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terça-feira, 1 de novembro de 2022

Alegria no trabalho

Suprimindo todas as instituições privadas e públicas – provenientes da República de Weimar – responsáveis pelos interesses trabalhistas como sindicatos e instituições recreativas, o Estado numa atitude totalitária, e visando anular as lutas de classe, criou em maio de 1933 a Frente Alemã para o Trabalho - Deutsche Arbeitsfront (DAF). Presidida por Robert Ley, a DAF tornou-se no principal mediador entre entidades patronais e empregados, acabando por fundar em novembro do mesmo ano a Kraft durch Freude (KdF), uma organização recreativa (...)

Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
Costa da Caparica, aspecto do almoço dos trabalhadores dos Sindicatos Nacionais, 1937.
Arquivo Nacional Torre do Tombo

Numa ação propagandística e pretendendo regulamentar os tempos livres dos trabalhadores, a Obra sindical Alégria y Descanso facultou aos seus associados átimos de educação cultural e artística, viagens e excursões, formação militante e atividades desportivas, sofrendo influência direta das bases práticas e teóricas das suas congéneres – italiana, alemã e portuguesa. Importa mencionar que, antes da sua consolidação em 1940, a direção da Obra sindical se reuniu várias vezes com os quadros administrativos da OND, da FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho), da KdF, entre 1936 e 1938, para discutir e apreender os seus moldes teóricos e formas de atuação (...)

Costa da Caparica, encontro Jacista (Juventude Agrária Cristã), 1938.
Delcampe Bosspostcard

Similarmente ao modus operandi dos restantes regimes fascistas Europeus, o Estado Novo concebeu, a partir de 1933 várias organizações corporativas, paramilitares, opressivas, propagandísticas e recreativas que o coadjuvaram no projeto de centralização de poder e no controlo integral dos vários domínios da vida pública e privada, tendo em vista a construção de um novo «Homem Português» (...)

Costa da Caparica, Jardim da F.N.A.T., ed. Passaporte n° 46.
Delcampe

Instituído no ano de 1933, o Secretariado De Propaganda Nacional (SPN), sob a orientação de António Ferro, tornou-se responsável pela conceção e promoção de uma política cultural popular que, enquanto conduzia os portugueses para os princípios sociais e políticas do Estado, o dotava de uma irrepreensível imagem tradicional de Bom-Gosto. (1)

Bandeira da Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (F.N.A.T.).
BestNet Leilões

"A organização corporativa da Nação não deve limitar os seus objetivos ao campo das preocupações de ordem meramente material. Por muito graves e instantes que sejam as solicitações de alguns problemas económicos do momento presente, há que alargar os horizontes do nosso esforço.

Sem um intenso movimento de espiritualização da vida e sem um forte apelo aos valores morais, a obra do Estado Novo poderia renovar materialmente a face da terra portuguesa, mas não seria conseguida a sua vitória mais alta: a transformação profunda da nossa mentalidade, o revigoramento de todos os laços e de todos os sentimentos que mantém a comunidade nacional e a perpetuam através dos tempos. (...)

É preciso estimular o ambiente de puro idealismo em que tais instituições se criaram, manter acesa a chama do entusiasmo e da confiança que o pensamento social do Estado Novo Corporativo fez reacender na consciência das massas trabalhadoras"  (2)


Em 1939, e mesmo antes de se converter em Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo (SNI) no ano de 1944, o SPN acumulou novas funções e passou a ter sob a sua alçada a incumbência de estimular e regulamentar a prática turística (...)

