Costa da Caparica, Meia-lua, Paul Johnstone. Portuguese fishing boats, Country Life Magazine, 1966 |
Tudo isto engendrado a partir das semelhanças das rodas de proa e popa em arco e da falta de algum bom senso na caracterização das embarcações, pois que todos nós teríamos a obrigação de saber que as conclusões retiradas apenas de semelhanças, são extremamente perigosas (...)
Povos havia que levavam a bordo grossas traves para que, numa situação destas, ao chegar a terra, as pudessem atravessar sobre os bordos, e que presas aos costados e sus-pensas aos ombros das tripulações, pudessem ser arrastadas, mais do que transportadas, para local seguro.
As provas disto estão escritas nos trabalhos de Homero, e até esta prática se podia encontrar em Portugal, em tempos idos, vendo o modo das companhas das Meias-luada Costa da Caparica trazerem os barcos para o areal, a salvo da rebentação das ondas.
Portanto, as proas e popas levantadas em arco mais ou menos fechado de alguns dos nossos barcos tradicionais, não são prova suficiente de que descendam seja de que barcos forem. Os “barcos de mar” de qualquer povo, em qualquer parte do Globo, eram assim construídos. (1)
Início da construção do Saveiro, Paul Johnstone. An unusual portuguese fishing boat |
- um tipo cujas rodas de proa e popa eram pregadas directamente ao fundo e subiam em linha oblíqua, de que apenas existem dados para o Rabelo e Rabão, também chamado de Valboeiro.
- e o outro tipo, com as proas muito levantadas em arco fechado, oferecendo o aspecto de uma meia-lua, de que ainda ficaram alguns dados, poucos, sobre a sua técnica de construção antiga, como sejam os Barcos da Xávega, ou Barcas de Mar e a Meia-Lua da Caparica, que é uma versão mais curta e mais estreita do Barco da Xávega, assim como o Mercantel, o Moliceiro, a Salineira e a Bateira do Norte.
- O Saveiro constitui um caso à parte, e como tal será tratado (...)
Costa da Caparica, Cavername do Meia-lua. Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory |
Existem barcos destes em muitos Museus, incluindo o nosso Museu de Marinha, constroem-se réplicas um pouco ao deus-dará por fotografias ou desenhos modernos, mas do seu passado, e da forma como eram construídos, muito pouco se sabe.
E desse muito pouco, ganham vulto as quatro fotografias que Johnstone publicou, e que por isso deram a volta ao mundo dos estudiosos destas matérias.
Das fotografias publicadas por Johnstone, a mais importante é aquela de uma meia-lua da Costa da Caparica e outra que agora repetimos abaixo. A fotografia ao lado, representa a tal Meia-lua. Johnstone deve ter ficado impressio-nado com as formas exteriores do barco, que o tornam descente directo do Barco da Xávega, mas desiludido quando observou o seu interior, pois não podia de ter deixado de reparar nos pormenores que demonstram que era um barco antigo, sem dúvida, mas sucessivamente modernizado na sua construção:
- as balizas já são de três peças, uma caverna e dois braços, como vimos na construção do Rabelo, o braço formando um L muito curto, que vai embara-çar com a caverna junto ao costado.
- tem toletes ajustados à posição de cada banco, o que quer dizer que os remadores remavam sentados, em oposição aos barcos da xávega e saveiros, que remavam de pé virados para a proa, empurrando o remo em vez de puxar por ele.
- o fundo não está completo, logo sobre ele não podiam ser montadas cavernas, nem poderia estar montado no picadeiro;
- não tem ainda assente, nem de um lado nem do outro, sequer a primeira fiada do tabuado do costado, onde forçosamente se teria que encostar e fixar o braço, o que confirma a nossa primeira observação;
- as cavernas ainda nem sequer foram afeiçoadas, são praticamente os paus em bruto tal como acabaram de ser serrados.
Costa da Caparica, Cavername em "L", Paul Johnstone. To illustrate the monuments |
Esta fotografia provêm de uma encenação que o construtor naval muito provavel-mente montou para o “senhor estrangeiro” que o visitava. Mas note-se, não é falsa nem dolosa – as madeiras estavam lá, cortadas, o barco estaria a ser, ou iria ser construído e Johnstone não poderia perder a oportunidade de fotografar, nos dias de hoje, uma técnica milenar. E ainda bem que o fez.
No entanto, a sua descrição das fases de construção, por não a ter compreendido em face do que lhe mostraram, é sintética e pouco clara, ou em abono da verdade, totalmente confusa. Mas num outra comunicação fez melhor.
Quando se começa a estudar a não muita Bibliografia portuguesa publicada sobre os nossos barcos tradicionais e barcos de pesca do passado, de uma forma geral muito pouco investigada, a primeira vontade que nos dá é a de largar imediatamente o trabalho e abandonar o estudo, tantas são as afirmações não comprovadas, as confusões cronológicas e a atribuição de errados nomes a vários tipos de embarcações.
De todos estes trabalhos que consultámos, o que apresenta um estudo mais cuida-doso baseado numa Bibliografia extensa, é a do Dr. Armando de Mattos que, por isso mesmo vamos continuar a seguir. (3)
(1) Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
(2) Idem
(3) Idem, ibidem
Artigos relacionados:
Barcos meia-lua (Aveiros, não Saveiros...)
A construção do Barco do Mar por Manuel Leitão
A construção do Barco do Mar por Paul Johnstone
Os nomes dos barcos (1 de 3)
Leitura relacionada:
Manuel Leitão cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Paul Johnstone/A. F. Tilley, An Unusual Portuguese Fishing Boat, Mariner’s Mirror, Vol 62, no. 1, 1976, p. 15 e seg. cf. Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
A construção do Barco do Mar (apontamentos diversos):
Paul Johnstone, The Sea-Craft of Prehistory, 1988
Hernâni A. Xavier, A Ascendência dos barcos tradicionais portugueses, 2008
Octávio Lixa Filgueiras, Barcos de Portugal, obras selecionadas
Senos da Fonseca, Embarcações que tiveram berço na laguna
O meu barco da Arte Xávega
Terras de Antuã - Histórias e Memórias do Concelho de Estarreja
Arte Xávega em Espinho
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