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domingo, 11 de dezembro de 2022

Capuchos de Caparica

Como é sobejamente sabido, mas convém aqui resumir apenas para mais fácil enquadramento temporal, a criação da custódia (só mais tarde Província) da Arrábida teve a sua origem no eremitério na serra do mesmo nome, ocupado por Fr. Martinho de Santa Maria após doação do 1º duque de Aveiro, D. João de Lencastre, em 1539. A custódia afirmou‑se a partir de 1542 com a cedência, pelo mesmo duque, dos terrenos na encosta da serra da Arrábida, que contou com o acompanhamento inicial de Fr. Pedro de Alcântara, que aí viveu por 1541‑1542 – altura em que a ermida passou a convento – e em 1549‑1551.

Frei Martinho de Santa Maria (detalhe), Convento de Santa Maria da Arrábida.
IPTI


Esta criação veio, por um lado, despoletar um processo de aprofundamento e alargamento da influência desta «estreitíssima observância franciscana» e acabou por conduzir à instituição e aprovação canónica, em 1560, da Província da Arrábida, ao mesmo tempo que evidenciou a persistência de tensões que movimentos de reforma anteriores não tinham plenamente vencido, assim como a continuidade de anseios espirituais focados numa maior interioridade e menor expressão exterior (...)

De facto, a sua «Patente, em que ordenava ao nosso Custodio, e mais Religiosos seus súbditos, que tirassem os remendos, capuchos e corda, e guardassem na forma dos Habitos a mesma que os da Recoleição», provocou nos frades capuchos «grande desconsolação» e reação.

As polémicas que daí resultaram, as subsequentes nomeações de custódio e guardiães dos 3 conventos, o breve papal que impunha a mudança de hábito e a bem sucedida intercessão do Infante D. Luís para que mantivessem o seu hábito, remendos e capucho («ainda que este mais curto»), vieram a contribuir para o alargamento da custódia e subsequente passagem a Província.

Roque Gameiro

De facto, a resistência dos frades ao intento de Fr. André da Ínsua e ao breve papal, com a proteção do Infante D. Luís e de D. João de Lencastre, fê‑los vencedores do intento de manutenção do hábito e custódia. E porque o número de frades era já superior à capacidade dos três conventos, aceitaram a «oferta, que lhe fazia Lourenço de Sousa, Aposentador mor, para efeito de fundar um convento com o título de N. Sra da Conceição», numa quinta junto a Mofassem (Murfacém), em 1550.

Deste modo, o convento da Caparica veio a ser o quarto convento, a que se seguiram outros posteriormente. Recorrendo às palavras do mesmo cronista da Província, Fr. António da Piedade, na conhecida passagem do seu Espelho de Penitentes sobre esta fundação, «alguns religiosos da observância», quando Fr. André da Ínsua os obrigou a tirar os remendos e o capucho, quiseram manter‑se na custódia, «ou atraídos da suavidade que exalava a virtude neste ameno jardim da Santidade, ou para moderarem os Capuchos as desconsolaçõens que lhe causara o decreto...».

Convento dos Capuchos, Cruz Louro, 1933.
Delcampe

Contudo, como esse lugar em Mofassem (Murfacém) era «tão pobre e pequeno» e veio a revelar‑se também doentio (como se veio a revelar também o de Palhais) e de pouco sossego por ter próximo um poço de que se servia o povo, Lourenço Pires de Távora, «grande devoto e amante nosso, fidalgo tão ilustre», decidiu pôr «em execução», em 1558, a construção do convento – quando era custódio, pela segunda vez, Fr. Luis Delna –, «em pouca distancia do primeiro, em lugar porèm mais sadio».

E fê‑lo «à sua custa», conseguindo que ficasse pronto no mesmo ano. Todos estes factos são suficientemente conhecidos e divulgados nos estudos e informações sobre este convento, mas é importante tê‑los aqui presentes, para enquadrar alguns matizes das redes religiosas e culturais que de seguida apresentarei.

Além do conhecido patrocínio – e proteção – de Lourenço Pires de Távora na fundação do convento e dos seus frades, também conseguiu, quando foi embaixador de D. Sebastião em Roma, obter do Papa Pio IV, em 30 de setembro de 1560, um Breve que conferia aos fiéis que ouvissem missas celebradas no altar‑mor da Igreja do convento «graças e indulgências» como se as «ditas Missas se celebrassem nos Altares das Igrejas de S. Gregorio na cidade de Roma, de S. Lourenço e S. Sebastião extra muros...».


