sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O bairro do Costa Pinto, 1886

A pessoa que escreve estas linhas tinha sido amavelmente convidada para assistir á festa que domingo se realisau na Costa de Caparica, mas por incommodo de saúde, aggravado dentro de poucas horas, não poude comparecer. Fica assim justificada a nossa falta.

Costa da Caparica, As novas edificações, 1887, desenho de João Ribeiro Cristino
Imagem: Hemeroteca Digital

Sabemos porém que às 10 horas e meia partiram do Caes do Sodré, n'um pequeno vapor, alguns membros da commissão os srs. João Magalhães, Cunha Seixas, Brito Aranha, Costa Pinto, marquez de Fronteira, Raphael Bordallo Pinheiro e João Costa.

Costa da Caparica, vista aérea, 1930-1932.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Desembarcando na Outra Banda, seguiram em carruagem para a Costa de Caparica, onde foram distribuídas 53 casas, que formam tres pequenos quarteirões da rua Costa Pinto.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O acto da distribuição foi muito edificante pela commoção que dominava os pobres pescadores no momento de receberem tão importante donativo.

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Em seguida, o sr. Costa Pinto ofíereceu um lunch aos seus convidados, levantando os seguintes quatro brindes: 1.° a El-Rei, presidente honorário da commissão, e a toda a Familia Real; 2.° ao sr. marquez de Fronteira, presidente effective da commissão; 3.° a todos os membros da commissão, que tão dedicadamente auxiliaram o sr. Costa Pinto; 4.° á imprensa do paiz, ao lapis de Bordallo Pinheiro e á imprensa do Brazil. 

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

O sr. Costa Pinto englobou n'estes quatro brindes todos os elementos que mais poderosamente cooperaram para a realisação do seu philantropico pensamento. 

Costa da Caparica, Mário Novais, 1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Mas, por maior que seja a sua modéstia, a iniciativa beneficante do sr. Costa Pinto não pode esquivar-se ao justo galardão que lhe é devido. A elle os nossos louvores. (1)

Jaime Artur da Costa Pinto
Almanach Illustrado do Correio da Europa


(1) Diário Illustrado, 12 de julho de 1886

Leitura relacionada:
O Occidente, 1 de março de 1887

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Trafaria e Costa de Caparica em 1901

Depois de três quartos de hora um passeio delicioso pelo azulado Tejo lusitano, embarcado num vapor chega-se à Trataria, que é, entre as praias, a que passando o rio, está mais perto da cidade de Lisboa.

Costa da Caparica, Grupo de pescadores, Carlos Mendes, 1901.
Imagem: Biblioteca Nacional de España

E não é aí uma tarefa fácil, mesmo para o visitante mais modesto, passar sem que o notem, mesmo que tenha essa intenção; a colónia balnear, como que fazendo as honras da casa, concorre sempre ao embarcadouro, quando o vapor chega, e os penetrantes olhares femininos se multiplicam, observam e discutem todas as personalidades, à medida que, como no cinematógrafo, vão avançando.

Trafaria, Ponte de embarque, ed. Manuel Henriques, 10, década de 1900.
Imagem: Restos de Colecção

Pertencia, mesmo recentemente, a Trafaria, ao número de praias quase desconhecidas, devendo-se isso à falta de comunicação com a capital portuguesa; mas esse inconveniente está, assim por dizer, quase completamente resolvido.

Actualmente há duas carreiras de vapores, diárias, que para o movimento da colônia e os habitantes do local, se não é demasiado, é o suficiente, por agora; mas o mesmo não acontece como os domingos e feriados, pois então, as carreiras multiplicam-se.

Trafaria, Um recanto da praia, Carlos Mendes, 1901.
Imagem: Biblioteca Nacional de España

Na Trafaria a vida decorre deliciosamente, e para que tudo ali, encante e seduza, até o número de homens é diminuidíssimo, comparado com o das senhoras, algumas de deslumbrante formosura, e que, com a sua graça e elegância, desde muito cedo começam a imprimir colorido e animação à praia.

Aspecto da praia da Trafaria.
Imagem: Remo História

Depois do banho e de um suculento almoço, quando tudo convida ao repouso, é aocasião em que muitos vão à procura de frescura na Matta, sítio amenísimo entre os muitos que aí há; à noite, um pouco de música e dança nos dois clubes, e depois... deita-se para começar de novo no dia seguinte.

Se gozar destes prazeres, longe de preocupações mundanas, não é alcançar o paraíso, já não sabemos o que mais se pode desejar.