Costa da Caparica, fotografia de Pais Ramos,
Panorama revista portuguesa de arte e turismo n° 10, agosto de 1942.
Hemeretoca Digital


Considerando a classe operária como um grupo sensível à criação de associativismos e movimentos de contestação social, o Estado Novo, arvorando a missão de pedagogo nacional, promoveu, adstrito à ação da FNAT, a criação de várias colónias de férias dedicadas aos “trabalhadores inscritos nos sindicatos Nacionais e nas Casas do Povo e as suas famílias”, entre 1935 e 1974.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Pavilhão central, ed. desc. (Neogravura).
Delcampe


Dependendo das débeis condições da Fundação e dos apoios estatais e, inicialmente, restrito à obra desenvolvida na Mata da Caparica, o projeto das colónias de férias nacionais para trabalhadores avançou, durante vinte anos, a título experimental, não existindo condições para identificar, no período em questão, num programa base a si destinado.

Costa da Caparica, Entrada principal para a FNAT, ed. Passaporte, 88, década de 1960.
Delcampe

De facto, apesar de existir empenho por parte do regime e da organização “em melhorar as condições de vida do trabalhador” consagrando “especial atenção à necessidade de assegurar a sua recuperação física”, as fragilidades que a FNAT enfrentou, ao longo dos seus primeiros anos de instituição, não permitiram gerar o equilíbrio necessário para a ampliação desejada da obra «Um Lugar ao Sol».

Apartada da “«cidade de férias» de Cassiano Branco, que se adivinhava veloz e vibrante ao ritmo d’a idade do Jazz-band”, a primeira colónia de férias nacional estruturou-se como uma verdadeira urbanização, de vertente familiar e educativa, adaptando-se ao espaço envolvente em composições de «roupagem» moderna.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Vista aérea, ed. Neogravura.
Delcampe Bosspostcard

“A partir de 1950, atingiu-se o equilíbrio num nível de receitas e de despesas de ordem dos 2,600 contos”, que, conquanto longe de ser o desejável ou “significar desafogo”, permitiu, associado ao terceiro estatuto da Fundação, expandir o projeto das colónias de férias.

Não detendo mais a gestão das colónias balneares infantis e tendo como base a obra de «Um Lugar ao Sol», a FNAT desenvolveu um plano de readaptação dos seus edifícios, anteriormente destinados às crianças, para o público adulto.

Costa da Caparica, F.N.A.T. Um lugar ao sol. Trecho duma avenida, ed. Neogravura.
Delcampe Bossposcard

Enfatizando “as feições de uma obra que Salazar desejava simples, despretensiosa, agradável, higiénica e confortável”, o plano de readaptações, contando com “uma forte carga pedagógica na elevação cultural moral e cívica dos trabalhadores”, dotou os seus edifícios, repetidamente descritos na documentação como «pitorescos» e «com pendor tradicional», de dormitórios destinados a solteiros, quartos familiares, salas de jantar, salas de convívio, bar, casas-de-banho, capela, garagem e áreas funcionais que albergaram cozinhas, despensas e compartimentos destinados a funcionários (...) (3)


(1) Joana Castanheira Gabriel, Arquitetura social da FNAT (1938-1974)..., 2019
(2) Decreto-lei n.º 25 495, 13 de junho de 1935. Diário do Governo n.º 134 - I Série. Presidência do Conselho. Lisboa, p. 857.
(3) Joana Castanheira Gabriel, idem

Artigos relacionados:
Um lugar ao sol
Sobre o projecto de Cassiano Branco
Indevidamente chamada de Caparica
Mata do Estado e Quinta de Santo António

Leitura relacionada:
Panorama revista portuguesa de arte e turismo n° 10, agosto de 1942

sábado, 22 de outubro de 2022

A rosa-dos-ventos

Após 1952, a antiga ermida desapareceria por completo, edificando-se em seu lugar uma outra capela, dedicada a Santo António e ladeada por diversos nichos, onde Elpídio Ferreira desenvolveria uma decoração com o recurso a embrechados, que prolongaria na fachada da estufa que então envolvia a capela, de recorte inspirado na traça da frontaria da igreja conventual, bem como nos miradouros construídos junto ao extremo da cerca mais próximo das arribas.