Congratulação de Lourenço Pires de Távora ao Pontífice Pio IV.
Internet Archive

Não era pequeno privilégio – que também revela a capacidade de influência deste embaixador em Roma, nas palavras de Fr. António da Piedade, «com extremoso affecto venerava o Summo Pontifice a Lourenço Pires, pelas singulares virtudes de que era dotado».

Mas não deixa de ser relevante que estas «graças e indulgências» tenham sido requeridas precisamente para este pequeno convento dos capuchos da Caparica, para onde se retirou em 1569 e onde veio a ser sepultado em 1573.

Mas também se deve realçar o facto, igualmente referido pelo cronista Fr. António da Piedade no Espelho de Penitentes, que a «sua consorte dona Catharina de Távora» (filha de Rui Lourenço de Távora e Joana Ferrer de Acuña e dama da Rainha D. Catarina) era «tão grande amante, e devota nossa, que em sua casa tinha hábitos para os Religiosos vestirem enxutos, quando no tempo do Inverno chegassem molhados».

Ou seja, os frades frequentavam não só a casa destes nobres, como tinham um especial tratamento resultante da forte dedicação de D. Catarina de Távora. E tão forte era esta relação familiar que, pelo testemunho do mesmo cronista, «com a mesma devoção nos tratarão os seus des‑ cendentes, confessando alguns que o seu maior alívio era a nossa companhia».

Acresce ao destes nobres – casados – o, também sabido, «bom agasalho» que lhes deram outras figuras de grande relevo simultaneamente social, político e espiritual na época. Com destaque figuram – porque «neste merecimento se aven‑ tajàrão a todos» – Francisco de Sousa Tavares e sua mulher Dona Maria da Silva, «Fidalgos de conhecida nobreza, os quaes morando na Villa de Almada, apenas vião os Frades, jà os levavão para casa com alegres demonstraçoens do muito que os amavão», tendo mesmo, «para os não divertir dos seus virtuosos exercícios», mandado «fazer hum aposento particular, em que os recolhião».

Costa da Caparica Praia do Sol ed. desc. 56 Ruinas do Convento dos Capuchos.
Delcampe

Esta relação foi já objeto de especial destaque por Silva Dias (Correntes de sentimento religioso) e Pierre Civil (Image et dévotion dans l’Espagne du XVIe siècle: Le traité Norte de Ydiotas de Francisco de Monzón, 1563). Contudo, esta proximidade, uma certa intimidade «portas adentro», merece que nos detenhamos um pouco para, se possível, sobressaírem alguns matizes que, creio, não terão sido ainda explorados nos estudos anteriores que tenho referido.

Em primeiro lugar, a fundação do convento por um leigo casado. Apesar de não ser algo de novo – muitos outros conventos, antes e depois, foram fundados por leigos, casados, maioritariamente da nobreza – este era um nobre fortemente influente na corte, e mais tarde em Roma. À sua custa mandou fazer e viu construído no espaço de um ano o convento, com o título de Nª Senhora da Piedade, na Caparica.

Tê‑lo‑á feito pelo «desejo com que solicitava o nosso alivio e melhor commodo», já que no pequeno convento que lhes doara Lourenço de Sousa em Mofacém em 1550 «experimentarão grandes discommodos na saúde, por ser um lugar muito doentio, e também nos exercícios da Religião, pela vizinhança de hum poço que dava agua ao Povo, com a qual frequência se inquietavam», já que não podiam «evitar o tumulto» que lhes criava esta «vizinhança».

Costa da Caparica, Um pormenor dos Capuchos ed. Passaporte 37.
Delcampe


O silêncio era, como se sabe, uma condição essencial às práticas religiosas, aos exercícios espirituais, incluindo a meditação e a oração mental. Mais tarde, sendo embaixador em Roma, empenhou‑se na criação da Província, tal como o próprio Cardeal D. Henrique.

