segunda-feira, 28 de junho de 2021

Bateira do Mar, o elo perdido

Barcos do tipo do barco do mar no Litoral Central

Ao sul do rio Douro, os barcos usados na pesca do pilado, diferentemente, eram de fundo chato, sem quilha, de roda de proa e cadaste em bico elevado, podendo andar igualmente a remos ou à vela, de um tipo geral relacionado com o barco do mar da pesca da xávega, na região litoral central do País, designadamente a costa de Aveiro.

Barco da Sardinha e Pescadores da costa de Lavos, Figueira da Foz, Portugal.
Delcampe

Dentro desse tipo geral, eles apresentavam-se também sob formas diferentes, em que, do norte para o sul, se vão definindo de maneira cada vez mais característica os seus traços fundamentais, e especialmente esse formato de meia-lua, em que os bicos da proa e da ré, e o arqueado do fundo, se acentuam progressivamente. São eles:
  1. a bateira da Afurada, de bicos pouco altos e fundo pouco arqueado, e que se encontra desde a Afurada até à Cortegaça ;
  2. as bateiras dos grupos da ria de Aveiro;
  3. a bateira do mar, de bicos extremamente elevados e fundo muito arqueado, semelhante, em mais pequeno, ao grande barco do mar, da xávega ;
  4. a bateira de Buarcos, de bicos pouco elevados e fundo muito menos arqueado;
  5. o barco de bico, da Nazaré, de bico de proa aguçado, mas de ré cortada muito larga. (1)
Como dissemos, o barco usado na Costa de Lavos para a pesca do pilado tinha a mesma forma dos grandes barcos da xávega, com o fundo chato muito arqueado, e a proa e a ré muito erguidas, mas aquela avançando e subindo num movimento forte, extremamente bem lançado; e não tinha leme. É pois um dos barcos chamados geralmente de meia-lua. O seu comprimento rondava os 8 m, com 2,40 m de largura; o barco desenhado era dos pequenos (des. 45 e 46).

Na proa há um espaço coberto, o cachulo, cuja boca tem, em cima, uma peça arqueada, o alvaçuz, firmada nas bordas contra um par de braços, e cujo fundo é um estrado fixo, já debaixo do cachulo ; funcionando como caverna e braços, há 2 peças largas, recortadas de modo a deixarem em cima uma abertura semicircular, e cujas pontas superiores, passando acima da cobertura, formam as mãosinhas para amarração do cabo do ferro. À ré há um pequeno banco rectangular.

Costa de Lavos, Bateira do Mar.
Actividades Agro-Marítimas em Portugal



(legenda da imagem acima)
1) Cachulo [céu da proa] ; 2) Alvaçuz [arco da proa] ; 3) Mãosinha [golfiões] ; 4) Cinta ; 5) Borda falsa ; 6) Talabardões ; 7) Verdugo; 8) Escalamão [tolete] ; 9) Draga; 10) Banco da proa; 11) Banco da ré; 12) Paneiro da proa; 13) Paneiro da ré; a) Pormenor do bico; b) corte da borda, fora dos talabardões ; c) corte da borda na altura dos talabardões.

Os braços do cavername têm, a quase todo o comprimento do barco, a mesma curvatura e inclinação ; apenas junto da proa e da ré estas variam. No sector em que estão os talabardões, nos quais assentam as barras que servem de chumaceiras dos remos, os braços do cavername são, em cima, cortados horizontalmente; nos restantes braços, essa parte é cortada parcialmente em bisel, o que dá origem à inclinação do interior da borda.

Tanto a roda da proa como a da ré têm secção losangular e são cuidadosamente executadas. A da proa é, no bico, talhada de modo a simular o prolongamento da cinta. A da ré é ainda mais elaborada, e a ela se adapta um remate que do mesmo modo prolonga a cinta e a borda falsa (des. 46 b).


Costa de Lavos, Bateira do Mar.
Actividades Agro-Marítimas em Portugal



(legenda da imagem acima)
a) Vista interior da proa; b) pormenores do remate da ré.

O barco é movido a dois remos.


Como o barco pode varar de proa ou de ré, há no exterior do costado 2 ganchos a cada lado. Cravada na roda da ré há uma peça de ferro para a alagem do barco.

A bombordo, logo adiante do banco da ré, e adaptada a 3 braços do cavername, há uma tábua larga fazendo um banco a meia altura do costado. Banco semelhante mas mais pequeno está a estibordo, logo à frente da antepara da ré. (2)


(1) Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira, Actividades Agro-Marítimas em Portugal
(2) Idem

Artigos relacionados:
Anatomia comparada
Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)
A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão
A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone
Os nomes dos barcos (1 de 3)

Leitura relacionada:
As bateiras, genealogia, tipologias, distribuição
Manuel Fidalgo, Barcos da Xávega: Tecnologia da sua Construção. Lisboa: Edições Colibri e INATEL, 2000
Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008

Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Antonio Arthur Baldaque da Silva, Estado actual das pescas em Portugal, Imprensa nacional, 1892

A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho

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