sábado, 26 de março de 2022

Romagem ao Porto Brandão do Marquês de Marialva

Vem de longa data a festa no Porto Brandão à Senhora do Cabo. Desde há cinco séculos, a partir de 1430, atravessa o Tejo, de Lisboa para o Porto Brandão, no mês de Junho, e regressa depois, o Círio do Cabo, nos primeiros tempos em simples cortejo de oferenda de uma grande vela de cera ou círio para o culto.

Panorâmica da foz do Tejo.
Viaje de Cosme de Médicis por España y Portugal (1668-1669), Pier Maria Baldi.
Biblioteca Nacional de Portugal

O Círio do Cabo veio a constituir grandiosa procissão, em que os reis por vezes participavam. Nela figuravam, à frente, numerosos cavaleiros em trajes romanos; seguia-se-lhes um vistoso carro com músicos e depois vinha uma berlinda com a antiquíssima imagem da Senhora do Cabo, acompanhada de muitos carros dos mais variados modelos.

STELLA MATVTINA

Ao desembarcar no Porto Brandão, o cortejo do Círio encontrava um mar de povo, que, impaciente, o aguardava, e então os foguetes estalejavam sobrepondo-se por momentos ao alegre repicar dos sinos, num ambiente de grande entusiasmo. Mas o que dava maior realce ao cortejo era o acompanhamento que lhe fazia o Marquês de Marialva, em imponente romagem.

Beckford, o delicado e culto escritor inglês, que, nos fins do século XVIII, algumas temporadas viveu entre nós, no Ramalhãó e em Monserrate, enfeitiçado pelo colorido da terra portuguesa, teve ocasião de assistir, em 3 de Junho de 1787, com surpresa e admiração, à grande romagem do Marquês de Marialva.

William Beckford em 1782 por Joshua Reynolds.
National Portrait Gallery

Num dos seus livros (A côrte da rainha D. Maria I. Correspondencia de W. Beckford), em que recorda as suas estadas em Portugal, descreve o admirável e pitoresco cortejo do Marquês, que tanta curiosidade lhe causou: Músicos, poetas, toureiros, lacaios, crianças fantasiosamente vestidas, anões e, até, macacos seguiam o Marquês de Marialva e o seu filho D  José, em numeroso, alegre e faustoso séquito.

D. Pedro, 4° Marquês de Marialva, por Domingos A. Sequeira.
Lisboa Revista Municipal n° 20, 1987

Os criados conduziam gaiolas com pássaros, lanternas, cabazes de fruta, grinaldas de flores. E lá iam todos a dançar e a cantar, com grande entu- siasmo, no meio da ruidosa alegria das crianças do cortejo, que, observa surpreendido Beckford, "para parecerem mais habitantes do Céu que da Terra, levavam asinhas presas aos ombros".

Costa da Caparica, procissão, 1926.
Delcampe - Bosspostcard

Anota a seguir o escritor, sempre bom observador, que alguns destes "anjinhos de teatro" eram muito engraçados e estavam penteados com o cabelo a formar anéis em volta da cabeça. Assim foi a grande romagem ao Porto Brandão do Marquês de Marialva, cheia de colorido e de pitoresco, de 3 de Junho de 1787, dia de esplendorosa festa no Tejo, sob o céu de luminoso azul.

A sua recordação ficava consignada, com admiração, nos escritos de viagem de um inglês de celebridade, que Lord Beaconsfield apelidaria, um dia, do "maior génio britânico no bom gosto". (1)


(1) Boletim do Porto de Lisboa n. 126, julho de 1961

Mais informação:
A côrte da rainha D. Maria I. Correspondencia de W. Beckford
Santuário do Cabo de Espichel (Guião de visita)
Cape Espichel - Timeline (fb)
Mattutino di Morti (1770), Davide Perez, Primiera Opera cantada na Casa da Ópera do Cabo Espichel (fb)

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Senhora do Cabo
Marialva por Beckford (a Quinta da Praia)

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