E talvez o Alvará que mais tarde «mandou passar» o próprio rei D. Sebastião «em que ordena que a prohibição de seus Pinhaes naquele terreno se não entenda connosco, e que possamos mandar cortar a lenha que nos for necessária» se deva à influência direta de Lourenço Pires de Távora... (1)


(1) Maria de Lurdes Correia Fernandes, Os capuchos da Caparica no Portugal de meados do século XVI: entre círculos aristocráticos devotos e (re)leituras espirituais, 2021

Artigos relacionados:
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Cronologia breve da Torre Velha (1 de 3)
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Restos do Convento e egreja dos Capuchos em Caparica
O guardião dos Capuchos
etc.

Leitura relacionada:
Fr. Antonio da Piedade, Espelho de penitentes e chronica da Provincia de Santa Maria da Arrabida

Historia de Varoens illustres do appellido Tavora, Continuada em os Senhores da caza e morgado de Caparica. Com a rellacam de todos os successos publicos deste Reyno e sus conquistas desde o tempo do Rey D. Joam III (etc.) ... Publicado por Ruy Lourenco de Tavora (etc.)

sábado, 22 de outubro de 2022

A rosa-dos-ventos

Após 1952, a antiga ermida desapareceria por completo, edificando-se em seu lugar uma outra capela, dedicada a Santo António e ladeada por diversos nichos, onde Elpídio Ferreira desenvolveria uma decoração com o recurso a embrechados, que prolongaria na fachada da estufa que então envolvia a capela, de recorte inspirado na traça da frontaria da igreja conventual, bem como nos miradouros construídos junto ao extremo da cerca mais próximo das arribas.


Caparica, Convento dos Capuchos, julho de 1957.
Delcampe, Bosspostcard

Os espaços seriam cuidadosamente ajardinados, jogando com a presença recorrente da água e de recantos decorados com os referidos embrechados ou com painéis em azulejo, alguns provenientes de outros locais do concelho, ou ainda com trabalhos em mosaico, como o que encimava um dos terraços do jardim, representando uma rosa-dos-ventos, evocação tão ao gosto da época, particularmente propícia ã exaltação da gesta dos Descobrimentos. (1)


(1) O Convento dos Capuchos... Catálogo da Exposição, Camara Municipal de Almada, 2014

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O guardião dos Capuchos
etc.

Mais informação:
Convento dos Capuchos: Mutilação ou Restauro?
O uso da tecnologia BIM em património histórico, um caso de estudo: o Convento dos Capuchos da Caparica
J. Luís da Cruz, O convento dos Capuchos da Costa de Caparica, 1954, Composto e impresso na Gráfica do Sul. Cacilhas

quarta-feira, 30 de março de 2022

Condes de Caparica

O título de 1.º conde de Caparica foi concedido, em 1793, a D. Francisco de Meneses da Silveira e Castro (1754-1834), que foi estribeiro-mor e mordomo-mor da Rainha D. Carlota Joaquina e que era filho de D. José de Meneses e Castro (e Távora), senhor da Patameira e do morgado de Caparica, e da sua esposa D. Luísa Gonzaga, condessa de Rappach. Em 1813, D. Francisco foi elevado, pelo Príncipe-Regente D. João, a 1.º marquês de Valada.

José de Meneses Silveira e Castro, 2° Marquês de  Vallada, desenho de Manuel Macedo.
Memória da República

D. José de Meneses da Silveira e Castro (1826-1895) foi o 2.º marquês de Valada, título renovado por D. Maria II através do Decreto de 1 de dezembro de 1834. Filho único do 1.º marquês e da sua segunda esposa, D. Francisca de Almeida, foi um homem culto e um notável orador, tendo sido par do Reino por sucessão, oficial-mor da Casa Real, governador civil do distrito de Braga e interino do de Lisboa.

José de Meneses Silveira e Castro, desenho de Manuel Macedo.
Memória da República

Casou em 1848 com D. Maria Isabel de Bragança, filha dos duques de Lafões. Teve um filho, D. Francisco Xavier de Meneses e Távora (1854-1914), que foi nomeado 2.º conde de Caparica, mas que faleceu sem descendência, e uma filha, D. Ana de Meneses (1855-1890), que casou com D. Manuel de Meneses, senhor da Casa da Flor da Murta, e que também não teve filhos.

