Bulhão Pato (1828-1912) Álbum das Glórias Volume II, n.º 39, Abril de 1902 |
Com effeito, nenhuma figura de homem reveste em Portugal mais amplamente o caracter da sua nacionalidade e da sua raça.
Tem um pouco do mosarebe pela ardendo e pelo amor da côr, pela espontaneidade e pele'impetuosidade, pelo exagero e peto pittoresco,— e um, pouco do godo puro, pela linha fidalga da sua figura ossea e nobre, pela polidez excessiva das suas falas e pelo palacianismo empoado das suas mesuras.
Juba leonina de prata oleosa, ampla testa espiritual e grave, olho arguto de aguia, envergadura poderosa de valente, medulla educada pelas rudezas da caça, o typo do velho poeta marcou urna individualidade brilhante na sociedade romantica de 1860, e é hoje uma linda e sagrada saudade no meio desta pequena burguesia cosmopolita e balofa, que se perpetua em pimpolhos loiros e imbecis, e reza ladainhas beatas pela sombra picada d'ouro das sacristias.
Bulhão Pato representa um caracter, fugido á grande onda amorpha dos incaracteristicos.
Vestissem-lhe um gibão hollandes, á Rembrandt, e teriem uma das extraordinarias figuras dos syndicos. Envolvessem-n'o numa ampla samarra de panno de Galles, e surgiria uma especie barbera de Nun'Alvares.
O seu gesto é largo, em curva, ampliado, castelhano, excessivo, como os typos das Comédias de Moreto; a palavra escandida, batida 'as vezes n'uma seccura de matraca, outras vezes plastica, redonda, cheia, n'um feito de declamação constante e cantante, onde se apercebe um exagero sympethico e ligeiramente cervantino.
Em tamanho natural, é o symbolo perfeito do portuguez; ampliado, seria uma excellente caricatura.
Mas a chancella de raça, em Bulhão Pato, é extensiva ás suas predilecções, aos seus costumes e aos seus habitos. O velho poeta refugiado tem hoje ume lenda de quasi devoção.
Vive recolhido como um frade bento,— e foi tumultário conto um poeta mundano. O sonhador da Paquita, todo espiritual, d'olhos illurninados e grande cabelleira é Capoul, é tambem caçador ousado, de casaco de velludo e grande sombreiro castorenho, batendo perdizes nos montes e correndo lebres nos espargaes.
Indistinctamente, sem se sentir, com a mesma simplicidade e e mesma facilidade, deita uma parelha de galgos ás lebres ou ume parelha de alexendrinos à Fama.
A idéa da vistoria e da conquista estava para elle, indifferentemente, na mulher perseguida que cahia a um beijo, como na perdiz cinzenta que abate a um tiro.
Santo Umberto dava o braço e D. Juan.
Hoje, duas saudades o acompanham: a da sua mocidade agitando triumphos como uma bandeira rubra ao vento, e a das pernas rijas, que principiam agora a envergonhal-o e a vacillar.
Mas o estomago e a cabeça conservam-se fortes. O poeta e o cosinheiro, estão ainda no esplendor de primeira mocidade.
Não ha bom portuguez que não tenha lido as Satyras, e as Georgicas, ou comido, ao menos uma vez na vida, "lebre é Bulhão Pato". Porque, fiquem os senhores sabendo, se o não sabiam ainda, que o grande poete é um cosinbeiro como de resto o é tambem Ramalho Ortigão, esse complexo e precioso espirito que ensinou Portugal a escrever põe prosa e a fazer batatas fritas.
A cosinha de Bulhão Pato é toda de emoções e de coloráu picante,— uma cosinha declamatoria e grandiosa, cortada de especiarias e drogas, corno os Colloquios de Garcia da Orta, e puxando a lagrima, piedosamente, á força de pimentão, como um sermão do Frade Lagosta.
De vez em quando, a cosinha do grande poeta mette a sua picadinha de sal attico: então o nosso Berchoux passa a mão ossea e fidalga pela barba argentea de velho de Espanholeto, e ou sae uma satyra valenth á antiga portuguesa, ou um prato picante de perdizes castelhanas.
De resto, é em tudo um vitorioso.
As suas liricas parecem um desfilar de pedras preciosas: as suas tradições de caçador honrariam a memoria do Farrobo; a sua lenda de D. Juan faz ainda hoje córar muita dôce velhinha de cabellos brancos.
Mas uma das maiores paixões de Bulhão Pato é sem duvida a cosinha, essa tentadora cosinha portuguesa, fradesca e solémne, que faz ao mesmo tempo arthriticos e heroes.
E tento assim é, tanto a sua paixão é grande, que o illustre poete não hesitaria de certo em arrancar uma folha á coroa de louros, —só para temperar melhor a sua célebre "assorda á Andaluza"!
Rufo (1)
Tema:
Bibliografia:
1864 Digressões e Novellas
1866 Canções da Tarde
1866 Paquita
1868 Cartas dos Açores
1868 Cartas dos Açores e o seu auctor
1871 Paizagens
1873 Cantos e Satyras
1874 Maria de Bragança (... D. Branca)
1877 Sob os Ciprestes
1888 Hoje
1894 Memórias I
1894 Memórias II
1896 Livro do Monte
1907 Memórias III
1908 Faiscas de fogo morto
1866 Canções da Tarde
1866 Paquita
1868 Cartas dos Açores
1868 Cartas dos Açores e o seu auctor
1871 Paizagens
1873 Cantos e Satyras
1874 Maria de Bragança (... D. Branca)
1877 Sob os Ciprestes
1888 Hoje
1894 Memórias I
1894 Memórias II
1896 Livro do Monte
1907 Memórias III
1908 Faiscas de fogo morto
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