Mostrar mensagens com a etiqueta Pesca. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Pesca. Mostrar todas as mensagens

domingo, 19 de março de 2023

O último "lance"... (março de 2023)

A esperança, a esperança! ... O mar longe, movido
Solta, de quando em quando, um lúgubre gemido...

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, década de 1900.
Pescadores lançando uma embarcação ao mar,
Arquivo Municipal de Lisboa

O pescador da Costa abandona a cabana;
Deixa filhos, mulher!... Na carreira vesana
Vae perguntar trabalho, e sem poder lograr
Companha, que se afoite ao truculento mar!

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, década de 1900.
Colégio do Menino Jesus e casas típicas de pescadores.
Arquivo Municipal de Lisboa

No areal da Costa não rebenta a vaga;
Todo o mar sereno! Pobre pescador!...
Lança em vão os olhos... Da deserta plaga
Não descobre ao longe nem signal, que traga
Negra de sardinhas, ondulando á flor!

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, década de 1900.
Pescadores puxando uma embarcação para o areal,
Arquivo Municipal de Lisboa

Não seja o tempo fatal
Aos do mar, e ao pescador;
Que o mais este vendaval
É propicio ao lavrador!

Pesado estoira o mar, pelo areal da Costa;
Sibila, range, estrala, o pinheiral da encosta! (1)


(1) Raimundo António de Bulhão Pato, Livro do Monte, georgicas, lyricas, 1896, Typographia da Academia, Lisboa.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

As primitivas barracas dos pescadores

Segundo uma tradição que parece consistente, teriam sido os ilhavenses, vindos do Norte na sua avançada pioneira de exploração de novas pescarias, quem primeiro se estabeleceu na Costa da Caparica, até então deserta; e, imediatamente após eles, os algarvios, vindos do Sul. Uns e outros, além da pesca e da organização que esta implica, trouxeram consigo os seus hábitos e costumes próprios, que implantaram nestas paragens.

A Praia do Sol, As primitivas barracas dos pescadores, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 111.
Delcampe

Passados os primeiros tempos, em que toda essa gente permanecia na Caparica apenas durante a época da safra, nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro, vivendo em "singelas e pequenas choupanas, a que largavam fogo quando se retiravam para as suas terras", começa a dar-se a sua fixação: os ilhavenses ao Norte, sobre um medo elevado que existe perto do ponto onde agora se situam as barracas dos pescadores; os algarvios ao Sul, cada qual em seu bairro, fazendo vida separada.

Paisagem com pescadores e cabana de palha a arder, Joaquim Manuel Rocha (1727-1786).
Palácio do Correio Velho

Os algarvios, para se abrigarem, construíram sem dúvida barracas de estorno ou junco, idênticas às que usavam na sua terra de origem, e com os mesmos materiais que ali também se encontram. A habitação tradicional característica do pescador ilhavense, no Norte, é o palheiro de tabuado, apenas com a cobertura em estorno.

Costa da Caparica, cabanas de colmo e tabuado.
Estampa, Madrid, 13 de fevereiro 1932

As mais antigas notícias de que dispomos referentes à Costa da Caparica, dos séculos XVIII e XIX, mencionam, como veremos, exclusivamente um aglomerado de "barracos de palha" (à excepção de Rocha Peixoto, que no seu estudo sobre os "Palheiros do Litoral", datado de 1898, in «Portugália» I, Porto, 1899, pp. 79 96, fala na "imutável traça" do palheiro de tabuado, mas cuja excessiva generalização já denunciamos);

Costa da Caparica, Antigas casas de pescadores, Acção Bíblica (Aliança Bíblica), década de 1930.
Delcampe

se estes termos correspondem a uma indicação rigorosa e precisa, temos de supor que aqui, onde sem dúvida a madeira para o tabuado seria de difícil e dispendiosa obtenção, esses pio neiros ilhavenses adoptaram, não a forma da sua habitação tradicional, mas a dos seus co vizinhos algarvios, mais fácil de construir, que teriam imitado e usado até muito tarde.

Costa da Caparica, Casa de pescadore, Luiz Salvador Jr., 1947.
Luís Salvador Júnior

Mas, como veremos, é de admitir que se trate de uma mera generalização sem qualquer preocupação de exactidão, e que desde muito cedo houvesse casas de tabuado, e apenas com telhados de colmo, além de barracos inteiramente em estorno.

Parece terem sido os ilhavenses os que também primeiro ali passa ram a viver com carácter permanente; os algarvios regressavam ao Algarve quando acabava a safra. Ainda em 1770, esta praia era habitada todo o ano apenas por um número muito reduzido de pessoas, e só no ano seguinte ali se fixaram os primeiros « mestres da pesca», dois ilhavenses – Joaquim Pedro e José Rapaz – e dois algarvios – José Gonçalves Bexiga e Romualdo dos Santos –, "em barracas já com maiores comodidades", e com as suas companhas.

Desenho da Costa antiga, autor António Lopes Martins, Col. Particular.
Rui Manuel Mesquita Mendes (fb)


"Dado o exemplo, em anos a seguir, ali se fixaram também os mestres José dos Santos, Jerónimo Dias, João Lopes e Manuel Toucinho". O principal motivo da subsequente fixação também dos algarvios teria sido o receio de perderem a sua zona de pesca (Agro Ferreira, "A Praia da Costa (Caparica) – Terra de Pescadores", Lisboa, 1930, pp. 20, 22, 30 31).

A rivalidade entre ilhavenses e algarvios era grande, mas o elemento nortenho acusava uma certa supremacia, e os algarvios foram-se amoldando; as próprias moradias do bairro velho dos pescadores parecem se mais com as da Costa Nova do que com as do Algarve.

