junho de 1787, dizendo cheio de pasmo: "Vinham acompanhados o Marquez de Marialva e o filho D. josé duma multidão de músicos, poetas, toureiros, lacaios, macacos, anões e crianças de ambos os sexos fantasiosamente vestidas".
O inglês que nunca tinha visto um espectáculo daquela grandeza dizia ainda que os criados conduziam gaiolas com pássaros, lanternas, cabazes com frutos e grinaldas de flores.
Seguiam alegres e saltando com grande alegria dos garotos. os quais com as suas vestes, mais pareciam habitantes do Céu do que da Terra, levando casinhas presas aos ombros.
Diz ainda o escritor: "Alguns destes "anjinhos" de teatro eram extremamente formosos e tinham o cabelo garridamente disposto em anéis".
Todo este cortejo quando vinha da margem norte desembarcava em Porto Brandão ou Banática como iá dissemos anteriormente era na capela do lugar que
ouviam a primeira missa.
No concelho de Almada, só a freguesia de Caparica fazia o Círio, mas sem a imagem.
Adega do Papo-Seco e Pensão Chic, Costa da Caparica, rua dos Pescadores.
Imagem: ed. desc.
Mas o cortejo tinha o mesmo aparato dos de Lisboa, e contavam os velhos, que num círio, do Porto Brandão, num ano saiu, um barco catraio dos que
faziam as carreiras entre Belém - Porto Brandão, em cima de uma galera puxada por seis animais, levando dentro a fílarmónica da Sociedade
Marítima da localidade. (4)
O regresso da filarmónica da extinta Sociedade Marítima do Porto Brandão, integrada no círio do Cabo Espichel.
Imagem: Correia, António, Divagando sobre Caparica..., Almada, edição do autor, 1973
in Correia, António, Divagando sobre Caparica: pedaços da sua história, Almada, edição do autor, 1973.
oooOooo
A fama dos milagres obrados pela Senhora do Cabo, em breve se propagou por estas redondezas e as offértas e esmolas, foram em tanta quantidade, que, próximo á ermidinha (edicola) primitiva, se construiu o sumptuoso templo que hoje alli admiram.
Não se destruiu a ermidinha, e juncto a ella foi construida (1671) uma fortaleza, para proteger os povos d'estes sítios, das invasões inopinadas dos castelhanos, sendo regente, o infante D. Pedro, depois rei, D. Pedro II, do nome.
Ignora-se o anno em que a Senhora appareceu, só se sabe que foi no principio do reinado de D. João I.
STELLA MATVTINA
Em 18 de novembro de 1428, Diogo Mendes de Vasconcellos, senhor do terreno em que estavam as ermidas da Senhora, fez disto doação aos frades dominicos de Bemfica, por escriptura publica, lavrada nas notas de Affonso Martins, tabellião publico da villa de Cezimbra.
Era o doador, cavalleiro e commendador de Coimbra e Ourique. N'esta escriptura se dá ao sitio da ermida, a denominação de "Santa Maria da Pedra de Múa" [...]
A imagem da Senhora do Cabo (a que appareceu no século XIV) é de bôa esculptura, mas tem apenas um palmo d'altura, e está em uma ambula de crystal dentro de um sacrário.
N. S.ra DO CABO
Virgem Maria defendei dos perigos aos que na
vegaó sobre Augoas do Mar
São muitos os cirios que de varias partes concorrem ao santuário da Senhora do Cabo.
Os giros principiaram em 1430. Os de Caparica, vão todos os annos festejar a Senhora, no primeiro domingo de maio.
Alem dos cirios comprehendídos no giro vão todos os annos mais os seguintes, que não entram no giro — Lisboa, no 3.° domingo depois do Espirito Santo — Seixal e Arrentella, na 2.a oitava do Espirito Santo — Almada, no domingo da Trindade — Palmella,
a 15 d'agosto — Azeitão e Cezimbra, no 1°
domingo de setembro.
Ao principio todas as romarias eram annuaes, e cada uma tinha uma grande tocha (cirio) que accendla durante a sua festa.
É por isso que a estas romarias se dá o nome de cirios.
