domingo, 26 de setembro de 2021

Lá baixo, as terras do arneiro

Auras do amanhecer infundem alegrias
Até no coração das feras mais bravias !


Costa da Caparica. rapazes das Terras a caminho de casa.
Deutsche Fotothek

Venha a agreste cantiga, a jovial desgarrada

«Estrella da madrugada.
Ai! como és bella!
Quem na terra não tem nada,
É bem que tenha uma estrella
No fundo azul da alvorada !


Já lá vem o sol abrindo,
Pelas bandas do levante.
Olha como o sol vem lindo !

— Chega-te ao rego... Eh!... Galante!

«Por esses ares, voando,
Vão altas as cotovias,
Mais as calhandras em bando !

Não me alembro.
Da primavera ter dias
Dum sol, de brilho tamanho
Como este sol de dezembro :
Solzinho de Deus ! . . .


— Avante! . . .
— Chega-te ao rego ! . . . Eh!
. . . Castanho !
Chega, chega ! . . . olá!
. . . Galante!

«Lá baixo, as terras do arneiro
— Anno de pasto abundante!
São como pingue nateiro
Agora para o rebanho !


— Chega, chega! . . . Eh! . . . oh! . . . Galante!
Chega-te ao rego ! . . . Castanho !


O dia vae recrescendo ;
O gado sempre lavrando,
E alegre, de quando em quando,
A desgarrada rompendo !


As arveloas sobre a terra,
Do ferro agudo movida,
Aos bichitos fazem guerra :


Sempre a lucta pela vida!

Costa da Caparica, Terras da Costa, lavrador gradeando o solo com junta de bois.
Colecção Carlos Caria

São bois de vigor estranho,
Mas começam de cançar;
E o lavrador, vigilante,
De vez em onde a bradar :

— Chega, chega ! . . . Eh ! . . .  oh ! . . . Castanho,
Olha a aguilhada . . . Galante !

*
*     *

Vae-se o sol a afundar.
Agora, na invernia,


Logo que o sol se põe,
desapparece o dia.


Quando é duro o torrão, a canceira é tyranna !
Soltos, mugindo, os bois lá vão para a arribana.

De novo o lavrador, cantando a desgarrada.
Voltará amanhã!


Quem é pobre, e quem lida,
Aligeira, a cantar, o peso d'esta vida !



*
*     *

Alagado em suor, apesar da nortada!
Quasi sem descançar, durante o dia inteiro
Labutar, labutar! Tem o campo estes dias ! . . .


Na gleba, fresca ainda, afincou a aguilhada ;
Poz debaixo do braço o seu amplo sombreiro ;
Enclavinhou as mãos. . .

Davam Ave Marias !

Janeiro, 93.



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