Com o decorrer do tempo, os dois grupos acabaram por se fundir; mas essa primitiva rivalidade perdura, ainda em nossos dias, nos partidos dos jogos dos garotos, que opõem sempre os do Norte contra os do Sul (em 1870 contavam se na Costa da Caparica 307 chefes de família, na sua maioria descendentes de gentes do Norte (António Correia, "A acção dos pescadores de ílhavo em Costa da Caparica", in "Arquivo do Distrito de Aveiro", n.° 130, Aveiro, 1967, pp. 113 118).


Um dos primeiros cuidados destes pioneiros nortenhos foi a construção da igreja, também de junco e tabuado; o cemitério local data de 1780, mas só em 1848 foi murado [de facto trata-se de outro cemitério, mais recente, v. O cruzeiro do lugar da Costa].

Nos princípios do século XIX, a Costa da Caparica era ainda apenas um aglomerado de barracas de palha, na expressão de Pinho Leal; a primeira casa de pedra e cal data de cerca de 1800; quando D. João VI visitou a Caparica em 1823 ou 1824, hospedou se nessa casa, que era a única ainda então existente no lugar, e que é hoje conhecida pelo nome de casa da Coroa, no largo da Coroa (porque o seu dono, em comemoração do acontecimento, mandou incrustar na sua frontaria as armas reais daquele monarca, sobre a esfera armilar (cf. Pinho Leal, vol. 2, pp. 97 98, Lisboa, 1874, " PAM", s. v. Caparica), ver também "A Praia da Costa" (Agro Ferreira), p. 30).

Costa da Caparica, Casa da Coroa, Cruz Louro, 1935.
Rui Manuel Mesquita Mendes (fb)

Em 1840, um grande fogo, chamado da "Quinquilheira", devorou 98 barracas; em 1864, outro, devorou cerca de 60; e em 1884, outro ainda, devorou também cerca de 60.

Por volta de 1900 a Costa da Caparica continuava a ser apenas um arraial de barracas; "a única casa mista de cantaria e madeira, era uma taberna" (Raquel Soeiro de Brito, "Palheiros de Mira», p. 23"). [esta generalização não corresponde à verdade, em 1859 já existiam diversas construções em alvenaria, v. Maria Rita do Adrião (1811-após 1903)].

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, colégio do Menino Jesus e casas típicas de pescadores, década de 1900.
Arquivo Municipal de Lisboa

Mais uma vez, porém, não podemos saber se essas barracas seriam de estorno ou tabuado; mas cremos que, pelo menos nessa altura, já ali existiam casas deste último género, embora sem dúvida a par de bar racos de estorno, de que aliás chegaram até quase aos nossos dias alguns exemplares: além dos barracos pròpriamente ditos, há que acrescentar, como bem notou Fernando Castelo Branco, outros, construídos sobre barcos fora de uso, que se vêem em duas aguarelas de Roque Gameiro (v. O Alfama, 3 de 3), que supo mos poder datar desta mesma época, e a que já nos referimos; ora esses barracos são precisamente de tabuado (horizontal), e apenas com a cobertura em estorno (Fernando Castelo Branco, "O estudo das construções de materiais vegetais do Litoral Português", in "Mensário das Casas do Povo", Ano XXIII, n.° 265, Lisboa, 1968, ano XII, n.° 264, 1968, p. 9).

Acresce que os homens velhos da localidade tão longe quanto podem, lembram se da Caparica, como um aglomerado sobretudo de casas de tabuado, tal como ainda hoje.

Costa da Caparica, Praia do Sol.
Bairro dos Pescadores, Cruz Louro, 1934.
BestNet Leilões

Seja como for, a partir de então, a construção em tabuado toma certa mente maior incremento, enquanto os velhos barracos do tipo algarvio se vão extinguindo, acompanhando os rápidos progressos que se verificam nos locais que passam a ser frequentados por veraneantes (Raquel Soeiro de Brito, op. loc. cit.).

Segundo Agro Ferreira, até 1922 esta povoação era constituída apenas por «uma centena de barracas de colmo», a par de «umas dezenas de barracas de tijolo e meia dúzia de casas abarracadas de pedra e cal » (Agro Ferreira, "As praias da Costa – indevidamente chamada da Caparica". I Congresso National de Turismo, II Secção, Lisboa, 1936 – A "Praia do Sol"). Mas, pelas razões apontadas, é difícil saber se a expressão, além das coberturas, se refere também às paredes.

Costa da Caparica, interior de uma barraca de pescadores, Cruz Louro, 1930.
Delcampe

Com efeito, Raul Brandão, falando da Costa da Caparica em 1923, dá a entender que as casas aí eram, pelo menos então, de tabuado (Raul Brandão, "Os Pescadores", 1923, p. 248: "Quatro tábuas e um tecto de colmo negro"). E Leite de Vasconcelos, que a visita em 1931, nota que, pouco tempo antes, ainda ali se via grande número de casas de madeira cobertas de colmo, « que vão sendo substituídas por óptimas vivendas» (J. Leite de Vasconcelos, "Etnografia Portuguesa", II, p. 564). "O telhado faz se de barrotes de pinheiro, castanheiro (!), etc., pondo se lhe por cima canas grossas, e sobre as canas feixes de estorno, atado a elas com linhas de carreto. Chamam barracas a estas casas, que vão desaparecendo. Os compartimentos podem ter divisões ou simplesmente cortinas, ou de caniçadas de estorno."

