Mostrar mensagens com a etiqueta Freguesia de Caparica. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Freguesia de Caparica. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Pera

A propriedade, ou como é dito na língua portuguesa a Quinta, está situada numa parte do país que, pela sua fertilidade, recebeu o nome de Capa Rica ou Rico Manto. Esta freguesia forma uma espécie de península ou língua de terra que se projeta para oeste, situada entre o rio Tejo, no seu lado norte, e o Atlântico, a sul, que aqui faz a baía tão familiar a todos os lisboetas e que se estende desde a foz do Tejo até ao Cabo Espichel.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1903.
Imagem: IGeoE

A Quinta situa-se cerca de uma milha a partir da extremidade ocidental desta língua de terra, e quase a uma distância igual a partir do Tejo e do Atlântico. O nome de Pera foi-lhe dado a ele a partir da abundância de peras anteriormente produzidas na sua vizinhança. A casa não era nem bonita, nem grande nem cômoda, mas cerca de vinte anos atrás, foi consideravelmente ampliada pela construção de uma outra divisão, que foi feita pelo falecido Presidente, o Right Rev. Monsenhor Baines [bispo eq.], e, atualmente, é suficientemente grande para acomodar, sob seu teto, todos os internos do Colégio. 

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

No piso térreo é composta por uma adega razoavelmente grande, notável pela sua frescura, usada para o armazenamento dos barris de vinho e os quartos destinados ao alojamento do caseiro ou fazendeiro e seus trabalhadores. No primeiro andar há uma boa cozinha, uma pequena capela, e seis quartos, um dos quais é grande e serve como um refeitório quando a comunidade aí está. No andar superior são quartos para os Superiores e o dormitório. Os espaços exteriores consistem numa destilaria nova e limpa, adega, lagar, e estábulo.

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

A simplicidade do edifício é amplamente compensada pelo cenário encantador que o rodeia. Indo de leste para oeste, situa-se a meio caminho da encosta norte de um belo vale, ou melhor, depressão com cerca de uma milha de diâmetro, com colinas opostas suavemente inclinadas, e de quase igual altura embora sem grande elevação, estendendo em direcção oeste, até ao Atlântico cujas margens sobrepõe. Todo o vale é vestido, desde a sua base ao seu bordo, com vinhas intercaladas aqui e ali com campos de milho.

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

Inúmeras casas brancas estão espalhadas nos lados suavemente inclinados, enquanto no cume das colinas podem ser vistos ao sudoeste uma igreja e um convento, agora, infelizmente, em ruínas e servindo como celeiro mas que até a supressão das ordens religiosas foi ocupado pelos frades da Ordem de S. Francisco.

Caparica, Convento dos Capuchos, década de 1900.
Imagem: Hemeroteca Digital

A sul, frente à Quinta, a cena é variada, aldeias, moinhos de vento, e pequenas plantações de pinheiros, enquanto a norte, atrás da Quinta encontram-se as duas vilas de Pera, cada um com seu moinho de vento. Pelo meio do vale passa uma estreita estrada pública ladeada de canas, que lhe dão a aparência de um riacho. 

Caparica, Pera, Quinta dos Ingleses, vista sul, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

Na extremidade ocidental onde o vale atravessa as colinas, e à distância de cerca de uma milha, uma parte do Atlântico é avistável, o rugido oco das ondas que batem na costa é incessantemente ouvido.

Vista de Caparica, tomada dos Capuchos, anterior aos trabalhos de construção do IC 20.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Vista de Caparica tomada dos Capuchos, após os desaterros no vale cego de Brielas para a construção do IC 20.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Imediatamente abaixo da Quinta fica a casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, que, meio escondida atrás de um tufo de altas árvores antigas, forma um objeto pitoresco, especialmente numa noite de verão, quando como nos tempos antigos o gado era deixado solto para se alimentar nos campos vizinhos. 

Caparica, Pera, casa de campo, anteriormente pertencente ao Marquês de Valada, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

O vale é refrescado durante os calores do verão pela brisa do mar que entra na abertura a oeste, e o local é tão salutar que os seus habitantes geralmente chegam a uma velhice extrema. As terras do Colégio, que consistem quase inteiramente de vinhas ficam em volta da casa, estendendo-se desde o cume da colina norte, sobre a qual fica, até à estrada a sul, que atravessa o meio do vale . De tempos a tempos, conforme as oportunidades, apareciam acrescentos de terra, que por compra, eram feitos à propriedade original.

Encantador como este lugar de beleza natural, o amor dos filhos de Lisboa para com a Quinta deve ser procurado em dias felizes nos quais eles possam olhar para trás durante a "quinzena em Pera", que anualmente em setembro, a Comunidade aí passa.

A liberdade absoluta e sem contenção, que a reclusão da freguesia em que a Quinta está situada, torna possível o relaxamento da rigorosa disciplina do Colégio, a deliciosa sensação do "dolce far niente", que sucede à grave tensão mental da preparação para exames; a suave atmosfera ainda pura, revigorante e enriquecida carregada pela brisa a partir da ampla extensão do Atlântico, conferem um charme especial para as duas ou três semanas que aí são anualmente gastas lá, e que são familiarmente conhecida como "tempo da Quinta ".