Caparica, Convento dos Capuchos, julho de 1957.
Delcampe, Bosspostcard

Os espaços seriam cuidadosamente ajardinados, jogando com a presença recorrente da água e de recantos decorados com os referidos embrechados ou com painéis em azulejo, alguns provenientes de outros locais do concelho, ou ainda com trabalhos em mosaico, como o que encimava um dos terraços do jardim, representando uma rosa-dos-ventos, evocação tão ao gosto da época, particularmente propícia ã exaltação da gesta dos Descobrimentos. (1)


(1) O Convento dos Capuchos... Catálogo da Exposição, Camara Municipal de Almada, 2014

Artigos relacionados:
Lourenço Pires de Távora
Quinta Távora e Mosteiro da deceda
Cronologia do Convento dos Capuchos (Caparica)
A Costa romântica de Bulhão Pato
A Costa no século XIX
Restos do Convento e egreja dos Capuchos em Caparica
O guardião dos Capuchos
etc.

Mais informação:
Convento dos Capuchos: Mutilação ou Restauro?
O uso da tecnologia BIM em património histórico, um caso de estudo: o Convento dos Capuchos da Caparica
J. Luís da Cruz, O convento dos Capuchos da Costa de Caparica, 1954, Composto e impresso na Gráfica do Sul. Cacilhas

domingo, 30 de maio de 2021

Távoras de Caparica

O caso da família Távora é muito interessante porque acabou por "herdar" os bens da família Vasques de Almada, caída em desgraça por se ter bandeado com o Infante D. Pedro na Batalha de Alfarrobeira (1449). 

Armas de Almada chefe, livro do Armeiro-Mor.
Wikipédia

Os Távoras da Caparica foram uma das famílias dominantes e com mais bens na região, junto com os Noronhas/Condes dos Arcos. O primeiro Távora a viver na Caparica foi Alvaro Pires de Távora, que, com os bens dos Almadas que o rei D. Afonso V lhe dera em 1999, fundou o chamado Morgado da Caparica, constituído por uma grande quinta, pinhais e várias terras neste lugar.

Armas de Távora chefe, livro do Armeiro-Mor.
Wikipédia

Já no século xvi, um destes Távoras, Lourenço Pires de Távora, acabou os seus dias nos Capuchos, onde está sepultado;  

Congratulação de Lourenço Pires de Távora ao Pontífice Pio IV.
Internet Archive

Cristóvão e Álvaro, filhos de Lourenço, faleceram em Alcácer Quibir junto com o jovem rei (1578), mas o seu irmão mais novo, Rui Lourenço de Távora, continuaria o morgado, servindo a Coroa como Governador do Algarve (1595-1607) e Vice-Rei da índia (1608-1612).

Rui Lourenço de Távora, 19° Vice-rei da India, 1609/1612.
A Casa Senhorial


O filho deste, Álvaro Pires de Távora, recebeu duas comendas das ordens militares pelos seus serviços na luta contra os Holandeses na Bahia (Brasil) em 1629, e ainda escreveu uma obra laudatória da sua família, que só foi publicada postumamente em 1648, em Paris, pelo seu filho, Rui Lourenço de Távora (2.°), depois falecido nas Guerras da Restauração, no assalto a Badajoz, em 1657. 


Torre Velha, John Thomas Serres, c. 1801.
Catarina Pires no Facebook

O morgado continuou na descendência de um sobrinho-neto, D. José de Menezes e Távora, bisavô de D. Francisco Xavier de Menezes da Silveira Castro e Távora de Rappach, 1.° conde de Caparica (1793) e 1.° marquês de Valada (1813). (1)


(1) Rui Manuel Mesquita Mendes in Luísa Costa Gomes, Da Costa, um flanar pelas praias e montes da Caparica...

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Armeiro de Bulhão Pato

A anglomania não se apoderara do poeta, apesar da moda e da tradição, já antiga. A sua espingarda d'então era uma bella arma hespanhola de Eybar — canos de "herraduras" — como nelles se lia em lettras d'oiro, e oitavados até um terço. D'oiro era a mira, e com elle discretamente ornada na bôcca e em volta da fecharia [das platinas] . Nada de oriental nesta ornamentação sóbria — um filete apenas. 