São 26 os cirios que entram no giro: — Alcabideche, Carnaxide, Tojalinho, Penaferrim, Bellas, Loures, Carníde, Barcarena, Louza, Santo Antão do Tojal, Oeiras, Bemfica, Rana, S. João das Lampas, Monte Lavar, Rio de Mouro, Belém, Cascaes, Odivellas, S. Martinho de Cintra, Almargem do Bispo, Santo Estevam das Gallés, Egreja Nova, Terrugem, Fanhões, e Santa Maria e S. Miguel de Cintra.
Foi instituída a confraria da Senhora do Cabo, pouco depois da construcção do novo templo, mas os seus estatutos só foram approvados em 1672. (Pelo capitulo 2° d'estes estatutos eram excluídos da irmandade o homem que tenha raça de judeu ou de outra infesta nação, e os mulatos. Esta exclusão era imposta em quasi todas as irmandades, até ao fim do século XVIII.)
Também n'este compromisso se determina que, no sabbado posterior á Ascenção, haja na egreja do Cabo, officio de nove lições de canto e orgam, missa cantada e sermão. De tarde procissão e vésperas, e no domingo de manhan, outra procissão, antes da missa.
O capellão da Senhora do Cabo, não pôde intervir nas romarias dos cirios, por lhe ser prohibiáo pelos estatutos.
As freguezias do giro, andam á "compita", a ver qual fará a festa com mais estrondo e magnificência.
Antes de 1710 o arraial estava cercado de casas para abrigo dos romeiros, mas sem ordem nem alinhamento; mas n'esse anno, se deu o risco para o novo arraial, e em 1715, se constrairam hospedarias com dous pavimentos.
Sesimbra, Cabo Espichel, vista aérea.
Imagem: Delcampe
O arraial é quadrilongo, com 140 metros de comprido, pelo N., e 100 peio S. com 44 de largo. É aberto pelo E., e fecbado a O. pelo templo. Ao N. e S., estão as hospedarias e mais accommodações, lado com uma arcada geral, onde estão as lojas, podendo chegar-se por baixo d'ella à egreja, ao abrigo do sol e da chuva. Do lado do S. é a residência do capellão.
Do lado do N. ha 63 arcos e 11 escadas de pedra, 21 sobrados, com 46 janellas de frente, e 22 lojas, cada uma com sua janella.
Do lado do S. ha 47 arcos, 9 escadas, 18 sobrados, com 36 janellas, e 18 lojas, cada uma com sua janella.
Cada sobrado e loja, tem uma cosinha, com sua fornalha, uma grande meza, dous bancos e nm cabide.
O senhor d'este terreno (o já referido Diogo Mendes de Vasconcellos) foi o fundador da ermida primitiva, concorrendo para isso o povo de Caparica.
Templo da Senhora do Cabo
Em 1490 se lançou a primeira pedra n'este ediflcio, á custa dos habitantes do termo de Lisboa, e das esmolas e offertas dos fieis. Tendo-o os temporaes damnificado muito, a casa do infantado, padroeira da egreja, desde a extincçâo do ducado d'Aveiro mandou demolir a antiga ermida, e construir o grandioso templo que hoje alli se admira, concluindo-se as obras em 1707. Nos dias 7, 8 e 9 de julho d'este anno, se fez a trasladação com grande pompa, assistindo o infante D. Francisco filho de D. Pedro II, que então era o senhor da casa do infantado. Só nas festas da trasladação, gastou o infante réis 1:660$000.
[Os bens do duque d'Aveiro e seus cumplices, lhes foram tirados, formando-se com elles a casa do infantado, a favor do infante D. Pedro (depois, D. Pedro II) e dos mais Infantes filhos segundos dos nossos reis.]
É um templo magestoso, tendo na frontaria, trez portas e trez janellas que dão luz ao côro. Sobre a cimalha está a estatua da Senhora, feita de mármore branco, dentro de nm formoso nicho.
Tem duas torres, sendo a do N. para o relógio (hoje arruinado.) A do S. tem dous sinos. Á entrada da porta ha um guarda-vento, de bella madeira do Brasil, de boa esculptura. No coro ha am óptimo orgam. As paredes interiores da egreja, são revestidas de mármore branco e preto (extrahido das pedreiras da Arrábida) até à cimalha real.