Caparica, Pera, casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, c. 1900.
Internet Archive

Falecendo D. José de Meneses da Silveira e Castro a 15 de outubro de 1895, a representação do título de marquês de Valada caiu na Casa dos marqueses de Olhão e condes de Castro Marim. D. Francisco Xavier foi o último conde de Caparica antes da instauração da República e da extinção dos títulos nobiliárquicos. (1)

O antigo Morgado da Caparica, fundado em 1449 por Álvaro Pires de Távora (v. Távoras de Caparica) e extinto pela Lei de 19 de Maio de 1863, era constituído por vários bens (quintas, propriedades rústicas e urbanas) que, por Sentença de partilhas de 16 de Setembro de 1863, estavam na posse do último Conde de Caparica, D. Francisco Xavier de Menezes, o qual, sendo já viúvo e morador em Paris na Avenida Victor Hugo, n.º 150, vendeu através do seu representante, Joaquim José Monteiro Torres, solteiro, 2.º oficial da Secretaria da Câmara dos Dignos Pares, morador em Almada na Rua Serpa Pinto, n.º 34, a José Vicente Gomes Cardoso (investidor, fundador da SFUAP e entusiasta automobilístico), por uma escritura feita em 10 de Outubro de 1896. (2)


(1) INVENT.ARQ
(2) Rui Manuel Mesquita Mendes

Leitura relacionada:
O marquês de Valada e a tragicomédia da inversão
Diário Illustrado, 16 de outubro de 1895
O último vice-rei do Brasil

Tema:
Távora


domingo, 30 de maio de 2021

Távoras de Caparica

O caso da família Távora é muito interessante porque acabou por "herdar" os bens da família Vasques de Almada, caída em desgraça por se ter bandeado com o Infante D. Pedro na Batalha de Alfarrobeira (1449). 

Armas de Almada chefe, livro do Armeiro-Mor.
Wikipédia

Os Távoras da Caparica foram uma das famílias dominantes e com mais bens na região, junto com os Noronhas/Condes dos Arcos. O primeiro Távora a viver na Caparica foi Alvaro Pires de Távora, que, com os bens dos Almadas que o rei D. Afonso V lhe dera em 1999, fundou o chamado Morgado da Caparica, constituído por uma grande quinta, pinhais e várias terras neste lugar.

Armas de Távora chefe, livro do Armeiro-Mor.
Wikipédia

Já no século xvi, um destes Távoras, Lourenço Pires de Távora, acabou os seus dias nos Capuchos, onde está sepultado;  

Congratulação de Lourenço Pires de Távora ao Pontífice Pio IV.
Internet Archive

Cristóvão e Álvaro, filhos de Lourenço, faleceram em Alcácer Quibir junto com o jovem rei (1578), mas o seu irmão mais novo, Rui Lourenço de Távora, continuaria o morgado, servindo a Coroa como Governador do Algarve (1595-1607) e Vice-Rei da índia (1608-1612).

Rui Lourenço de Távora, 19° Vice-rei da India, 1609/1612.
A Casa Senhorial


O filho deste, Álvaro Pires de Távora, recebeu duas comendas das ordens militares pelos seus serviços na luta contra os Holandeses na Bahia (Brasil) em 1629, e ainda escreveu uma obra laudatória da sua família, que só foi publicada postumamente em 1648, em Paris, pelo seu filho, Rui Lourenço de Távora (2.°), depois falecido nas Guerras da Restauração, no assalto a Badajoz, em 1657. 


Torre Velha, John Thomas Serres, c. 1801.
Catarina Pires no Facebook

O morgado continuou na descendência de um sobrinho-neto, D. José de Menezes e Távora, bisavô de D. Francisco Xavier de Menezes da Silveira Castro e Távora de Rappach, 1.° conde de Caparica (1793) e 1.° marquês de Valada (1813). (1)


(1) Rui Manuel Mesquita Mendes in Luísa Costa Gomes, Da Costa, um flanar pelas praias e montes da Caparica...

sábado, 20 de março de 2021

Lourenço Pires de Távora

Segundo filho de Cristóvão de Távora e de D. Francisca de Sousa, herdaria do pai o morgado de Caparica, por morte precoce do primogénito, Álvaro Pires de Távora. Sabemo-lo ao serviço da capitania de Arzila entre 1526 e 1529, e, em 1535, entre o séquito que acompanha o infante D. Luís no exército que, liderado por Carlos V, conquista a praça de Tunes.