A Trafaria tem, para breve, assegurado um futuro brilhante: mais para que isso aconteça, muito deve contribuir o facto de estar em comunicação directa, por estrada, com a Costa de Caparica, a primeira praia de Portugal, pela sua situação especial, pelo seu tamanho e beleza.

Costa da Caparica, O arraste da rede, Carlos Mendes, 1901.
Imagem: Biblioteca Nacional de España

Quando alguém compreender a verdade do que dizemos, e ponha ao ombro a tentativa de a explorar devidamente, como merece, ganhará rios de ouro, dentro de pouco tempo, arruinando, por completo, praias agora tão na moda como Espinho e Figueira. (1)


(1) Carlos Mendes, Iris no. 126, 5-10-1901, (Barcelona. 1899)

domingo, 12 de fevereiro de 2017

O Alfama (3 de 3)

Os presos da cadeia de Almada não tiveram ante-hontem o jantar que costumava ser-lhes annualmente distribuido n'esse dia. O bemfeitor que costumava mandar-lh'o era o velho Manuel Alfama da Costa de Caparica, que falleceu ha tres dias e cujo passamento foi geralmente sentido.

Costa de Caparica, Alfredo Roque Gameiro, Illustração Portugueza n.° 300, 20 de novembro de 1911.
Imagem: roquegameiro.org

Alfama era muito esmoler. Os pescadores da Costa tinham n'elle um protector. (1)

Testamento do velho Alfama de Caparica

Damos em seguida a copia do testamento do benemerito Alfama, ha dias fallecido em Caparica. Este homem que era a Providencia dos pobres, não se esqueceu no seu testamento d'aquelles por quem sempre velou. Deve muito a costa de Caparica ao finado Alfama, cuja memoria se conservará viva por largos annos:

Determina, que se lhe faça um enterro modesto, que o seu corpo seja levado n'uma sege acompanhado por 12 pobres, de qualquer asylo, a cada um dos quaes se dará a esmola de 2$500, sendo metade para o cofre do respectivo asylo, e a outra metade para as despezaa particulares dos mesmos pobres; que o seu corpo será sepultado em caixão no cemiterio da costa de Caparica, onde se mandará erigir um tumulo muito modesto.

Que no 7.° dia depois do seu passamento se digam por sua alma 20 missas; 20 por alma de seu pae e mãe; 20 por alma de sua irmã Maria Barbara, e da ex.a sr.a D. Rosa Maria da Conceição, que foi sua protectora.

Deixa ao hospital de D. Pedro II estabelecido na cidade do Recife de Pernambuco, no império do Brazil, o capital nominal de 200$000 réis em inscripções da Junta do Credito Publico.

Ao hospital de beneficência portugueza da referida cidade réis 200$000 em inscripções.

Ao hospital de S. José, ao asylo Maria Pia, á Casa Pia de Belém, á santa casa da misericórdia, ao asylo de S. João. ao asylo de mendicidade de Santo Antonio dos Capuchos, ao asylo das raparigas abandonadas, e ás casas de infancia desvalida, todas da cidade de Lisboa, 200$000 réis nominaes, em inscripções, a cada um.

A cada uma das viuvas pobres residentes na costa de Caparica, que tenham filhos menores, 5$000 réis.

Bellas Artes, 15, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, Paulo Emílio Guedes & Saraiva.
Imagem: Delcampe

A cada uma das viuvas pobres residentes na costa de Caparica, que não tenham filhos, 2$000 réis.

A todas as viuvas pobres residentes na costa de Caparica, que não estejam no caso dos precedentes legados, 1$000 réis a cada uma.

A todas as pessoas pobres, não mencionadas nos tres legados precedentes, tanto maiores como menores, de um e de outro sexo, incluindo creanças de mama, tambem residentes no logar da costa, 500 réis a cada uma.

Bellas Artes, 16, Costa de Caparica, A. Roque Gameiro, Paulo Emílio Guedes & Saraiva.
Imagem: Delcampe

Para obras da capella da costa o capital nominal de 1:000$000 de réis em inscripções. 

Para despeza do culto do orago da freguezia de Nossa Senhora do Monte, o capital de 200$000 de réis em inscripções.

A sua tia D. Catharina da Silva, residente em Setúbal, o usofructo de 4:000$000 réis nominaes, ficando a propnedade, pertencendo a seu irmão Manuel Pedro, morador na costa.

A sua sobrinha Maria Rita, casada, filha de seu irmão Manuel Pedro 6:000$000 réis nomiaes em inscripções.