Tem seis tribanas, e entre ellas, quadros representando scenas da vida da Senhora. O tecto é de abobada, tendo no centro o quadro da Assumpção da Senhora; obra de Lourenço da Canha (pae do famoso José Anastácio da Canha) pintado em 1740. Ao N. (também no tecto) estão pintadas as armas de Portugal, e ao S. as da cidade de Lisboa.
Tem altar-mór, e dez lateraes, sendo estes últimos, feitos á custa de differentes cirios. Em 20 de maio de 1780, houve aqui um desacato. Um monge, natural da Catalunha, roubou a pixide, com as sagradas formas, mas o próprio sacrílego confessou o crime e restituiu a pixide, que foi reposta no seu logar.
Em 1770 foi todo o templo restaurado, por ordem de D. José I.
Foi então construida a grande janella da capella mór, fronteira á tribnna real.
As paredes interiores são revestidas de formosos azulejos, e n'elles pintados os emblemas Quasi palma, quasi oliva.
A imagem da Senhora está dentro do sacrário, em um relicário de prata sobre-doirada que foi dado pelo cirio de Lisboa, em 1680.
Tem a Senhora muitas jóias, entre ellas, um ramo de jasmins, de brilhantes, com as folhas de esmeraldas — duas corôas d'ouro, cravejadas de brilhantes: ambas estas jóias, dadas por D. José I. — Tem mais, um ramo de brilhantes e nm manto bordado a ouro, dados por D. Maria I — um manto branco, bordado a ouro, também dado por D. José I — um manto azul, bordado a ouro dado pela rainha D. Carlota Joaquina, mnlber de D. João VI — e, finalmente, um rico manto, dado em 1809, por José Anionio Queiroga e sua mulher. Alem d'estes, outros muitos objectos de muito valor, ainda que inferiores aos mencionados.
Tem o templo duas sachrístias com serventia para a capella-mór, e ambas muito aceiadas.
O templo não preciza de armação, porque os mármores que o revestem, valem mais do que os melhores cortinados.
O throno illumina-se com 60 luzes. Ha dez lustres, de seis luzes cada um: cada altar tem seis castiçaes; e o altar-mór, seis tocheiros — de maneira que nos dias de festa ha duzentas luzes no templo.
A ermida da Memoria, em que já fallei, está próxima e ao N. da egreja. Tem um adro quadrado e o interior da ermida, é lageado de pedra. O tecto é de abobada.
Ermida da Memória.
Imagem: ed. desc.
Em frente da porta, ao E., tem, perto do chão, uma pedra lavrada e apainelada, com esta inscripcão:
CONSTA POR TRADIÇÃO SER ESTE O PROPRIO LUGAR ONDE A MILAGROSA IMAGEM DE NOSSA SENHORA DO CABO APPARECIA, E SE MANIFESTOU AOS VENTUROSOS VELHOS HE CAPARICA E ALCABIDECHE: MOTIVO PORQUE SE FEZ AQUI ESTA ERMIDA, EM QUE PRIMEIUO FOI VENERADA, ATÉ QUE SE TRASLADOU A OUTRA MAIOR, E D'ESTA, Á MAGNIFICA EGREJA EM QUE HOJE EXISTE, NO ANNO DE 1707.
Sobre esta pedra, ha um painel, representando, do alto, sobre nuvens Nossa Senhora com o menino nos braços, e em baixo, os velhos, reclinados, em acção de dormir.
N. S.ra DO CABO
Virgem Maria defendei dos perigos aos que na
vegaó sobre Augoas do Mar
A ermidinha é interiormente ornada com dez quadros, em azulejo, representando a historia do apparecimento de Nossa Senhora do Cabo; tendo cada quadro uma inscripção explicativa.
Do adro d'esta ermida se descobre um magnifico panorama, tanto para terra, como para o mar.
No fundo do rochedo, por este lado, ha uma enseada, onde já tem chegado botes e canoas, com romeiros de Oeiras, Paço d'Arcos e outros logares; mas é muito perigosa.
Próximo à ermida, do lado do O. existem, as ruínas do antigo forte da Senhora do Cabo, principiado em 1672, na regência do infante D. Pedro, depois, D. Pedro II. — Foi construído quando se augmenuram as fortificações das barras do Tejo e do Sado.