Congratulação de Lourenço Pires de Távora ao Pontífice Pio IV.
Internet Archive

Regressaria ao Norte de África em 1541 como embaixador de D. João IlI junto do rei de Fez. Após uma breve passagem pela Índia, entre 1546 e 1547, onde acompanha D. João de Castro no cerco a Diu, inicia tuna intensa actividade diplomática ao serviço dos monarcas, funções que manteria até pouco antes da sua morte.

Capture of La Goulette.
Tapestry of the series The Conquest of Tunis This Spanish set of the Conquest of Tunis was woven after the original cartoons designed by Jan Cornelis Vermeyen & woven by Wilhelm de Pannemaker in 1549-1551.
Wikipédia

É precisamente na qualidade de embaixador do rei português que percorre muitas das principais cortes da Europa de então, desde a Alemanha de Carlos V à Inglaterra de Maria Tudor, de Castela à França ou aos Países Baixos.


Mapa de Portugal
Fernando Álvares Seco, 1561.
Wikimedia Commons

Entre Abril de 1559 e Abril de 1562, permanece em Roma como embaixador de Portugal junto da Santa Sé, donde regressa para assumir, em finais de 1563, a capitania de Tânger, cujo governo assegura até Abril de 1566. Lourenço Pires de Távora manteria, em simultâneo, importantes funções como conselheiro dos monarcas, intervindo com frequência em assuntos de capital interesse para o reino, desde a politica respeitante às praças africanas aos problemas da sucessão no trono português na menoridade D. Sebastião.

Brasão de armas dos Távoras de Caparica*
(frontispício do Convento dos Capuchos)

Segundo a memória da familia das Távoras redigida por Álvaro Pires de Távora, 7° senhor da Caparica e refundador do convento teria casado com D. Catarina de Távora, dama da rainha D. Catarina, da qual teve pelo menos quatro filhos varões: Cristóvão de Távora, Álvaro Pires de Pávore, Rui Lourenço de Távora e Antónie de Távora, os dois primeiros e o último falecidos ao serviço dos monarcas portugueses no Norte de África, A estes acresceriam, segundo António Caetano de Sousa, pelo menos cinco filhas; D. Joana de Távora, D. Antónia de Távora, D. Francisca de Távora, D. Maria de Távora e D. Paula da Silva. (1)

Roque Gameiro.org

Neste Anno de [1]572 se acha que se entregou a Lourenço Pires [de Távora] a fortaleza de S. Sebastião de Caparica chamada comunmente a Torre velha situada em oposição da de Belém da outra parte do Rio com o intento de ajudar a empedir a entra do porto de Lisboa aos imigos que o intentassem, tinhalhe ElRey [D. Sebastião] prometido a Capitania della desde quando se principiava, e foi o primeiro Capitam que teve logrou a pouco, mas conserva-se em sua casa que anda de juro. (2)

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião de Caparica em 1767.
Obecervaçoens trignometricas q. se fizerão no campo nos citios de Bonus Ayrés e caza brancana Tappada Rial de S. Magestade (detalhe).
Biblioteca Nacional de Portugal

Regressando à Caparica no fim da vida, aí vivia a falecer a 15 de Fevereiro de 1573, fazendo-se sepultar no convento capucho, do qual foi o pioneiro padroeiro. (3)



[SEPULTURA] DE LOURENÇO PERIZ DE TAVORA DO CONSELHO DO STADO D EL REI D. SEBASTIÃO. O I DESTE NOME. INSTITUIDOR E PADROEIRO DESTA CASA FALECEO DE  IDADE DE 63 ANOS A 15 DE FEVEREIRO NO ANO DE 1573. AVEMDO CINQVO SOMAVAS QUE DESCANSAVA EN SUA CASA DE 'MUITOS SERVIÇOS QUE FEZ A ESTE REINO NA PAZ E NA GVERRA EN ASIA AFRICA E EVROPA


(1) O Convento dos Capuchos... Catálogo da Exposição, Camara Municipal de Almada, 2014
(2) Ruy Lourenço de Tavora, Historia de varoens illustres do appellido Tavora..., 1648
(3) O Convento dos Capuchos...Idem

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Restos do Convento e egreja dos Capuchos em Caparica
O guardião dos Capuchos
etc.