Bulhão Pato por Alberto Carlos Lima (detalhe).
Arquivo Municipal de Lisboa

O guarda-matto [a fecharia] tinha mola de segurança. Elegante e solida, esta caçadeira havia dado as suas provas: a esse tempo entrara já em muitas batalhas, e pouco antes Lopes Cabral — um athleta — matou com ella, em um dia, na Gollegã, setenta e cinco codornizes!


A Eybar succedeu Paris, e a espingarda que lhe conheço em effectivo serviço, ha mais de vinte annos, é uma Gastine-Renette, do systema Lefaucheux, cinzelada e acabada com a maior perfeição. Arma fina e de preço.

Raimundo Bulhão Pato, Miguel Angelo Lupi, c. 1880
Imagem: ComJeitoeArte

Gastine-Renette é úm dos mais illustres entre os fabricantes d'armas contemporâneos. Foi o "Arquebusier" de Napoleão III, o seu fornecedor predilecto de armas de caça e de guerra.

No cabide de armas do poeta vêem-se mais duas — uma de fogo central, belga, e outra Flobert-Remington.

Traiçoeira esta ultima. — Como os machos d'arrieiro morde e dá couce! O cão levanta, e o tiro vem, ás vezes, também para a cara do atirador! Perigoso systema. (1)

Paisagens de caça: Raimundo António de Bulhão Pato, 1829-1912;
sel. textos, org. e notas Nuno Sebastião.
cf. Bulhão Pato, Paizagens, Lisboa, Rolland E Semiond, 1871;

capa de Raphael Bordallo Pinheiro.
Ribeira Seca

Um dia foi que o "lever de rideau" — o prologo — esteve quasi a ser a tragedia. A espingarda de Bulhão Pato — era a de Eybar — deixara-a elle ficar em Allemquer, onde fora caçar, e Cabral, que de lá a trouxera, mandou-lh'a na véspera. Cabral —um grande e experimentado caçador — era tudo quanto ha de mais cuidadoso; podia-se-lhe chamar sem "calembour" [trocadilho], o rei das cautelas. 

Mas uma vez, todos erram, e quando Bulhão Pato, que tinha o costume de dar um fogacho á espingarda, antes de principiar a atirar, o fez sem a menor desconfiança, porque nenhum dos pistons trazia fulminanie, d'um dos canos saiu incendiada a polvora solta, mas o outro disparou um tiro a valer! Encaramo-nos Todos... Estavamos [felizmente] illesos.

O que nos valeu loi o ter elle, também prudente, disparado, como usava sempre, por cima da borda.

Bulhão Pato, Rafael Bordalo Pinheiro,
Album Glórias, 1902
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

— Hein! disse o poeta — de que nós escapámos! Mestre Cabral d'esta vez esqueceu-se!


Uma arribada em calma branca, revista Serões (detalhe) 1907
Hemeroteca Digital de Lisboa


E foi este, em tantos annos, o único accidente. que teve assomos de gravidade. (2)



(1) Zacharias d'Aça, O Tiro Civil n.° 135, sexta-feira 1 de abril de 1898
(2) Zacharias d'Aça, O Tiro Civil n.° 137, domingo 1 de maio de 1898

Artigos relacionados:
Retratos de Bulhão Pato

Tema: Bulhão Pato

Informação relacionada:
Bulhão Pato, Zacharias d'Aça, O Occidente n.° 717, 30 de novembro de 1898
Bulhão Pato, Paquita, Typographia Franco-Portugueza, 1866
Bulhão Pato, Livro do Monte, georgicas, lyricas, Lisboa, Typographia da Academia, 1896 
Francisco Zacharias d'Aça, Caçadas portuguezas: paizagens, figuras do campo
Lisboa, Secção Editorial da Companhia Nacional Editora, 1898



sábado, 20 de março de 2021

Lourenço Pires de Távora

Segundo filho de Cristóvão de Távora e de D. Francisca de Sousa, herdaria do pai o morgado de Caparica, por morte precoce do primogénito, Álvaro Pires de Távora. Sabemo-lo ao serviço da capitania de Arzila entre 1526 e 1529, e, em 1535, entre o séquito que acompanha o infante D. Luís no exército que, liderado por Carlos V, conquista a praça de Tunes.