Tinha as armas de Portugal, sobre o arco da poria, e por cima d'ella, a casa da guarda. Era defendido por cinco peças de calibre 24.
Ainda em 1800 existia este forte, em bom estado, porem, o tempo, o mar, e o abandono o toem arruinado, e apenas d'eile hoje restam as ruinas.
Fora do arraial, e alem das casas que ficam descriptas, ha outras edificações, que são dependências da casa da Senhora — são — a casa do fôrpo — a casa da lenha — a casa da opera (que fui construida pelo cirio de Lisboa); teve nma ordem de camarotes, mas hoje tem uma galeria geral. A caixa é espaçosa. Teve bom cenario e vestuário, mas hoje tudo está gasto e velho.
Na casa da fabrica do cirio saloio, fronteira á sacristia da egreja, ha grandes armários, onde se guardam vários objectos de copa e cosinha, e de serviço da mesa, para serviço do cirio que entra e do que sáe. Há também uma casa para os pregadores e mais padres que concorrem à festa; e um grande armazém onde se guarda a berlinda, e o carro triumphal.
São notáveis, a casa da agua, e o pharol. Antes de subir à casa da água, ha uma alameda, com cinco ruas, orladas d'arvores, e no fim d'ellas, duas mezas de pedra, com assentos em volta, também de pedra. É n'esta alameda que os romeiros passam grande parte do tempo, em banquetes, danças e descantes [...] (1)
oooOooo
Nossa Senhora do Cabo — No cabo de Espichel (Promontório Barbarico).
Sobre a apparição da imagem veja-se o livro: "Memoria da prodigiosa imagem da Senhora do Cabo; descripção dn triumfo com que os Festeiros, e mais Povo de Benfica, a conduzirão à sua Parrochia em 1810, para a festejarem em 1817," etc, por Frei Cláudio da Conceição — Lisboa, na Impressão Regia. Anno 1817.
O templo é uma fabrica magestosa, com trez portas e duas torres. Ao norte, e perto do templo, está a ermida da Memoria, em cujo sitio é tradição que Nossa Senhora appareceu.
A imagem tem o Menino nos braços. O manto foi bordado pela rainha D. Maria I. A ermida doou-a Diogo Mendes de Vasconcellos, em 1428, aos dominicanos de Bemfica que a habitaram e por fim a abandonaram em razão da aspereza do clima.
Depois passou a administração para a camara de Cezimbra, começando então o cyrio do termo de Lisboa, chamado dos saloios. Um dos duques de Aveiro pediu licença para ir casar ali; desde esse tempo ficou a ermida isenta de direitos parochiaes. (2)
oooOooo
A SAíDA DO CYRIO
PRIMEIRO ANJO
Mãe de Deus! Virgem Santíssima! Rosa Mystica da aurora, Estrella da madrugada, Da terra e dos ceus Senhora!
Porto Brandão, capela da Nossa Senhora do Bom Sucesso, inaugurada em 1864.
Imagem: Correia, António, Divagando sobre Caparica..., Almada, edição do autor, 1973
Da egreja do nosso Monte, Vamos, piedosos romeiros, Levar-te ao Cabo, onde guias, Alta noite, os marinheiros!
Que tu dás, Virgem Maria! — Entre sorrisos e flores — Esperança aos desgraçados, E perdão aos peccadores!
SEGUNDO ANJO
Um dia, sobre uma cruz, Beijaste teu filho morto! Conheces todas as dores, Para todas tens conforto!
A mãe que vê nos seus braços Um filhinho moribundo, Se não se apéga ao teu manto, Quem lhe ha de valer no mundo?!
Agora, mais do que nunca. Necessita Portugal, Que lhe protejas seus filhos, Padroeira celestial !
Portugal, onde tens sempre Teus floridos sanctuarios! Portugal, ameaçado Pelos herejes corsários!
CORO DOS ANJOS
Romeiros, avante, avante! Na piedosa romaria. Levamos por companheira A Virsem Santa Maria!
Charneca de Caparica, Quinta da Regateira, local de passagem do círio, c. 1900.
Imagem: João Gabriel Isidoro
CHEGADA AO CABO
PRIMEIRO ANJO
Ó mar das aguas sem termo, Do constante labutar!... Só tu és fanal, Senhora, De todo este vasto mar!
