sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Não rebenta a vaga

No areal da Costa não rebenta a vaga; 
Todo o mar sereno! Pobre pescador!... 
Lança em vão os olhos... Da deserta plaga 
Não descobre ao longe nem signal, que traga 
Negra de sardinhas, ondulando á flor!

Costa da Caparica, Antigas casas de pescadores, Acção Bíblica (Aliança Bíblica), década de 1930.
Imagem: Delcampe

A mulher, á porta, de expressão sombria... 
Que fazer lá dentro?... O pequenito dorme. 
Sem ter lume acceso todo o santo dia! 
No interior da casa frio que arripia; 
Na calada aldeia uma tristeza enorme!

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, colégio do Menino Jesus e casas típicas de pescadores, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Dias após dias de ceu resplendente; 
Nem a primavera com mais luz se alegra! 
Vae faltando aos gados o relvão virente... 
Não dá nada a terra. . . nada o mar dormente!... 
Como o tempo é lindo, e como a fome é negra!

Costa da Caparica, Casa de pescadore, Luiz Salvador Jr., 1947.
Imagem: Luís Salvador Júnior

Vem as creancinhas, mal o sol raiando, 
Procurar remédio... Onde encontral-o? Some 
A estiagem tudo! Desditoso bando! 
Ninguém dá esmola; porém vam cantando! 
Cantam, coitaditas, a enganar a fome! (1)

Aspecto do bairro piscatório da Costa da Caparica, 1938.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo


(1) Raimundo António de Bulhão Pato, Livro do Monte, georgicas, lyricas, 1896, Typographia da Academia, Lisboa.

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