Jardins do Colégio em Lisboa, c. 1900.
Imagem: Internet Archive

A estas devem ser adicionadas a beleza da paisagem com "grupos de vinha nas colinas e suas frequentes divagações pelo vale [They had oft rambled forth along the vale...]", e os inúmeros pontos de interesse e de extrema beleza que se encontram ao alcance de um agradável passeio à noite .

Learn Your Homophones: Pear, Pair, and Pare
Imagem: grammarly

A simples menção do cume das alturas escarpadas que aqui formam a linha de costa, defrontando o vasto Atlântico, será suficiente para trazer de volta uma série de aprazíveis reminiscências a cada sucessiva geração de estudantes de Lisboa.

A Praia do Sol, Panorama dos Capuchos, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 107, década de 1930.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Para ver os resistentes pescadores puxar com as suas redes o tributo prateado exigido ás águas prolíficas, ou para passear ao longo da costa desolada e contemplar as ondas a arfar e a curvar soberbas, enquanto gradualmente se aproximam, como que impacientes de contenção, e, soando oco, se joguem furiosamente contra a praia, foram fontes de prazer que repetidas visitas nunca roubaram a sua frescura.

A Praia do Sol, Alando a rede, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 106, década de 1930.
Imagem: Delcampe, Bosspostcard

Aqui os grandiosos aspetos da natureza desvelam-se à vista, e o poderoso oceano poderia ser estudado nos seus humores sempre variáveis. (1)


(1) Croft, William, 1836-1926; Gillow, Joseph, 1850-1921; Kirk, John, 1760-1851 Historical account of Lisbon College, 1902, St. Andrew's press, Barnet

Informação relacionada:
Pontifical English College of Sts Peter and Paul - Lisbon

domingo, 12 de junho de 2016

Freguesia de Caparica no século XIX

Caparica — freguezia, Extremadura, comarca e concelho de Almada, 6 kilometros ao S. de Lisboa, 1:430 fogos. Em 1717 tinha 1:193 fogos. Orago Nossa Senhora do Monte. Patriarchado e districto admintstrativo de Lisboa. Situada na esquerda do Tejo, e d'ella se gosam deliciosas vistas.

Carta chorographica dos terrenos em volta de Lisboa, 1814.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

É n'esta freguezia a chamada Torre Velha, ou de S. Sebastião de Caparica, que serviu de lasarêto. Fica em frente da torre de S. Vicente, de Belém.

Foi mandada edificar por el-rei D. Sebastião, pelos annos dé 1575.

Torre Velha ou Torre de S. Sebastião da Caparica, Francisco de Alincourt, técnica mista, 1794.
Imagem: Instituto Geográfico do Exército

Principia a freguezia logo á entrada da barra do Tejo, que a banha na extensão de 12 kilometros, pelo N.: o Oceano lhe serve de termo pelo O., e na praia está a aldeia da Costa, d'esta freguezia.

A matriz é um bello templo, fundado nos fins do século XVI.

O terreno d'esta freguezia é em geral fertil e seu clima saudável. Antes do oidium produzia annualmente, termo médio, 6:500 pipas de bom vinho.

Na aldeia de Mofacem, d'esta freguezia ha 30 e tantas cisternas, todas magnificas e de dispendiosa construcção, obra dos árabes. 

Foram elles que deram a esta aldeia o noma de mo-hacem, que significa barbeiro.

Vè-se pois que esta povoação é muito antiga. Capa tambem é palavra arabe (que os mouros adoptaram dos persas) significa mesmo capa. (Capote é diminutivo de capa.)

Ha duas tradições sobre a etymologia de Caparica.

Uns dizem que morrendo aqui um velho, declarou no testamento que deixava a sua capa para ser vendida e com o producto da venda se fazer uma capella a Nossa Senhora do Monte. Fez isto rir bastante; mas sabidas as contas, a boa da capa estava recheiada de bellos dobrões de ouro, que chegaram de sobra para a fundação da capella.

A segunda versão (e mais verosimil) é que, sendo a Senhora do Monte, de muita devoção para estes povos limitrophes, concorreram todos para lhe fazerum esplendido manto (ou capa) pelo que a Senhora ficou d'álli em diante sendo conhecida por Nossa Senhora da Capa Rica.

Junto a Caparica está o convento de capuchos arrabidos, fundado por D. Lourenço Pires de Távora quarto senhor de Caparica, em 1564. Elle morreu em 15 de fevereiro de 1573, e jaz na egreja do mesmo convento.

Costa da Caparica, Convento dos capuchos antes da restauração, ed. Passaporte, 30, c. 1950
Imagem: Delcampe, Oliveira

Este fidalgo, sendo embaixador de Portugal em Hespanha, em uma occasião que o imperador Garlos V estava zangado com elle, lhe disse : "Eu sei muito bem quantos rios e pontes tem Portugal" ao que Tavora respondeu: "Os mesmos que linha em 14 de agosto de 1385." Digna resposta de um bravo portuguez.