Só tu, com teu manto azul, Morenita, morenita, Sorrindo, as ondas acalmas! Bemdita sejas, bemdita!
Nasce do lado do norte Sempre o musgo no pinheiro! Também dás norte, na terra, Ao perdido forasteiro!
PARTIDA DO CABO
CORO DOS ANJOS
Adeus, Senhora do Cabo! Fica-te agora em teu ermo, Vigiando os navegantes, Por essas aguas sem termo!
Adeus, adeus! Voltaremos Outra vez em romaria, Nós, teus filhos, teus escravos, Ó Virgem Santa Maria ! (3)
Arriba Fóssil da Costa de Caparica (faixa de 70 metros para o interior a contar da crista da arriba, segundo a Resolução do Concelho de Ministros nº178/2008, 24 de Novembro) [...]
Costa da Caparica, vista da Quinta de Santo António e da Mata Florestal, tomada do Alto do Robalo, década de 1930.
Imagem: ed. desc.
foi classificada como área protegida segundo o Decreto-Lei nº 168/84, de 22 de Maio, pelo seu excecional valor paisagístico, geológico e geomorfológico.
a área da Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica é igualmente uma reserva botânica de elevado interesse, a Mata Nacional dos Medos, classificada segundo o Decreto-Lei nº 444/71, de 23 de Outubro.
Escarpements formés par le Miocène et Pliocène entre Costa de Caparica et Adissa [Adiça], cliché P Choffat, c. 1900.
Imagem: Internet Archive
A paisagem protegida que compreende parte da arriba fóssil estende-se por 13 km na plataforma litoral, desde a Costa de Caparica à Lagoa de Albufeira e tem uma superfície aproximada de 1599 hectares. (1)
As acácias em flor formam um mar doirado ao lado do outro mar... daí para o sul, é uma cadeia de pontos pitorescos onde podem estabelecer-se novos núcleos de população ou onde quem queira pode isolar-se em maravilhosos recortes de paisagem.
Descida do Robalo, Foz do Rêgo, Descida dos Carrascalhinhos, Descida das Vacas. etc.. etc.. etc.. até ao paraíso — a Fonte da Telha — sem dúvida a praia ideal. o melhor que pode haver, — porque não pode haver melhor em parte alguma do mundo...
Fonte da Telha, Carta dos Arredores de Lisboa — 75 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1903.
Imagem: IGeoE
Dai para o sul, ainda poderia continuar a peregrinação: Blunete, Mina do Ouro, Balcões, a Malha Negra, Olhos de Água, a Lagôa...
Mas a Fonte da Telha é o paraiso. Na rocha, a 200 metros de altura, pinhal cerrado, secular, a tôda a extensão norte e sul; a rocha descai em declive suave a conduzir à praia, ali, pertinho a
100 ou 150 metros de distância. Águas medicinais, férreas, bicarbonatadas e doutras mineralizações. Riqueza de peixe.
Fonte da Telha, Dois barcos, História pela imagem dos barcos na Costa de Caparica, Cruz Louro, 1971.
Imagem: Cruz Louro
Umas dezenas de barracas de pescadores subindo o declive. A Fonfe da Telha é alguma coisa de extraordinàriamenie belo e salutar. Vive-se ali entre o mar e os pinheiros. São unânimes todas as opiniões: não há, não pode haver melhor.
Estará, relativamenie a transportes e a comodidades, semelhante ao que a Praia do Sol era há uma dúzia de anos. Quando a Praia do Sol fôr como Espinho, a Fonte da Telha será como
a Granja.
Entretanto, quem apreciava a rusticidade primiliva da Costa e lamenta agora a invasão do progresso, da concorrência tumultuária, tem ali e terá ainda durante muitos anos, vastissimo campo de isolamento.
A Fonte da Telha (Costa da Caparica, Praia do Sol), Cruz Louro, 1937.
Imagem: Cruz Louro
Ali, sim. Param as coisas da terra — é o paraíso. (1)
(1) Praia do Sol (Caparica): estância balnear de cura, repouso e turismo, 1934, M. Costa Ramalho, Lisboa.