Congratulação de Lourenço Pires de Távora ao Pontífice Pio IV.
Internet Archive

Regressaria ao Norte de África em 1541 como embaixador de D. João IlI junto do rei de Fez. Após uma breve passagem pela Índia, entre 1546 e 1547, onde acompanha D. João de Castro no cerco a Diu, inicia tuna intensa actividade diplomática ao serviço dos monarcas, funções que manteria até pouco antes da sua morte.

Capture of La Goulette.
Tapestry of the series The Conquest of Tunis This Spanish set of the Conquest of Tunis was woven after the original cartoons designed by Jan Cornelis Vermeyen & woven by Wilhelm de Pannemaker in 1549-1551.
Wikipédia

É precisamente na qualidade de embaixador do rei português que percorre muitas das principais cortes da Europa de então, desde a Alemanha de Carlos V à Inglaterra de Maria Tudor, de Castela à França ou aos Países Baixos.


Mapa de Portugal
Fernando Álvares Seco, 1561.
Wikimedia Commons

Entre Abril de 1559 e Abril de 1562, permanece em Roma como embaixador de Portugal junto da Santa Sé, donde regressa para assumir, em finais de 1563, a capitania de Tânger, cujo governo assegura até Abril de 1566. Lourenço Pires de Távora manteria, em simultâneo, importantes funções como conselheiro dos monarcas, intervindo com frequência em assuntos de capital interesse para o reino, desde a politica respeitante às praças africanas aos problemas da sucessão no trono português na menoridade D. Sebastião.

Brasão de armas dos Távoras de Caparica*
(frontispício do Convento dos Capuchos)

Segundo a memória da familia das Távoras redigida por Álvaro Pires de Távora, 7° senhor da Caparica e refundador do convento teria casado com D. Catarina de Távora, dama da rainha D. Catarina, da qual teve pelo menos quatro filhos varões: Cristóvão de Távora, Álvaro Pires de Pávore, Rui Lourenço de Távora e Antónie de Távora, os dois primeiros e o último falecidos ao serviço dos monarcas portugueses no Norte de África, A estes acresceriam, segundo António Caetano de Sousa, pelo menos cinco filhas; D. Joana de Távora, D. Antónia de Távora, D. Francisca de Távora, D. Maria de Távora e D. Paula da Silva. (1)

Roque Gameiro.org

Neste Anno de [1]572 se acha que se entregou a Lourenço Pires [de Távora] a fortaleza de S. Sebastião de Caparica chamada comunmente a Torre velha situada em oposição da de Belém da outra parte do Rio com o intento de ajudar a empedir a entra do porto de Lisboa aos imigos que o intentassem, tinhalhe ElRey [D. Sebastião] prometido a Capitania della desde quando se principiava, e foi o primeiro Capitam que teve logrou a pouco, mas conserva-se em sua casa que anda de juro. (2)

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião de Caparica em 1767.
Obecervaçoens trignometricas q. se fizerão no campo nos citios de Bonus Ayrés e caza brancana Tappada Rial de S. Magestade (detalhe).
Biblioteca Nacional de Portugal

Regressando à Caparica no fim da vida, aí vivia a falecer a 15 de Fevereiro de 1573, fazendo-se sepultar no convento capucho, do qual foi o pioneiro padroeiro. (3)



[SEPULTURA] DE LOURENÇO PERIZ DE TAVORA DO CONSELHO DO STADO D EL REI D. SEBASTIÃO. O I DESTE NOME. INSTITUIDOR E PADROEIRO DESTA CASA FALECEO DE  IDADE DE 63 ANOS A 15 DE FEVEREIRO NO ANO DE 1573. AVEMDO CINQVO SOMAVAS QUE DESCANSAVA EN SUA CASA DE 'MUITOS SERVIÇOS QUE FEZ A ESTE REINO NA PAZ E NA GVERRA EN ASIA AFRICA E EVROPA