Aspecto do bairro piscatório da Costa da Caparica, 1938.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Note se que este autor publica uma fotografia antiga da Costa da Caparica, em que se vêem alguns escassos barracos que parecem ser de tabuado, no meio de uma chusma de outros inteiramente de estorno, do tipo algarvio, dispersos no areal (J. Leite de Vasconcelos, "Etnografia Portuguesa", III, p. 487 488, e fig. 126, p. 489).

Hoje, na Costa da Caparica, nenhum exemplar subsiste de tais barracas, e domina inteiramente a casa de tabuado, não só para banhistas, numa feição cuidada, como também, no velho bairro dos pescadores, estas térreas, de pau a pique, e tabuado horizontal, virando para a rua a empena, onde se situa a porta; a cobertura em telha de Marselha é a única diferença sensível entre elas e as barracas descritas por Raul Brandão (Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, "Palheiros", p. 95).
nto".

Costa da Caparica, Bairro dos Pescadores.
Arquivo Histórico da Marinha

Embora seja portanto plausível, não se pode contudo, como dissemos, afirmar que essas casas representem a forma primordial das habitações dos ilhavenses que se instalaram na Caparica, que reproduziriam naturalmente o sistema construtivo usado na sua terra de origem; na verdade, se os "barracos de palha" a que alude Pinho Leal, eram de junco, do tipo algarvio, elas serão apenas um estádio habitacional mais adiantado, que se teria então iniciado, após que as condições de vida dos seus moradores melhora ram, e os transportes em geral se tornaram mais fáceis.

Em todo o caso, essa nova forma, aqui na Caparica, teria vindo curiosamente ao encontro da mais velha tradição construtiva da região de origem dos seus primeiros povoadores (note-se porém que, aqui, eles não usaram a construção palafítica característica da sua terra de origem e dos outros povoados por eles criados, e que se justificaria pelas mesmas razões, cf. Ernesto Veiga de Oliveira e Fernando Galhano, op. cit. p. 96).
I); 

Costa da Caparica, Bairro dos Pescadores.
Arquivo Histórico da Marinha

Cerca de 9 km a Sul da Costa da Caparica encontra se a Fonte da Telha, "lugarejo de pescadores à beira mar", também "quase totalmente formado por estas primitivas barracas", que "servem de arrecadação, de abrigo de animais e ainda de habitação para o Homem" (Orlando Ribeiro, ap. Raquel Soeiro de Brito, op. cit. p. 23).

A Fonte da Telha surgiu, como povoação, por volta de 1900, e há poucos anos a esta data ainda viviam alguns dos homens que lhe deram começo. Pescadores da Caparica, esses homens deitavam por vezes ali as suas redes de arrasto para terra, e pernoitavam em covas que abriam na duna e sumàriamente abrigavam com estorno, que vergavam amarrando lhe as pontas em cima, de modo a formar como que uma pequena tenda.

A Fonte da Telha (Costa da Caparica, Praia do Sol), Cruz Louro, 1937.
Cruz Louro

Tomada a resolução de aí se instalarem com carácter permanente, eles ergueram barracas, que certamente reproduziram as da Caparica, em que até esse momento tinham vivido.

Em 1934, a povoação, a despeito da sua proximidade da Caparica, que então já evoluirá muito consideràvelmente, mantinha o seu carácter primitivo. Nos últimos anos, graças também à sua frequentação sempre crescente como praia de banhos, o aspecto da Fonte da Telha tem se modificado, e designadamente as barracas de estorno vão sendo ràpidamente substituídas por casas de tabuado ou de materiais duros, que se alinham em arruamentos regulares; mas delas subsistem ainda alguns exemplares.

A estrutura e pormenores de construção dos primitivos barracos da Costa da Caparica, que até aos princípios deste século constituíram, se não a totalidade, certamente uma grande parte, da povoação, já só poderá conhe cer se através dos exemplares ainda existentes da Fonte da Telha, que como dissemos, eram sem dúvida idênticos àqueles (em 1963, ver texto correspondente à nota 279, a descrição de Leite de Vasconcelos das coberturas de estorno das barracas de tabuado da Caparica).


Fonte da Telha, cabana (fig. 254).
Veiga de Oliveira, Galhano, Pereira, Construções primitivas em Portugal

Aqui, a estrutura das paredes consiste numa série de prumos espetados na areia – as muletas; os das paredes laterais são baixos, erguendo se acima do solo pouco mais de 1,50 m; e aos que suportam o pau de fileira (cume), a meio das empenas, chamam prumos de cabeceira.

Os barrotes da cobertura, lançados do frechal ao cume, ficam distantes uns dos outros cerca de 60 cm, e sobre eles pregam-se ou amarram se canas simples ou aos pares, a espaços de cerca de 15 cm. Nas paredes, a ripagem é semelhante, disposta mais espaçadamente.

O estorno do revestimento é cosido a ponto, e o cume leva uma fiada dis posta transversalmente, segura por duas canas, uma em cada vertente; sobre esta fiada dispõe se outra – a combreira – ao correr do cume, também amarrada para as varas. Interiormente as paredes são revestidas de tabuado, colocado horizontalmente (fig. 254).

Na Trafaria, temos indicação da existência – já antes de 1793 – de barracos semelhantes aos de outros pontos da nossa costa, e às "sanzalas ou palhotas" do Brasil e da África, "de palha brava e comprida" ou "folhas dos coqueiros, com paredes de fora de taipa" (Luís António de Oliveira Mendes, "Discurso académico ao Panorama", premiado na sessão pública de 12 de Maio de 1793, in "Memórias Económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa", Tomo IV, Lisboa, 1812, agradecemos esta indicação ao investigador António Carreira).