Em virtude dos esforços do sr. Jayme da Costa Pinto esclarecido e zeloso representante às cortes pelo círculo de Almada trata-se de realizar, como já dissemos, este importante melhoramento de há muito reclamado.
Área arborizada correspondente ao Pântano do Juncal, Mata do Estado, 1953.
Imagem: Flickr
De um relatório do senhor Henrique de Mendia, com grande senso scientifico e profundo conhecimento do assumpto, vamos extrahir alguns dados interessantes relativos a esses trabalhos.
Os terrenos a que nos referimos, occupam uma superficie de 1,800 hectares e constituem as dunas ou areias, moventes de Caparica, Valle de Trafaria e pantano do Juncal, o beneficio projectado é orçado em pouco mais de 58 contos ds réis.
As dunas da costa de Caparica são constituídas par um trato de areias moveis limitadas pela Torre do Bugio, onde tem a sua menor largura, margem esquerda o Tejo, até próximo da povoaço da Trafaria, recurvando-se com a linha da costa banhada pelo oceano, estende-se para sul até ás proximidades da lagoa de Albufeira, tendo por limite para o interior das terras a base da escarpa e uns terrenos mal cultivados denominados a Charneca.
Costa da Caparica, ponte de madeira sobre a vala, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico
Não nos podemos eximir á satisfação do desejo de transcrever aqui as palavras eloquentes com que o sr. Henrique de Mendia descreve as condições de existencia na povoação da Costa:
"Não se descreve, diz o illustrado agrônomo, porque difficilmente se imagina o árido e desolador aspecto d'estes incultos areaes formados por uma infinidade de dunas de mediana altura em extremo moveis nos logares mais desguarnecidos da pobre é dispersa vegetação rasteira, que n'outros pontos existe com proveito e castigados por um sol ardente que se reffecte e espelha de continuo na silica brilhante.
Plano hydrographico da barra do porto de Lisboa (detalhe), Francisco M. Pereira da Silva, 1857.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal
É esta a paisagem que o viajante descobre á entrada do nosso primeiro porto e da nossa primeira cidade, e é n'este meio que existe uma povoação de muitas almas, acossada pelas areias que procuram de continuo atacar-lhe as trincheiras rudemente defendidas, sem uma estrada regular, que a ponha em eommunicação com os logares populosos, tendo no mar o seu quasi exclusivo sustento, procurado á custa de heroicos esforços tantas vezes impotentes e nas exhalações
deletérias dos pantanos do Juncal o germen constante das febres paludosas de que annualmente enfermam familias inteiras.
Costa da Caparica, Praia do Sol, cliché João Martins, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico
Bem triste povoado e desgraçados habitantes que teem por unico abrigo a choupaqa de colmo, mais pobre do que a cubata de negro, sem que ao menos encontrem na organisação d'este as forças indispensaveis para reagir e lutar contra os miasmas exhalados pelas águas estagnadas e putridas que os prostam ás vezes tão repentinamente como se um accidente os accommettera de imprevisto."
O sr. Henrique de Mendia considera a arborisação das dunas cuja supercie se avalia em cerca de 1,400 hectares como o unico meio de melhorar as más condições d'aquelle trato de terreno.
Trafaria — Valla e estrada da Costa.
Imagem: Delcampe
Como a verba mais importante n'este revestimento dé terrenos é o transporte do matto para cobrir as sementeiras, lembrou-se o illustre agronomo de substituir o transporte do matto dos Pinhaes do Conde dos Arcos e Caparica cuja verba não seria inferior a 2$400 rs. por hectare de sementeira pelo transporte fluvial da Matta da Machada e de Valle de Zebro á Trafaria, ficando assim o custo médio da carrada por 630 rs. em vez de 2$400 réis e portanto o hectare por 50$400 réis, verba á qual adicionando-se outras despesas, guarda do terreno, etc se eleva apenas a 66$000 réis.
A Praia do Sol, Estrada do Parque Florestal, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 114, década de 1930.
Imagem: Delcampe
Calculando o terreno a cobrir êm 900 hectares em consequencia de se deixar 500 hectares para logradouro dá povoaçao, facha de resguardo, zona invadida pelo oceano, etc. a importancia total do revestimento das dunas, sem duvida um dos mais urgentes e uteis melhoramentos do nosso porto, fica em 52:800$000. Ao sr. Henrique de Mendia cabem bem merecidos encomios pelo modo intelligente e economico como indica a realisação d'esse melhoramento.