(1) O Convento dos Capuchos... Catálogo da Exposição, Camara Municipal de Almada, 2014
(2) Ruy Lourenço de Tavora, Historia de varoens illustres do appellido Tavora..., 1648
(3) O Convento dos Capuchos...Idem

Artigos relacionados:
Quinta Távora e Mosteiro da deceda
Cronologia breve da Torre Velha (1 de 3)
Cronologia do Convento dos Capuchos (Caparica)
A Costa romântica de Bulhão Pato
A Costa no século XIX
Restos do Convento e egreja dos Capuchos em Caparica
O guardião dos Capuchos
etc.

Leitura relacionada:
Historia de Varoens illustres do appellido Tavora, Continuada em os Senhores da caza e morgado de Caparica. Com a rellacam de todos os successos publicos deste Reyno e sus conquistas desde o tempo do Rey D. Joam III (etc.) ... Publicado por Ruy Lourenco de Tavora (etc.)



* Os senhores da casa de Távora desde os modificaram o seu brasão, acrescentando em bordadura a divisa QUASCUNQUE FINDIT, e passando o golfinho do timbre para o centro do escudo. Destas armas, assim alteradas, usaram ùnicamente os marqueses de Távora, os condes de Alvor, e, talvez, os de S. Vicente [cf. Anselmo Braamcamp Freire, Brasões da Sala de Sintra, Vol. III, p. 109].

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Sentinellas perdidas

Foram crescendo a par;
São irmãos, e do píncaro do monte,
Dominam, todo em circulo, o horisonte
Da Costa brava, e do sanhudo mar!


Sentinelas ou Guardas avançadas, Caparica, Falcão Trigoso, 1935.

Nas grandes invernias,
Sentinellas perdidas, dam signal —
Sempre alerta, n'aquellas serranias —
Ao remoto casal.
Nos silvos das frondeadas ramarias.
Que se approxima o furacão austral!


Junho, 96.


(1) Bulhão Pato, Livro do Monte, 1896

segunda-feira, 3 de junho de 2019

O guardião dos Capuchos

"O guardião dos Capuchos abriu-se connosco um bocadinho e tem boas razões o bom do velho", o que não é senão uma crítica mordaz ao estado em que o convento se encontrava.

Roque Gameiro.org

Ele [Norberto de Araújo] imagina uma entrevista com o velho frei Bernardo:

— Há quantos anos está aqui de guardião?

— Desde 1558 que foi quando o senhor D. Lourenço, que Deus guarde, me trouxe para aqui dos Capuchos da Arrábida. Aqui tem a lápide do túmulo que foi de D. Lourenço, morgado da Caparica, o fundador do convento que foi nesta nave sepultado.

— Quantos anos conta frei Bernardo?

— Quatrocentos e doze de idade!

— E está disposto a viver muito tempo ainda?

—  Enquanto durarem os Capuchos...

Costa da Caparica - Convento dos Capuchos 
Ed. Comissão Municipal de Turismo (fotografia original de Mário Novais)

O que é facto é que a sua campanha resultou e o convento foi restaurado, como se pode ver, pois logo a seguir à publicação deste artigo sai a boa notícia:


"A Câmara de Almada resolveu comprar os Capuchos". (1)


(1) Jornal Praia do Sol, 1 de fevereiro de 1950, cf. Sabe quem foi Norberto de Araújo? (excerto), 1971, RTP Arquivos

Artigos relacionados (Convento dos Capuchos):
Mar de Caparica
Almada Virtual Museum

Artigos relacionados (Norberto de Araújo):
As meninas da Torre
Atragédia do Pensativo por Norberto de Araújo (a publicar)