Costumes portuguezes, um pescador na Trafaria.



(1) Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano, Benjamim Pereira, Construções primitivas em Portugal

Artigos relacionados:
Maria Ritta do Adrião: alojamento local (desde 1859)
Maria Rita do Adrião (1811-após 1903)
Casario
A Costa no século XIX
Não rebenta a vaga
etc.

Tema:
Urbanismo

Polémica sobre outras construções (palheiros, apoios de pesca, restaurantes de praia, residências de veraneio etc.):
Os palheiros da Costa, enquanto evidência da cultura dos pescadores da costa ocidental
Palheiros da Costa da Caparica: em defesa da cultura popular
Estudo de caracterização e avaliação do eventual valor cultural e patrimonial (histórico e arquitectónico) das construções de carácter precário, localizadas na área de intervenção do PP5...

sábado, 20 de agosto de 2022

Ílhava, bateira dos "ílhos", o elo perdido

Em 1770 as ílhavos já tinham construído uma capela na Costa da Caparica, edificada como habitualmente, em tábuas e colmo. Sendo referida a chegada dos mestres Joaquim Pedro e José Rapaz, os demiurgos do povoamento daquela praia. Facto reconhecido pela Câmara de Almada que viria a atribuir a duas mas da localidade os seus nomes. Em 1870 haveria já 307 familias ali instaladas, a grande maioria idas da laguna.

Barco no Tejo com mau tempo, Emeric Essex Vidal (1791-1861), 1833.
artnet

No processo movido pela Inquisição, a Filinto Elísio, iniciado em 1778, pode ler-se ser este notável poeta" filho de um casal de pescadores", ido de fihavo. Daqui se pode concluir, sem margens para qualquer dúvida, que em meados do século XVIII já essas gentes se tinham fixado por aquelas bandas.

Esta referência documental, se outras não houvesse, desde logo nos elucida sobre a presença daquelas gentes no Tejo, e do seu inseparável instrumento de trabalho — a ílhava — num período longínquo da história, coincidente com o período de penúria lagunar em que se verificou, praticamente, o desaparecimento de toda a vida (piscícola e salífera) em que até ali aquela era pródiga.

Pescadores de Ilhavo, Archivo Pittoresco n° 4 (Tomo III), 1860.
(desenho de Tomás da Annunciação, gravura de João Pedrozo)
Hemeroteca Digital

Mas certo é que existem muitas outras referências. Por exemplo, Baldaque da Silva no seu livro Estado actual das pescas em Portugal, Imprensa nacional, escrito em 1891, salientava que "no século passado" — portanto séc. XVIII — a emigração de gentes da laguna de Aveiro para Lisboa, "era já consistente". (1)

Na costa de S. Jacinto, datam de 1755, as referências às primeiras companhas ali fixaram. Tudo leva a supor que teriam utilizado, já então, um outro tipo de embarcação, entretanto criado e aqui desenvolvido — o meia-lua —, embarcação com uma forma singular que abordámos no citado livro Embarcações que tiveram berço na laguna, Capítulo 6. p. 177.

Perante estas indiciações, e não havendo prova documental que o prove em absoluto, somos levados a concluir que a utilização da ílhava com o chinchorro — uma arte menor — teria sido certamente anterior à data atrás referida", em que se teria consumado o aparecimento do, por muitos designado — em nosso entender não rigorosamente —, barco da xávega.

Depressa teriam os pescadores da borda concluído que o bateirão de mar não respondia eficazmente às exigências de uma pesca intensiva.

Este tipo de embarcação só se poderia fazer ao mar em condições muito especiais, quando não se verificasse quebra (pancada) da vaga, significativa, de modo a permitir lançar as redes nas águas, entre a rebentação e o mar".

Estas eram redes varredouras" que seriam de reduzida dimensão para pesca, à borda, num tempo em que só o trabalho braçal era utilizado para sua recolha. Antecipando em muito, o momento em que se passou a usar a tracção animal —o que viria a acontecer na Companha de Manuel Firmino, na Costa de S. Jacinto, em 1887".

Mas se ali, na borda, os atributos das bateiras não eram os ideais, cedo se descortinou que com uma derivação inspirada nas suas linhas, embora reduzindo-lhe as suas dimensões, o Douro oferecia, sazonalmente, as safras do sável e da lampreia.

E aí, as bateiras lagunares tinham as características certas para cabal desempenho do pretendido. Era apenas coisa de mudar para lá as mesmas, levando tralhas e falico, suficientes, para a safra. Deslocaram-nas desde logo para a Afurada' onde se fixavam durante as épocas de pesca, aí constituindo colónias de dimensão assinalável, profusamente referenciadas ao longo dos séculos XVIII e XIX.

Bateira da Afurada.
Arquivo Municipal do Porto

Teria sido dessa sua fixação na referida zona, e da sua utilização na captura do sável, que adviria a confusão de, muitas vezes, a dava ter sido identificada com a designação de saveiro', hábito que mais tarde se estendeu a outras embarcações, como foi o caso do saveiro (meia-lua), da Capariea, que pescava na borda do mar (...) (2)

Portuguese Shipping in the Mouth of the Tagus, S. Clegg, 1840.
BBC Your Paintings

(...) E saltando para a outra banda, fixaram-se na Trafaria. Em todos estes locais edificaram agregados piscatórios (colónias) de apreciável dimensão, muito característicos nos usos costumes, trancados à aculturação com o exterior.