Costa da Caparica, Alameda de Santo António, ed. Passaporte, 25, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira
O valle areiado da Trafaria passa próximo de Murfacem, toca na costa do Cão e estende-se além de Pera, mede 2 kilometros de extensão sobre 300 metros de largura media, o que dá 80 hectares de superficie. As obras indicadas são, além da sementeira, uma boa e bem construida sebe de defesa na linha de incidência dos ventos reinantes o alguns abrigos internos de mais ligeira construcção entrecrusadas de espaço a espaço, orçadas importancia de réis 3:600$000.
Uma superfície de 30 a 40 hectares, que rodeia a povoação da costa e fica encravada entre as dunas da costa de Caparica e a Charneca é constituida por terrenos
alagados, conhecidos pelo nome de Juncal, denomipação proveniente da abundância de juncos, que ali crescem.
Costa de Caparica, passagem sobre a vala à entrada da vila, década de 1940 (?).
Imagem: Delcampe - Oliveira
Esse pântano alimenta-se das águas pluviaes e do oceano; que por vezes irrompe atravez das areias, depositando ali as suas águas, que ali fjcam represadas por falta de escoantes, em consequencia do nivel do terreno ser inferior ao do oceano. Esta mistura e estagnação produzem miasmas deleterios, ainda mesmo no inverno.
Costa de Caparica, passagem sobre a vala à entrada da vila, década de 1960 (?).
Imagem: Costa da Caparica, anos 60
Para combater estas condições são indicadas as vallas profundas e bem orientadas e uma plantação bem dirigida do encalyptus globolus, arvore de grande poder esgotante e de efficasissimas propriedades hygienicas, estas arvores serão no numero de 39,990 o as vallas occuparão 2,000 metros correnles.
A despeza total para a dessecação e plantação do pântano do Juncal, incluindo o ordenado do guarda no 1.° anno, está calculada em 2:586$900 réis.
(1) Artigo original de Gervásio Lobato publicado no Diário de Notícias e republicado em A Realeza, de Duarte Joaquim Vieira Júnior, edição 1 de de 2 de setembro de 1882, e no Diário de Belém, edição de 3 de outubro de 1882.
Caparica — freguezia, Extremadura, comarca e concelho de Almada, 6 kilometros ao S. de Lisboa, 1:430 fogos. Em 1717 tinha 1:193 fogos. Orago Nossa Senhora do Monte. Patriarchado e districto admintstrativo de Lisboa. Situada na esquerda do Tejo, e d'ella se gosam deliciosas vistas.
É n'esta freguezia a chamada Torre Velha, ou de S. Sebastião de Caparica, que serviu de lasarêto. Fica em frente da torre de S. Vicente, de Belém.
Foi mandada edificar por el-rei D. Sebastião, pelos annos dé 1575.
Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt, técnica mista, 1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército
Principia a freguezia logo á entrada da barra do Tejo, que a banha na extensão de 12 kilometros, pelo N.: o Oceano lhe serve de termo pelo O., e na praia está a aldeia
da Costa, d'esta freguezia.
A matriz é um bello templo, fundado nos fins do século XVI.
O terreno d'esta freguezia é em geral fertil e seu clima saudável. Antes do oidium produzia annualmente, termo médio, 6:500 pipas de bom vinho.
Na aldeia de Mofacem, d'esta freguezia ha 30 e tantas cisternas, todas magnificas e de dispendiosa construcção, obra dos árabes.
Foram elles que deram a esta aldeia o noma de mo-hacem, que significa barbeiro.
Vè-se pois que esta povoação é muito antiga. Capa tambem é palavra arabe (que os mouros adoptaram dos persas) significa mesmo capa. (Capote é diminutivo de capa.)
Ha duas tradições sobre a etymologia de Caparica.
Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.
A segunda versão (e mais verosimil) é que, sendo a Senhora do Monte, de muita devoção para estes povos limitrophes, concorreram todos para lhe fazerum esplendido manto (ou capa) pelo que a Senhora ficou d'álli em diante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica.