Caparica foi antigamente da comarca de Setúbal.

D'esta freguezia se avista a serra da Arrabida, Palmella, o mar, o Tejo, Lisboa e outras muitas povoações, montes e valles.

Antes de 1834 era o povo da freguezia que apresentava o cura, a quem davam anualmente, 1 moio de pão meiado e 5 pipas de vinho em mosto, a saber: os que tinham liuna junta de bois davam nm alqueire de pão, os que tinham duas ou mais, dois alqueires, e cada fazendeiro um pote de vinho. Andava tudo por 250$000 réis.

Além do convento dos capuchos arrabidos, ha mais n'esta freguezia um convento de frades paulistas, fundado em 1410. Este mosteiro está em um profundo valle, e era denominado, convento de Nossa Senhora, da Rosa. Na sua cêrca ha uma fonte, cuja agua dizem que cura a lepra e outras moléstias cutaneas. Foi fundador d'este convento Mendo gomes de Seabra.

Outro de frades agostinhos descalços, fundado em 1677. Este é no logar da Sobrada [Sobreda].

Ha n'esta freguezia nada menos de 24 capellas, entre publicas e particulares.

É terra muito abundante de aguas.

Tem vários portos de mar, sendo os principaes, Benatega, Porto Brandão, Paulina, Portinho da Costa e Trafaria.

Enseada da Paulina, revista Branco e Negro n° 60, 1897 (ver artigo dedicado)
Imagem: Hemeroteca Digital

Benatega é a palavra árabe ben-ataija. Significa, filho ou descendente da coroada. Vem de ben filho, ou descendente e de ataija coroada.

No logar da Costa, d'esta freguezia esteve (julgo que em 1823 ou 1824 D. João VI, hospedando-se na única casa de pedra que alli então havia (todas as mais eram cabanas da palha) 

Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, 1909.
Imagem: Delcampe

e tanto gostou da caldeirada que alli lhe deram, que fez o cosinheiro (dono da casa) mestre das caldeiradas (!) com a renda de 800 réis diários emquanlo vivo.

Costa da Caparica, casa da coroa.
Imagem: almaDalmada

Também aqui esteve a sr.a D. Maria II e depois, quando rei, seu filho, o sempre chorado D. Pedro V. (1)

A Sobreda (antigamente Suvereda) está ligada com a Charneca pelos terrenos de Vale Figueira.

Costa da Caparica, Carta dos Arredores de Lisboa — 68 (detalhe), Corpo do Estado Maior, 1902.
Imagem: IGeoE

Lugar solitário, assente sobre alguns outeiros, que lhe fornecem ao centro o caminho principal, desigual e pedregoso, que lhe circundam a parte baixa, a que chamavam no final do século passado [XVII] Largo do Rio, em consequência da bica que em parte do ano ali corre e fornece água às lavadeiras, e do poço público que por volta de 1800 a 1830 no mesmo largo foi aberto a expensas de um cavaleiro daquele lugar, o Fidalguinho da Sobreda, Francisco de Paula Carneiro Zagalo e Melo.

E para fazermos segura ideia do que era Charneca antiga e de que então era Vale de Rosal, e a sua importância histórica, ouçamos o que em 1647 diz o Padre Baltazar Teles em sua Chronica da Companhia de Jesus em Portugal

— Tem o colégio de Santo Antão (uma das primeiras casas da companhia de Jesus em Lisboa) uma grande quinta ou para melhor dizer, uma vinha chamada Vale de Rosal, que está na banda d’além, no termo de Almada, limite de Caparica, na freguesia de Nossa Sra. Do Monte, distante do porto de Cacilhas quase uma boa légua.

O martírio dos 40, Mathaeus Greuter, gravura, 1611.
Louis de Richeome, La peinture spirituelle, Folger Shapespeare  University
Imagem:  Aspectos de devoção e iconografia dos Quarenta Mártires do Brasil...

Fica esta quinta no meio de uma grande e estendida charneca: é lugar todo à roda muito tosco, seco e estéril, cheio de silvados incultos, continuado de matos maninhos, e de areais escalvados, escondido em vales, cercado de brenhas, coberto de pinheiros bravios, de zimbros, de tojos e de outros frútices silvestres: é sítio mais acomodado para caças de monteria que para morada de gente culta, e por isso mui frequentao de corças e veados, infesto de lobos e de outros animais monteses. (2)

Afonso Costa, o Ministro da Justiça  visita a Quinta do Vale do Rosal, 1911.
Ilustração Portuguesa, n° 263 II série, Lisboa, Chaves, José Joubert
Imagem: Hemeroteca Digital



(1) Pinho Leal, Soares d'Azevedo Barbosa de, Portugal antigo e moderno..., 1874  Mattos Moreira, Lisboa,
(2) Vieira Júnior, Duarte Joaquim, Villa e termo de Almada: apontamentos antigos e modernos para a história do concelho, Typographia Lucas, Lisboa, 1896