Trafaria, ilustração Roque Gameiro, 1899.
Hemeroteca Digital

Esta singular preservação de usos, trajes, falas e costumes, foi característica e especificidade mantidas pelo longo período de quase dois séculos, em que varinos. daqui saídos e seus descendentes'', permaneceram por aquelas bandas. (3)


(1) Senos da Fonseca, "ílhava" a bateira lagunar com que os "ilhos" escreveram "história"
(1) Idem
(1) Idem, ibidem

Artigos relacionados:
Anatomia comparada
Bateira do Mar, o elo perdido
Ílhavos
etc.

Mais informação:
As bateiras, genealogia, tipologias, distribuição
Bateira (pesquisa) em Ana Maria Lopes, Marintimidades

Leitura relacionada:
Ana Maria Lopes, Diário de bordo da bateira ílhava : a construção, Museu Marítimo de Ílhavo, 2015
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
Senos da Fonseca, Embarcaçoes lagunares bateiras e artes
Senos da Fonseca, Factos & História 
Senos da Fonseca, A arte da xávega
Antonio Arthur Baldaque da Silva, Estado actual das pescas em Portugal, Imprensa nacional, 1892

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Chinquilho

Foi este jogo inventado pelos Cabazeiros da Costa, e Trafarianos, para se entreterem em quanto esperão que se recolhão os pescadores, para lhe atravessarem o peixe em prejuizo dos habitantes de Lisboa, entertenimento este, que faz dar muito gasto aos vinhos da Outra-Banda; cujos armazens levão sempre o ganho certo, e teve a sua criação este jogo, no anno em que se pescou a primeira pescada de rasca (arrasto). (1) 

Costa da Caparica, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, s/n, cliché João Martins, década de 1930.
Fundação Portimagem



(1) José Daniel Rodrigues da Costa, Comboy de mentiras, vindo do reino petista com a fragata verdade encoberta por capitania

Artigos relacionados:
Sape na barba
Na Trafaria, cena da borda-de-água
Caldeirada à Pescador

Leitura relacionada:
Humor impresso: cultura e política em "O Espreitador do Mundo Novo"


Outros trabalhos do autor:
Internet Archive

quinta-feira, 30 de junho de 2022

Pesca de Espinho

La costa portuguesa en este distrito de Aveiro, al Sur de Oporto, es de una triste monotonía. Una larga playa baja, de ñna arena, y cadenas de dunas coronadas á veces por los pinos, que llegan á mirarse en las aguas. Trechos hay, como este de Espinho, en que el mar avanza, ó, mejor, la costa se hunde. A este pueblecito se le está tragando el mar, y muy de prisa.

Praia de Espinho, Faustino António Martins, F. A. Martins, FAM Martins & Silva, MS, 1113 c. 1900.
Aveiro Cultura

El canal tiene aquí, por otra parte, algo de campesino ; parece como que se ruraliza. Sus lindes se confunden en muchas partes ; penetra en la tierra por lenguas de agua. Hacia Estarreja suelen verse velámenes de barcas cruzando un maizal, y en éste, al pie de los árboles, junto á los bueyes, remiendan y arreglan las redes de pesca las mujeres.

Espinho. Barco da pesca e costume, ed. Alberto Malva, década de 1900.
Aveiro Cultura

El campo y el mar verdes, como que se abrazan y mezclan bajo el cielo azul, ofreciéndonos la más fiel imagen de este Portugal campesino y marinero que con los leños de sus bosques aró los más remotos océanos. Y estas sus largas odiseas,


Espinho. Apparelhando o barco de pesca, ed. Violeta Primorosa (reimpressão n° 17), c. 1910.
Delcampe

Por mares d'antes nunca navegados

empezaron, sin duda, por las pesquerías. A los pescadores fué á quienes enseñaron á marear los genoveses, maestros en el arte de los rumbos.

Hay algo de dulce y de manso en este mar, que, aunque á menudo bravio, viene blandamente á besar la tierra y á mezclarse con ella, que no le opone erguidas rocas ni abruptos acantilados. Desembocan en él ríos mansos como el Vouga, y recueida uno el atrevidamente poético rasgo de Tomás Ribeiro cuando, en su lamentable D. Jayme, decía que el mar viene á ahogar su sed angustiosa en el sabroso néctar de los ríos portugueses.

O mar na terna lida porfiosa,
cansado de correr largos desvios,
vem aposar á sede angustiosa
no saboroso néctar de teus ríos.


En esta parte de la costa portuguesa, junten al labrador vive el pescador. Aquél siembra el lino y hace las cuerdas de las redes con que éste pesca, le provee de las maderas para sus barcas.

Espinho. Preparando o barco de pesca, ed. Violeta Primorosa (reimpressão n° 20), c. 1910.
Delcampe

Aquí, en las arenas de esta playa de Espinho, se ven descansar, de proa al mar, las barcas pescadoras. Recuérdanme lo que debieron ser las naves con que los aqueos arribaron á Troya, las naves homéricas. Son, de hecho, como ejemplares sobrevivientes de una especie ya en otras partes extinguida.

Espinho. Preparando barcos de pesca, ed. Violeta Primorosa, c. 1910.
Aveiro Cultura

Tienen, en efecto, algo de primitivo estas barcas sin quilla, fondo plano como el de las chalanas con su apuntada proa al modo de las góndolas, y en ella una cruz de remate. Viéndolas en tropa, cual extraña bandada de aves en reposo, diseñarse sobre el cielo, acuérdase uno de aquellos

esqueletos de galeras
que foram descobrir mundos é mares.