A seu sobrinho Antonio Duarte, filho de seu irmão Manuel Pedro, 2:000$000 réis em metal sonante, bem como o capital de réis 2:000$000 em inscripções.

A seu sobrinho José Nicolau, aleijado, filho do dito meu irmão Manuel Pedro, o capital nominal de 6:000$000.

A cada um dos filhos e filhas de sua sobrinha Maria Rita; filha do dito seu irmão Manuel Pedro 250$000 em metal sonante.

A cada um dos filhos ou filhas que tiver seu sobrinho Antonio Duarte 250$000 metal.

A cada um dos dois filhos e filha de sua sobrinha fallecida, Genoveva do Sacramento, que foi casada com Joaquim Ribeiro, e que também era filha do dito seu irmão Manuel Pedro 1:600$000, nominaes em inscripções. 

A cada um dos primos e primas em primeiro gráo 25$000 em metal.

Á sua afilhada Amelia; filha do Manuelsinho 100$000 réis em metal.

Ao sr. José Fernandes, pescador, morador na Costa 100$000 em metal, em signal de reconhecimento pela amisade que sempre lhe tributou.

Costa da Caparica, Pescadores, Alfredo Roque Gameiro (1864-1935).
Imagem: roquegameiro.org

Institue seu universal herdeiro do remanescente ao seu irmão Manuel Pedro, em recompensa da muita amisade com que sempre o tratou, com a condicção de despender annualmente até á quantia de 150$000 réis para educação e vestuário de 10 meninos e 10 meninas pobres, que sejam residentes no logar da Costa e que frequentem qualquer collegio ou escola estabelecida na freguezia de Nossa Senhora do Monte de Caparica, isto emquanto seu irmão for vivo. 

Será obrigado também seu irmão; a mandar dizer, todos os annos, no dia do anniveraano do seu fallecimento, uma missa por sua alma, e outra pelas almas de seus paes e que serão ditas na capellinha da cemiterio da Costa. 

Que a contribuição do registo fica a cargo da herança e que os legados são livres da respectiva contribuição. 

Nomeia testamenteiros. 
1.° Seu irmão Manuel Pedro
2.° José Fernandes.
3.° Manuel Gonçalves Bexiga
Todos moradores no logar da Costa. (2)


(1) Diário Illustrado, 27 de dezembro de 1884
(2) Diário Illustrado, 1 de janeiro de 1885

Artigos relacionados:
O Alfama (1 de 3)
O Alfama (2 de 3)
A Costa no século XIX
Colégio do Menino Jesus (1876 - 1901)

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

O Alfama (2 de 3)

Realisou se no domingo, na Costa de Caparica, uma festa de caridade, de una significação tão sympathica como commovente.

Costa de Caparica (detalhe), Alberto Carlos Lima, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

O distincto poeta Christovão Ayres, nosso amigo, foi o iniciador d'essa festa encantadora, poetisada pela infancia, sanctificada pelo infortunio, por isso que era dedicada ás creanças. victimas do medonho incêndio que reduziu a cinzas a maior parte das casas da Costa de Caparica. 

A distribuição do fato, feito ás creanças da Costa de Caparica

O nosso collega, Christovão Ayres, inaugurou no Jornal de Commercio, de que é redactor, uma subscrípção destinada a soccorrer as creanças reduzidas á ultima miséria, em consequencia da catastrophe que feriu os infelizes pescadores da Costa.

General Christovão Ayres por José Malhoa.
Imagem: artnet

Obtida uma somma importante acompanhada de donativos não menos valiosos, o sr. Christovão Ayres teve a feliz lembrança de convidar, por meio do jornal, as senhoras a fazerem, pelas suas proprias mãos, os fatos que desejava distribuir ás creanciahas.

O apello acordou uma larga vibração: as senhoras, que se acham a banhos na Trafaria, e muito especialmente a esposa do illustre poeta, a sr.ª D. Maria do Carmo Vaz de Carvalho, (que foi incansável em reunir todos os elementos para o bom êxito d'este emprehendimento) coadjuvaram com alvoroço a tarefa, em parte realisada por muitas senhoras de Lisboa.

A obra, nào obstante ser avultada, por que a subscripção, por um lado, e os donativos pelo outro, ampliava todos os dias a acquisição das fazendas, effectuou-se como por milagre, fixando-se o domingo 28 de setembro, à 1 hora da tarde, para se proceder á destribuiçào.

Em uma das melhores casas da Costa de Caparica, reuniram-se muitas senhoras e cavalheiros, vindos da Trafaria, de Almada e de Lisboa. 