Junto a Caparica está o convento de capuchos arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Távora quarto senhor de Caparica, em 1564. Elle morreu em 15 de fevereiro de 1573, e jaz na egreja do mesmo convento.
Costa da Caparica, Convento dos capuchos antes da restauração, ed. Passaporte, 30, c. 1950
Imagem: Delcampe, Oliveira
Este fidalgo, sendo embaixador de Portugal em Hespanha, em uma occasião que o imperador Garlos V estava zangado com elle, lhe disse : "Eu sei muito bem quantos rios e pontes tem Portugal" ao que Tavora respondeu: "Os mesmos que linha em 14 de agosto de 1385." Digna resposta de um bravo portuguez.
Caparica foi antigamente da comarca de Setúbal.
D'esta freguezia se avista a serra da Arrabida, Palmella, o mar, o Tejo, Lisboa e outras muitas povoações, montes e valles.
Antes de 1834 era o povo da freguezia que apresentava o cura, a quem davam anualmente, 1 moio de pão meiado e 5 pipas de vinho em mosto, a saber: os que tinham liuna junta de bois davam nm alqueire de pão, os que tinham duas ou mais, dois alqueires, e cada fazendeiro um pote de vinho. Andava tudo por 250$000 réis. Além do convento dos capuchos arrabidos, ha mais n'esta freguezia um convento de frades paulistas, fundado em 1410. Este mosteiro está em um profundo valle, e era denominado, convento de Nossa Senhora, da Rosa. Na sua cêrca ha uma fonte, cuja agua dizem que cura a lepra e outras moléstias cutaneas. Foi fundador d'este convento Mendo gomes de Seabra.
Outro de frades agostinhos descalços, fundado em 1677. Este é no logar da Sobrada [Sobreda]. Ha n'esta freguezia nada menos de 24 capellas, entre publicas e particulares.
É terra muito abundante de aguas.
Tem vários portos de mar, sendo os principaes, Benatega, Porto Brandão, Paulina, Portinho da Costa e Trafaria.
Benatega é a palavra árabe ben-ataija. Significa, filho ou descendente da coroada. Vem de ben filho, ou descendente e de ataija coroada.
No logar da Costa, d'esta freguezia esteve (julgo que em 1823 ou 1824 D. João VI, hospedando-se na única casa de pedra que alli então havia (todas as mais eram cabanas da palha)
Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, 1909.
Imagem: Delcampe
e tanto gostou da caldeirada que alli lhe deram, que fez o cosinheiro (dono da casa) mestre das caldeiradas (!) com a renda de 800 réis diários emquanlo vivo.
Costa da Caparica, casa da coroa.
Imagem: almaDalmada
Também aqui esteve a sr.a D. Maria II e depois, quando rei, seu filho, o sempre chorado D. Pedro V. (1)
A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.
Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE
Lugar
solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo.
E para fazermos segura ideia do que era Charneca antiga e de que então era Vale de Rosal, e a sua importância histórica, ouçamos o que em 1647 diz o Padre Baltazar Teles em sua Chronica da Companhia de Jesus
em Portugal:
— Tem o colégio de Santo Antão (uma das primeiras casas da companhia de Jesus em Lisboa) uma grande quinta ou para melhor dizer, uma vinha chamada Vale de Rosal, que está na banda d’além, no termo de Almada, limite de Caparica, na freguesia de Nossa Sra. Do Monte, distante do porto de Cacilhas quase uma boa légua.
Fica esta quinta no meio de uma grande e estendida charneca: é lugar todo à roda muito tosco, seco e estéril, cheio de silvados incultos, continuado de matos maninhos, e de areais escalvados, escondido em vales, cercado de brenhas, coberto de pinheiros bravios, de zimbros, de tojos e de outros frútices silvestres: é sítio mais acomodado para caças de monteria que para morada de gente culta, e por isso mui frequentao de corças e veados, infesto de lobos e de outros animais monteses. (2)
Afonso Costa, o Ministro da Justiça visita a Quinta do Vale do Rosal, 1911. Ilustração Portuguesa, n° 263 II série, Lisboa, Chaves, José Joubert
Imagem: Hemeroteca Digital
(1) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1874 Mattos Moreira, Lisboa,
(2) Vieira Júnior, Duarte Joaquim, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896