Hay algo de solemne en la suprema sencillez de esta visión para quien lo mira con ojos que recorrieron la historia trágicomarítima de este

Jardim da Europa á beira-mar plantado.

Luego son puestas las barcas en movimiento. Liénanlas con las redes, y, haciéndolas resbalar sobre rodillos, las empujan á las espumosas olas, playa abajo. Los tostados dorsos van apretando contra los costillares de las barcas. Dejan sujeto en la arena el cabo de una de las dos cuerdas de la red. Montan en cada barca unos treinta tripulantes, media docena para tender la red y demás menesteres, y diez ó doce á cada uno de los dos grandes remos.

Espinho. Barco de pesca, Ao Leão d'Ouro, ed. Joaquim Sequeira Lopes, c. 1910.
Aveiro Cultura

Pues dos tiene cada barca, como dos aletas, con un gran ensanchamiento central que hace de estrobo. Y allá van, bogando á alta mar, para arrancarle su sustento, brillando al sol sus bronceadas espaldas, cogidos del remo, como los galeotes, dándose cara media á media docena de hombres en cada uno de los dos remos. Aléjanse de uno á dos kilómetros — en invierno más, pues en verano la sardina se acerca á la costa — , y antes de char la red rezan todos piadosamente. En otro tiempo, los tripulantes de las diversas barcas se peleaban por el sitio en que habían de tender la red, y volvían algunos descalabrados de la refriega.

Espinho. Sahida para a pesca da sardinha, ed. Violeta Primorosa, c. 1910.
Delcampe

A las tres horais de haber salido, vuelven, trayendo el cabo de la otra cuerda. Y es un espectáculo emocionante, y á las veces solemne, ver á las barcas de levantada proa esperar, con el cuello erguido, olas favorables y embes- tir luego á la arena entre cascadas de espuma y gritería de los que las esperan. Y luego, á tirar de las dos cuerdas de la red para recogerla. Tiran desde la playa con parejas de bueyes.

Esto de sacar las redes con parejas de bueyes es lo que más carácter da á la pesca en Espinho, asemejándola á una labor agrícola y prestando asidero á la imaginación para cotejar con la labor de los campos en esta región en gue, como digo, el mar parece se ruraliza.

Espinho. A caminho da rede, ed. Emilio Biel & Ca. n° 134, c. 1900.
Delcampe

En otro tiempo sacaban las redes á brazo, y los que del campo bajaban á esta penosísi- ma labor, estaban exentos del servicio militar. Bien decía el que dijo : « Bendigamos al que primero domó el caballo ; pues, si no, la mitad del género humano estaría llevando á cuestas á la otra mitad. » (Y á pesar del caballo, algo así sucede.)

Durante cosa de dos horas tiran, pues, de cada una de las dos cuerdas de cada red unas diez parejas de bueyecitos rubios, de larga y abierta cornamenta, ocho tirando á la vez y dos de reveza. Y allá los veis caminar pausados por la fina arena que se les hunde bajo las hendidas pezuñas, mansos y sufridos, aguijados por estas mujeres descalzas con su ceñidor á medio vientre y su sombrerito de labradoras, un rodete.

Espinho. Regresso do local da pesca, Ao Leão d'Ouro, ed. Joaquim Sequeira Lopes, c. 1910.
Aveiro Cultura

Ese ceñidor, una faja que se ponen sobre el vientre, bajo la cintura, es característico de las mujeres del Aveiro ; sírveles acaso de apoyo en sus esfuerzos. Y el sombrero responde á la costumbre de llevar las cargas sobre la cabeza.

Espinho. Praia da pesca, Ao Leão d'Ouro, ed. Joaquim Sequeira Lopes, c. 1910.
Aveiro Cultura

Y allá van los bueyes, arando el mar — y así le llaman, lavrar o mar — , uncidos con estos curiosos yugos del Norte y Centro de Portugal. No tiran con la testuz como en Castilla, sino con el cuello y la cruz de las espaldas, sobre las cuales se inclina el yugo, una pieza cuadrangular, de madera de alcornoque, llena de dibujos y tallados decorativos, en cuyo centro se destacan á menudo las armas de Portugal pesando sobre los bueyes.

Tales yugos son una de las cosas más curiosas que hay que ver por aquí. Varían sus motivos ornamentales, de trazado geométrico casi siempre, y en los que el señor Joaquín de Vasconcellos quiere ver un reflejo de la decoración romántica de las portadas de los templos. En Oporto vi el otro día que ha empezado á formarse una colección de estos yugos, lo cual es muy plausible, pero tiene á la larga un peligro, y es que, empezando á coleccionarse yugos en un museo, se acabe por construir nuevos modelos de ellos con destino á el ¿ No se hace acaso, con ocasión de un centenario, sellos para los coleccionistas ? En cuanto el hombre da en coleccionar algo, ya este algo tiende á hacerse artificial y destinado á colecciones, sin que falte quien suponga si habrá un oculto dios marino entretenido en fraguar nuevos tipos de diatomeas para los que las coleccionan, ó un dios Silvano fabricando nuevos insectos para los entomólogos. ¿ No se hacen acaso tipos de perros para los "aperrados"?

Y, entre tanto, los bueyecitos rubios, cabizbajos al peso de sus ornamentados yugos, soportando las armas de Portugal, siguen playa arriba, trillando la arena y tirando de las cuerdas de la red.