Mais informação:
O Convento dos Capuchos, Vida, Memória, Identidade, Catálogo da Exposição

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Pera

A propriedade, ou como é dito na língua portuguesa a Quinta, está situada numa parte do país que, pela sua fertilidade, recebeu o nome de Capa Rica ou Rico Manto. Esta freguesia forma uma espécie de península ou língua de terra que se projeta para oeste, situada entre o rio Tejo, no seu lado norte, e o Atlântico, a sul, que aqui faz a baía tão familiar a todos os lisboetas e que se estende desde a foz do Tejo até ao Cabo Espichel.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1903.
Imagem: IGeoE

A Quinta situa-se cerca de uma milha a partir da extremidade ocidental desta língua de terra, e quase a uma distância igual a partir do Tejo e do Atlântico. O nome de Pera foi-lhe dado a ele a partir da abundância de peras anteriormente produzidas na sua vizinhança. A casa não era nem bonita, nem grande nem cômoda, mas cerca de vinte anos atrás, foi consideravelmente ampliada pela construção de uma outra divisão, que foi feita pelo falecido Presidente, o Right Rev. Monsenhor Baines [bispo eq.], e, atualmente, é suficientemente grande para acomodar, sob seu teto, todos os internos do Colégio. 

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

No piso térreo é composta por uma adega razoavelmente grande, notável pela sua frescura, usada para o armazenamento dos barris de vinho e os quartos destinados ao alojamento do caseiro ou fazendeiro e seus trabalhadores. No primeiro andar há uma boa cozinha, uma pequena capela, e seis quartos, um dos quais é grande e serve como um refeitório quando a comunidade aí está. No andar superior são quartos para os Superiores e o dormitório. Os espaços exteriores consistem numa destilaria nova e limpa, adega, lagar, e estábulo.

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

A simplicidade do edifício é amplamente compensada pelo cenário encantador que o rodeia. Indo de leste para oeste, situa-se a meio caminho da encosta norte de um belo vale, ou melhor, depressão com cerca de uma milha de diâmetro, com colinas opostas suavemente inclinadas, e de quase igual altura embora sem grande elevação, estendendo em direcção oeste, até ao Atlântico cujas margens sobrepõe. Todo o vale é vestido, desde a sua base ao seu bordo, com vinhas intercaladas aqui e ali com campos de milho.

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

Inúmeras casas brancas estão espalhadas nos lados suavemente inclinados, enquanto no cume das colinas podem ser vistos ao sudoeste uma igreja e um convento, agora, infelizmente, em ruínas e servindo como celeiro mas que até a supressão das ordens religiosas foi ocupado pelos frades da Ordem de S. Francisco.

Caparica, Convento dos Capuchos, década de 1900.
Imagem: Hemeroteca Digital

A sul, frente à Quinta, a cena é variada, aldeias, moinhos de vento, e pequenas plantações de pinheiros, enquanto a norte, atrás da Quinta encontram-se as duas vilas de Pera, cada um com seu moinho de vento. Pelo meio do vale passa uma estreita estrada pública ladeada de canas, que lhe dão a aparência de um riacho. 

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, vista sul, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

Na extremidade ocidental onde o vale atravessa as colinas, e à distância de cerca de uma milha, uma parte do Atlântico é avistável, o rugido oco das ondas que batem na costa é incessantemente ouvido.

Vista de Caparica, tomada dos Capuchos, anterior aos trabalhos de construção do IC 20.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Vista de Caparica tomada dos Capuchos, após os desaterros no vale cego de Brielas para a construção do IC 20.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Imediatamente abaixo da Quinta fica a casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, que, meio escondida atrás de um tufo de altas árvores antigas, forma um objeto pitoresco, especialmente numa noite de verão, quando como nos tempos antigos o gado era deixado solto para se alimentar nos campos vizinhos. 