Leitura relacionada:
Historia de Varoens illustres do appellido Tavora, Continuada em os Senhores da caza e morgado de Caparica. Com a rellacam de todos os successos publicos deste Reyno e sus conquistas desde o tempo do Rey D. Joam III (etc.) ... Publicado por Ruy Lourenco de Tavora (etc.)



* Os senhores da casa de Távora desde os modificaram o seu brasão, acrescentando em bordadura a divisa QUASCUNQUE FINDIT, e passando o golfinho do timbre para o centro do escudo. Destas armas, assim alteradas, usaram ùnicamente os marqueses de Távora, os condes de Alvor, e, talvez, os de S. Vicente [cf. Anselmo Braamcamp Freire, Brasões da Sala de Sintra, Vol. III, p. 109].

domingo, 25 de novembro de 2018

Restos do Convento e egreja dos Capuchos em Caparica

Fora fundado em 1564 por D. Lourenço Pires de Tavora, quarto senhor de Caparica, o convento de capuchos arrabidos, cujas ruinas a nossa gravura reproduz.

Roque Gameiro.org

Na egreja d'este convento está o túmulo do seu fundador, que falleceu a 15 de fevereiro de 1573. D. Lourenço Pires de Tavora fora embaixador de Portugal em Hespanha, sendo imperador Carlos V.

Caparica é povoação situada em frente de Lisboa, na margem esquerda do Tejo. É de fundação muito an­tiga, dando-se ao nome que ella tem, de Caparica, duas tradições muito curiosas, segundo refere Pinho Leal, no seu Portugal antigo e moderno.

Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas, sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.

A segunda versão é que, sen­do a Senhora do Monte de muita devoção para estes povos e limitrophes, concorreram todos para se lhe fazer uma esplendida capa, pelo que a Senhora ficou d'ahi em deante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica. (1)


(1) Manuel Pinheiro Chagas, História de Portugal, popular e ilustrada, Volume 4,
cf. Roque Gameiro.org


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Freguesia de Caparica no século XIX

domingo, 12 de junho de 2016

Freguesia de Caparica no século XIX

Caparica — freguezia, Extremadura, comarca e concelho de Almada, 6 kilometros ao S. de Lisboa, 1:430 fogos. Em 1717 tinha 1:193 fogos. Orago Nossa Senhora do Monte. Patriarchado e districto admintstrativo de Lisboa. Situada na esquerda do Tejo, e d'ella se gosam deliciosas vistas.

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa, 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

É n'esta freguezia a chamada Torre Velha, ou de S. Sebastião de Caparica, que serviu de lasarêto. Fica em frente da torre de S. Vicente, de Belém.

Foi mandada edificar por el-rei D. Sebastião, pelos annos dé 1575.

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt, técnica mista, 1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército

Principia a freguezia logo á entrada da barra do Tejo, que a banha na extensão de 12 kilometros, pelo N.: o Oceano lhe serve de termo pelo O., e na praia está a aldeia da Costa, d'esta freguezia.

A matriz é um bello templo, fundado nos fins do século XVI.

O terreno d'esta freguezia é em geral fertil e seu clima saudável. Antes do oidium produzia annualmente, termo médio, 6:500 pipas de bom vinho.

Na aldeia de Mofacem, d'esta freguezia ha 30 e tantas cisternas, todas magnificas e de dispendiosa construcção, obra dos árabes. 

Foram elles que deram a esta aldeia o noma de mo-hacem, que significa barbeiro.

Vè-se pois que esta povoação é muito antiga. Capa tambem é palavra arabe (que os mouros adoptaram dos persas) significa mesmo capa. (Capote é diminutivo de capa.)

Ha duas tradições sobre a etymologia de Caparica.

Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.

A segunda versão (e mais verosimil) é que, sendo a Senhora do Monte, de muita devoção para estes povos limitrophes, concorreram todos para lhe fazerum esplendido manto (ou capa) pelo que a Senhora ficou d'álli em diante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica.

Junto a Caparica está o convento de capuchos arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Távora quarto senhor de Caparica, em 1564. Elle morreu em 15 de fevereiro de 1573, e jaz na egreja do mesmo convento.