Espinho. Tiragem da rede e costumes, ed. Casa Primorosa c. 1910.
Delcampe

Cuando ésta aparece ya á la vista, aflorando las cercanas olas sus flotadores, empieza un vocerío rítmico y se van reuniendo hombres y mujeres. El vocerío éste tiene, como el que levantan ai botar al mar las barcas, algo de rítmico, en efecto. Oyéndolo, y oyendo sobre todo el canto con que acompañan el remo, he llegado á sospechar si el "fado", ese melancólico y quejumbroso canto portugués, que parece pedido de limosna al Todopoderoso, nació al compás del golpe del remo sobre las olas del "saudoso" mar.

Por fin aparece la red sobre la arena, arremolínanse en su torno, y al abrirla chispea al sol la plateada masa, palpitante más que de vida, de agonía.

Y es un espectáculo trágico el de aquel montón de vidas expirantes que se agitan al sol, junto á las olas de que salieron, al rumor del fado eterno del mar. Traen sustento de vida á los hombres, y una vez más se nos aparece como un vasto cementerio ese océano donde acaso se inició la vida y en cuyo seno palpita pode- rosa. ¿ Pero es que estas arenas mismas, lecho 'de muerte, no son en su mayor parte, acaso, restos de caparazones de seres en un tiempo vivos ?

La arena misma, ¿ no es un vasto cementerio ? ¿ No lo es el mar ?

Y como hombre que lee, lleva, quieras que no, un pedante dentro, recordaba yo las teorías de Quintón sobre la cuna de la vida y cómo del mar salimos. ¿ Volveremos al mar ?

Métense hombres en la masa palpitante, hundiendo en ella sus bronceados pies, y á paladas, separando acá y allá algún pescado, van llenando los rapicheles ó redaños, especie de cestos de red en que dos hombres para cada uno llevan la cosecha á tenderla en la arena, donde se hace el cernimiento por mujeres.

No puede ser mayor la analogía con una labor agrícola. Los bueyes sacaron del mar la mies del pescado, apareció en la arena como en la era la parva, y ahora viene el aventarla.

Espinho. Sacco de rede com sardinhaed. Violeta Primorosa (reimpressão n° 10), c. 1910.
Delcampe

Sentadas en la arena van las mujeres haciendo el apartado. Lo más de lo que sacan es espadilla mezclada de cangrejos, y no vale más que para abono de las tierras ; de veinticinco á treinta mil reis la redada, es decir, de 130 á 160 pesetas.

Si es sardina, llega á valer hasta 300.000 reis, esto es, unas 1.600 pesetas.

Y como cosa extraordinaria, de esas que se recuerdan diciéndose, «en tal día de tal año... » se habla de alguna redada que valió un contó, mil duros.

Las gentes que del interior de Portugal y de España vienen á baños, escudriñan maravilladas la cosecha del mar, admirando las extrañas cataduras de tantos peces que nunca vieron, por lo menos vivos. Son de oir los comentarios de los de tierra adentro.

La multiformidad de la vida es un espectáculo de interés inagotable, y un placer de los más puros ver al natural, y en vivo, lo que acaso se vio en estampa, sin acabar de dar crédito á su existencia.

Hacen la selección de la pesca, y luego se subasta allí mismo, en la playa, y en el momento de la subasta aparece el hombre fatídico de uniforme, el odiado ministro del Estado, el implacable representante del Fisco. Lo que cuesta ser nación, y nación pobre !

Espinho. Costumes portugueses. Venda de sardinha, ed. Violeta Primorosa, c. 1910.
Aveiro Cultura


En una charla que tuve con uno de los pescadores, las dos palabras que más se le venían á los labios eran las de contribución y la de hambre. Por dondequiera les persigue el Fisco, forma la más concreta que para ellos toma el Estado.

Parte de la pesca va á la fábrica de conservas, y allí se les ve descabezando y destripando sardinas, cuyos sanguinolentos despojos quedan en la arena para las gaviotas, parte va á la venta al detalle y una parte mayor en carretas celtas para abono de los campos. Los cangrejos no tienen otro destino. Y aquellos mismos bueyecitos rubios, de larga y abierta cornamenta, que tiraron de la red, llevan á los campos, en unos carritos del más antiguo tipo, en unos carritos célticos, de ruedas macizas, haciendo una sola pieza con el eje, y con dos aberturas para aliviarlas del peso, el abono sacado al mar.

Así vuelve la muerte á dar vida, y así devuelve el mar á la tierra algo de lo mucho, de lo muchísimo que de ella los ríos llevan á su seno. Y luego veis en el campo, junto á un maizal, ó junto á un linar de donde salen las redes, un montón de cangrejos ó de espadillas, pudriéndose al sol para enriquecer la tierra. Días pasados estaba yo en la playa viendo sacar las redes á la hora en que iba el sol á acostarse en sábanas de niebla sobre las aguas. Me aparté un poco del sitio donde vaciaban la red, para mejor gozar de la puesta del sol. Una puesta de una solemne majestad religiosa. Al ir á acostarse entre las leves brumas del ocaso, iba cambiando de forma el globo de fuego, como bajo el toque 6.c los dedos de algún invisible alfarero.

Era, en efecto, como cuando la masa de arcilla va transformándose dentro de un tipo general de vasija, al toque del alfarero. Luego empezó á hundirse en las aguas, y cuando parecía flotar sobre éstas un pequeño lago de oro encendido, reco- rríanlo de extremo á extremo vagas sombras. Cruzaban el cielo, sobre las olas, algunets gaviotas avizorando los despojos de la cosecha, y en la arena tendidas las parejas de bueyes, mientras los hombres subastaban la pesca, rumiando aquéllos, afanándose éstos, veían indiferentes, sin mirar, la puesta del sol en el seno del Océano. En sus grandes ojos mansos, ojos homéricos, se ponía también el sol en un mar tenebroso.