Caparica, Pera, casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

O vale é refrescado durante os calores do verão pela brisa do mar que entra na abertura a oeste, e o local é tão salutar que os seus habitantes geralmente chegam a uma velhice extrema. As terras do Colégio, que consistem quase inteiramente de vinhas ficam em volta da casa, estendendo-se desde o cume da colina norte, sobre a qual fica, até à estrada a sul, que atravessa o meio do vale . De tempos a tempos, conforme as oportunidades, apareciam acrescentos de terra, que por compra, eram feitos à propriedade original.

Encantador como este lugar de beleza natural, o amor dos filhos de Lisboa para com a Quinta deve ser procurado em dias felizes nos quais eles possam olhar para trás durante a "quinzena em Pera", que anualmente em setembro, a Comunidade aí passa.

A liberdade absoluta e sem contenção, que a reclusão da freguesia em que a Quinta está situada, torna possível o relaxamento da rigorosa disciplina do Colégio, a deliciosa sensação do "dolce far niente", que sucede à grave tensão mental da preparação para exames; a suave atmosfera ainda pura, revigorante e enriquecida carregada pela brisa a partir da ampla extensão do Atlântico, conferem um charme especial para as duas ou três semanas que aí são anualmente gastas lá, e que são familiarmente conhecida como "tempo da Quinta ".

Jardins do Colégio em Lisboa, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

A estas devem ser adicionadas a beleza da paisagem com "grupos de vinha nas colinas e suas frequentes divagações pelo vale [They had oft rambled forth along the vale...]", e os inúmeros pontos de interesse e de extrema beleza que se encontram ao alcance de um agradável passeio à noite .

Learn Your Homophones: Pear, Pair, and Pare
Imagem: grammarly

A simples menção do cume das alturas escarpadas que aqui formam a linha de costa, defrontando o vasto Atlântico, será suficiente para trazer de volta uma série de aprazíveis reminiscências a cada sucessiva geração de estudantes de Lisboa.

A Praia do Sol, Panorama dos Capuchos, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 107, década de 1930.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Para ver os resistentes pescadores puxar com as suas redes o tributo prateado exigido ás águas prolíficas, ou para passear ao longo da costa desolada e contemplar as ondas a arfar e a curvar soberbas, enquanto gradualmente se aproximam, como que impacientes de contenção, e, soando oco, se joguem furiosamente contra a praia, foram fontes de prazer que repetidas visitas nunca roubaram a sua frescura.

A Praia do Sol, Alando a rede, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 106, década de 1930.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Aqui os grandiosos aspetos da natureza desvelam-se à vista, e o poderoso oceano poderia ser estudado nos seus humores sempre variáveis. (1)


(1) Croft, William, 1836-1926; Gillow, Joseph, 1850-1921; Kirk, John, 1760-1851 Historical account of Lisbon College, 1902, St. Andrew's press, Barnet

Informação relacionada:
Pontifical English College of Sts Peter and Paul - Lisbon

domingo, 25 de novembro de 2018

Restos do Convento e egreja dos Capuchos em Caparica

Fora fundado em 1564 por D. Lourenço Pires de Tavora, quarto senhor de Caparica, o convento de capuchos arrabidos, cujas ruinas a nossa gravura reproduz.

Roque Gameiro.org

Na egreja d'este convento está o túmulo do seu fundador, que falleceu a 15 de fevereiro de 1573. D. Lourenço Pires de Tavora fora embaixador de Portugal em Hespanha, sendo imperador Carlos V.

Caparica é povoação situada em frente de Lisboa, na margem esquerda do Tejo. É de fundação muito an­tiga, dando-se ao nome que ella tem, de Caparica, duas tradições muito curiosas, segundo refere Pinho Leal, no seu Portugal antigo e moderno.

Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas, sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.

A segunda versão é que, sen­do a Senhora do Monte de muita devoção para estes povos e limitrophes, concorreram todos para se lhe fazer uma esplendida capa, pelo que a Senhora ficou d'ahi em deante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica. (1)


(1) Manuel Pinheiro Chagas, História de Portugal, popular e ilustrada, Volume 4,
cf. Roque Gameiro.org


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