Costa da Caparica, Convento dos capuchos antes da restauração, ed. Passaporte, 30, c. 1950
Imagem: Delcampe, Oliveira

Este fidalgo, sendo embaixador de Portugal em Hespanha, em uma occasião que o imperador Garlos V estava zangado com elle, lhe disse : "Eu sei muito bem quantos rios e pontes tem Portugal" ao que Tavora respondeu: "Os mesmos que linha em 14 de agosto de 1385." Digna resposta de um bravo portuguez.

Caparica foi antigamente da comarca de Setúbal.

D'esta freguezia se avista a serra da Arrabida, Palmella, o mar, o Tejo, Lisboa e outras muitas povoações, montes e valles.

Antes de 1834 era o povo da freguezia que apresentava o cura, a quem davam anualmente, 1 moio de pão meiado e 5 pipas de vinho em mosto, a saber: os que tinham liuna junta de bois davam nm alqueire de pão, os que tinham duas ou mais, dois alqueires, e cada fazendeiro um pote de vinho. Andava tudo por 250$000 réis.

Além do convento dos capuchos arrabidos, ha mais n'esta freguezia um convento de frades paulistas, fundado em 1410. Este mosteiro está em um profundo valle, e era denominado, convento de Nossa Senhora, da Rosa. Na sua cêrca ha uma fonte, cuja agua dizem que cura a lepra e outras moléstias cutaneas. Foi fundador d'este convento Mendo gomes de Seabra.

Outro de frades agostinhos descalços, fundado em 1677. Este é no logar da Sobrada [Sobreda].

Ha n'esta freguezia nada menos de 24 capellas, entre publicas e particulares.

É terra muito abundante de aguas.

Tem vários portos de mar, sendo os principaes, Benatega, Porto Brandão, Paulina, Portinho da Costa e Trafaria.

Enseada da Paulina, revista Branco e Negro n° 60, 1897 (ver artigo dedicado)
Imagem: Hemeroteca Digital

Benatega é a palavra árabe ben-ataija. Significa, filho ou descendente da coroada. Vem de ben filho, ou descendente e de ataija coroada.

No logar da Costa, d'esta freguezia esteve (julgo que em 1823 ou 1824 D. João VI, hospedando-se na única casa de pedra que alli então havia (todas as mais eram cabanas da palha) 

Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, 1909.
Imagem: Delcampe

e tanto gostou da caldeirada que alli lhe deram, que fez o cosinheiro (dono da casa) mestre das caldeiradas (!) com a renda de 800 réis diários emquanlo vivo.

Costa da Caparica, casa da coroa.
Imagem: almaDalmada

Também aqui esteve a sr.a D. Maria II e depois, quando rei, seu filho, o sempre chorado D. Pedro V. (1)

A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

Lugar solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo.

E para fazermos segura ideia do que era Charneca antiga e de que então era Vale de Rosal, e a sua importância histórica, ouçamos o que em 1647 diz o Padre Baltazar Teles em sua Chronica da Companhia de Jesus em Portugal

— Tem o colégio de Santo Antão (uma das primeiras casas da companhia de Jesus em Lisboa) uma grande quinta ou para melhor dizer, uma vinha chamada Vale de Rosal, que está na banda d’além, no termo de Almada, limite de Caparica, na freguesia de Nossa Sra. Do Monte, distante do porto de Cacilhas quase uma boa légua.

O martírio dos 40, Mathaeus Greuter, gravura, 1611.
Louis de Richeome, La peinture spirituelle, Folger Shapespeare  University
Imagem:  Aspectos de devoção e iconografia dos Quarenta Mártires do Brasil...

Fica esta quinta no meio de uma grande e estendida charneca: é lugar todo à roda muito tosco, seco e estéril, cheio de silvados incultos, continuado de matos maninhos, e de areais escalvados, escondido em vales, cercado de brenhas, coberto de pinheiros bravios, de zimbros, de tojos e de outros frútices silvestres: é sítio mais acomodado para caças de monteria que para morada de gente culta, e por isso mui frequentao de corças e veados, infesto de lobos e de outros animais monteses. (2)

Afonso Costa, o Ministro da Justiça  visita a Quinta do Vale do Rosal, 1911.
Ilustração Portuguesa, n° 263 II série, Lisboa, Chaves, José Joubert
Imagem: Hemeroteca Digital



(1) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1874  Mattos Moreira, Lisboa,
(2) Vieira Júnior, Duarte Joaquim, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896