Espinho. Arrasto das redes de pesca, ed. Reis (Aurélio Paz dos?) & Dias, c. 1910
Delcampe

¡ Hermosa evocación ! El sol muriendo en las aguas eternas y los peces en la arena, los hombres mercando su cosecha marina, el mar can- tando su perdurable fado, los bueyes rumiando lentamente bajo aus ornamentados yugos, y, allá á lo lejos, las oscuras copas de los pinos empezando á diluirse en el cielo de la extrema tarde. Y junto á los pinos, en la costa, unos cuantos molinos de viento, sobrevivientes tam- bién de una especie industrial que empieza á ser fósil, moviendo lenta y tristemente sus cuatro brazos de lienzo.

Esta contemplación de la puesta del sol marino brisado por la canción oceánica, es una de las más puras refrigeraciones del espíritu ; pero, al detenerme así á mirarle con interés, temo que saque de entre las olas un brazo de luz y, extendiéndomelo, exclame quejumbroso: dez reísinhos, senhore!

Espinho. Pequenos vendedores de sardinha, ed. Grandes Armazens Herminios.
Delcampe

No he presenciado, gracias á Dios, tormenta alguna que haya cogido á los pescadores en el mar, pero me dicen que es imponente espectáculo. Las mujeres chillan y lloran — aquí el canto es lloro y el lloro chillido — , acuden á la ermita de Nuestra Señora de la Ayuda y allí, de rodillas ante el templo cerrado, mezclan ruegos con imprecaciones.

¡ Cuán diferente el espectáculo de la pesca aquí y en la costa de mi tierra, en la brava costa cantábrica ! La botadura al mar de estas barcas seculares y la salida de las traineras de Bermeo, v. gr., son dos cosas que apenas se parecen. Como no se parece aquella costa de ásperas rocas á esta de blanda arena.

Espinho. A caminho da pesca, ed. Violeta Primorosa.
Delcampe

Del siglo XII al XVI progresó la industria pesquera en Portugal. De las colmenas de pescadores salieron los navegantes, y las grandes navegaciones acabaron con las pesquerías. A mediados del siglo XIV, las ciudades de Lisboa y Oporto celebraban con Eduardo III de Inglaterra un tratado para el derecho recíproco de pesca en ambos países durante cincuenta años. Eran tiempos en que iban á la pesca de la ballena.

A principios del siglo XVI se acusa la decadencia, como efecto de los grandes y gloriosísimos viajes. De ochenta barcas de pesca que había en Vianna en 1580, no quedaba ni una sola en 1619 : todo lo arrastró la navegación al Brasil. Lo único que estas navegaciones les trajo para la industria pesquera fué el ir á los mares del Norte á pescar bacalao, lo cual perdieron luego, recobrándolo posteriormente.

Iban los navios portugueses en el siglo xvi á pescar bacalao en Terranova, y según el Tratado das ilhas novas, escrito por Francisco de Sousa en 1570, cuando esos navios fueron entre 1520 y 1525 por primera vez allá, se perdieron sin que se supiera de ellos sino por via de biscainhos que continuam na dita costa á buscar e á rescatar niuitas cousas que na dita costa ha.

Hay quien dice — el P. Carvalho en su Chorographia portuguesa por lo menos — que los portugueses descubrieron Terranova ; en mi tierra se oye decir que los balleneros vascos llegaban allá antes del primer viaje de Colón á América.

Espinho. Consertando as redes de pesca, ed. Violeta Primorosa, c.1910.
Delcampe

¡ Qué tristeza infunde, después de recorrer con la memoria la espléndida historia de las glorias marinas de Portugal, la patria de los más grandes navegantes, ñjar ln vista en estos pobres mansos bueyecitos rubios tirando playa arriba las cuerdas de las redes, sumisas sus astadas testuces bajo los ornamentados yugos en cuyo centro brilla el blasón, un tiempo resplandeciente de gloria, de Portugal !

Espinho, Agosto 1908. (1)


(1) Miguel de Unamuno (1864-1936), Pesca de Espinho, Por tierras de Portugal y de España, 1911

Artigo relacionado:
A procura da arte e da xávega (em Espinho)
 
Museu de Espinho:
Museu Municipal de Espinho (esposições permanentes): Arte-Xávega
Museu Municipal de Espinho (blogspot): As origens da pesca com Arte-Xávega
Arte-xávega
As origens da pesca com arte-xávega
A fixação permanente dos núcleos piscatórios
A pesca com arte-xávega
O "barco-do-mar"
O pescado
As companhas

Padre André de Lima, Espinho: breves apontamentos para a sua história, 1903:
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 1 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 2 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 3 (1979)
Espinho: boletim cultural. Vol. 1 n.º 4 (1979)

Mais informação:
Carlos de Passos, Barcos de pesca, Terra Portuguesa n° 35/36, dezembro 1922
Alfredo Pinheiro Marques, A arte-xávega da Beira Litoral e as suas embarcações, Revista da Armada n° 555, setembro-outubro de 2000
Jorge Branco, Pesca Tradicional na Laguna de Aveiro: Cais, Embarcações e Artes

Leitura adicional:
Raul Brandão, Os Pescadores, Paris, Ailland, 1923, 326 págs, 127,7 MB
Clara Sarmento, Práticas, discursos e representações da cultura popular portuguesa, 2007
Henrique Souto, Comunidades de pesca artesanal na costa portuguesa... 1998
Adolpho Loureiro, Os portos maritimos de Portugal e ilhas adjacentes, 1904
Maria João Marques, Arte Xávega em Portugal