Os volumes do fato, separados em lotes, com a competente indicação das idades das creanças a que se destinavam, cobriam duas mezas.

Á ultima hora, uma caridosa anonyma enviou seis peças de panno cru; e o nosso bom collega Brito Aranha, que assistiu à destribuiçào, apresentou um fardo de fazendas, offerecidas para o mesmo fim e remettidas á redacção do Diário de Noticias.

O conhecido bemfeitor da Costa, o Alfama, cuja figura veneranda representa a personificação da caridade e encerra uma mysteriosa historia de renuncias obscuras e de abnegaçõas ignoradas, auxiliando valiosamente os trabalhos das pessoas presentes, fez uma lista escripta, das famílias victimadas pelo incêndio.

Costa da Caparica, Depois do incendio de 1884, desenho de Rafael Bordalo Pinheiro
Imagem: Hemeroteca Digital

O sr. Christovão Ayres, assumindo, como lhe cumpria, a direcção da sympathica festa, organisou uma equitativa destribuiçào, regulada por meio de sortes, que cada uma das senhoras presentes, a quem cabia um dos grupes das differentes idades, inscriptas nos volumes, offerecia ás creançinhas enlaçadas pelos braços das mães.

O espectáculo nào podia ser mais sympathico o enternecedorl. As mulheres ao receberem das mãos das senhoras, o fatinho costurado por ellas, para os pequeninos seres, que lhe pendiam do seio, que se lhe agarravam ás saias, fitando todos e tudo com esse olhar das creanças, vagamente interrogador, de uma doçura ineffavel, desatavam a chorar e balbuciavam agradecimentos, entrecortados de lagrimas.

Algumas creancinhas como que tendo a inconsciente intuição de que se achavam, n'aquella hora, divinamente misericordiosa, no seio da caridade protegidas, pela bemdita effusão do amor, amparadas pelos braços da mesericordia infinita, choravam, ao leval-as as mães, queriam ficar, estendiam os bracitos, como se do fundo das suas pequenas almas de lyrio brotasse a prece agracecida, que appróxima os anjos dos homens e une a terra ao céu. 

Depois de realisada a distribuição, excellentemente dirigida sobejaram bastantes velumes de roupa, que foram repartidos pelas restantes famílias desvalidas da Costa, escolhidas por indicação do bom Alfama.

Entre as pessoas presentes a essa abençoada festa, que arrancou lagrimas a quantos a presenciaram, lembra-nos de ter visto as seguintes: deputado por Almada, Costa Pinto, e esposa; Raposo de Carvalho, administrador de Almada, Pedroso de Lima e D. Idalina Tavares de Lima, sua esposa e filha do nosso collega das Instituições, Eduardo Tavares; D. Virginia Chichorro, D. Maria da Gloria Archer e seu filho, Christovão Ayres e esposa, dr. Castro Freire e esposa, Brito Aranha, dr. Baeta Neves e esposa, Eduardo Burnay e esposa, Pinhões, D. Ermelina Allen, a nossa collega n'este jornal, D. Guiomar Torrezão, etc., etc.

Em seguida á distribuição, o sr. Christovão Ayres offereceu um lunch ás pessoas presentes. 

Realisaram-se, por essa occasião, alguns brindes enthusiasticos, que reproduzimos por sua ordem: 

Do sr. Costa Pinto, ao sr. Chrisovão Ayres e esposa a quem se devia a iniciativa e realisação da obra de caridade que acaba de effectuar-se.

Costa da Caparica, O incêndio do Costa Pinto, O António Maria, 1884.
Imagem: Hemeroteca Digital

Do sr. Christovão Ayres, agradecendo e brindando ao sr. Costa Pinto e aos seus relevantes e as- signalados serviços, no circulo de que é digno representante em côrtes. 

Do sr. Christovão Ayres ás senhoras, agradecendo lhes a sua generosa e espontânea coadjuvaçào.

Da nossa collega, D. Guiomar Torrezão, ao Diário de Noticias, sempre o primeiro na vanguarda de todas as cruzadas caritativas, e ao sr. Brito Aranba, como representante da redacção d'esse jornal.

Do sr. Brito Aranha à sr.ª D. Guiomar Torrezão, agradecendo e brindando-a em nome da redacção.

Do sr. Pedroso de Lima á imprensa, e em especial aos tres jornalistas presentes, que a representavam: Christovào Ayres Jornal do Commercio; Brito Aranha, Diario de Noticias; D. Guiomar Torrezão, Diário Illustrado.

Do sr. Costa Pinto ao sr. Raposo de Carvalho, a Eduardo Coelho, a toda a redacção do Diário de Noticias, a quem se deve grande parte da propaganda feita a favor da Trafaria e Costa de Caparica, propaganda coroada do melhor êxito; e por ultimo á imprensa ali representada. 

Do sr. Archer a Christovão Ayres e esposa.

Do sr. Christovão Ayres á sr.ª D. Maria da Gloria Archer e seu filho. 

Do sr. Raposo de Carvalho ao engenheiro florestal, o sr. Magalhães. 

Do sr. Costa Pinto á família real portugueza, e a sua alteza o príncipe real, D. Carlos, pelo seu anniversario natalício. 

Jaime Artur da Costa Pinto
Imagem: Biblioteca Nacional Digital Brasil

Do mesmo sr. á sr.ª D. Idalina Tavares de Lima, brindando seu pae, o digno redactor principal das Instituições, o sr. Eduardo Tavares. 

E, por ultimo, ainda do sr. Costa Pinto ao sr. Alfama, exaltando a sua inexgotavel caridade a favor dos pobres de Caparica. 

O sr. Alfama agradeceu por entre lagrimas de commoção os benefícios das pessoas presentes, e, dirigindo se ás senhoras, em algumas palavras repassadas de sentimento, a que a sua cabeça encanecida prestava uma dupla eloquencia, disse que só o Ente Supremo poderia recompensar-lhes a grande obra de caridade que ali tinham ido praticar. 

Costa da Caparica, O incêndio do Costa Pinto, 1884.
Imagem: Hemeroteca Digital

As senhoras presentes foram, por espontâneo impulso, apertar a mão do respeitável ancião.

Cerca das cinco horas da tarde, retiraram todas as senhoras e cavalheiros para a Trafaria. 

A comitiva, formando uma numerosa cavalgada, composta na maioria dos pacíficos burros, atravessando o vasto areal que separa a Trafaria da Costa, apresentava um aspecto pittoresco e movimentado. 

Costa da Caparica, Adriano de Sousa Lopes (1879 - 1944).
Imagem: MNAC (museu do Chiado)

Conversava-se, discutia-se as próximas novidades theatraes; as vozes e os risos resoavam harmoniosamente na límpida atmosphera de uma tarde encantadora. 

O cheiro aromatico do juncal, a doçura contemplativa do crepúsculo, envolviam os cavalleiros; e não foi sem a vaga melancolia que deixam na alma as horas suaves, quando fogem, e as diversões queridas quando terminam, que as mãos se tocaram, cruzando se ao som d'esta palavra, raras vezes indifferente: — adeus. (1)


(1) Diário Illustrado, 1 de outubro de 1884


Artigos relacionados:
O Alfama (1 de 3)
A Costa no século XIX
Colégio do Menino Jesus (1876 - 1901)

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O Alfama (1 de 3)

Estava então na Costa o reverendo padre Hughes, e o Tio Alfama, que pelos modos lhe pesavam na consciência uns certos e determinados peccaditos, procurou este ver o sacerdote para que o ouvisse de confissão. É então desde essa data que aquelle homem começa a derramar sobre a povoação da Costa benefícios sem número. (1)

Costa da Caparica, Pescadores remendando as redes.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

O sr. Alfama proprietario em Caparica deu hontem um jantar a 19 presos da cadeia de Almada, distribuindo tambem 100 réis a cada um. (2)

Alfama [João Ignácio da Costa (?-1884)] é um perfeito heroe de romance inverosomível; e, comtudo, nada de mais verdadeiro nem de mais positivo do que essa personalidade extravagante.

João Ignácio da Costa Alfama, 1884.
Imagem: Hemeroteca Digital

Possuidor de bens de fortuna relativamente avultados, vive entre os bandos de pescadores, a quem soccorre com os rendimentos do seu peculio, e com os quaes se confunde, tanto no passadio como no trajo!

Costa da Caparica, O incêndio do Costa Pinto, 1884.
Imagem: Hemeroteca Digital

Alma singularissima, terá talvez gosado, n'aquelle doce mister de praticar o bem humildemente, as emoções estranhas que decerto não experimentam os que exercem a caridade em busca de louvores. (3)


(1) Duarte Joaquim Vieira Júnior, Villa e termo de Almada..., Lisboa, Typographia Lucas, 1896
(2) Diário Illustrado, 2 de abril de 1883
(3) O António Maria, 4 de setembro de 1884

Artigos relacionados:
A Costa no século XIX
Colégio do Menino Jesus (1876 - 1901)