quarta-feira, 1 de junho de 2022

Praia da Vieira

Era então no começo de Setembro; a Sra. D. Maria da Assunção, que tinha uma casa na praia da Vieira, propôs levar a S. Joaneira e Amélia para a estação dos banhos, para ela espalhar, nos bons ares saudáveis, em lugar diferente, aquela dor.

Portugal, barque lune à Vieira de Leiria, 1954 par Jean Dieuzaide.
numelyo

— É uma esmola que me fazes, dissera a S. Joaneira. Sempre me lembra que era ali que ele punha o guarda-chuva... Ali que ele se sentava a ver-me costurar!

— Está bom, está bom, deixa-te disso. Come e bebe, toma os teus banhos, e o que lá vai lá vai. Olha que ele tinha bem os seus sessenta.

— Ah, minha rica! a gente é pela amizade que lhes ganha.

Praia da Vieira, Leiria.
Helena Corrêa de Barros, Arquivo Municipal de Lisboa

Amélia tinha então quinze anos, mas era já alta e de bonitas formas. Foi uma alegria para ela a estação na Vieira! Nunca vira o mar; e não se fartava de estar sentada na areia, fascinada pela vasta água azul, muito mansa, cheia de sol; às vezes no horizonte passava um fumo delgado de paquete; a monótona e gemente cadência da vaga adormentava-a; e em redor o areal faiscava, a perder de vista, sob o céu azul-ferrete.

Praia da Vieira, Leiria.
Helena Corrêa de Barros, Arquivo Municipal de Lisboa

Como se lembrava bem! Logo pela manhã estava a pé! Era a hora do banho: as barracas de lona alinhavam-se ao comprido da praia; as senhoras, sentadas em cadeirinhas de pau, de sombrinhas abertas, olhavam o mar, palrando; os homens, de sapatos brancos estendidos em esteiras, chupavam o cigarro, riscavam emblemas na areia; enquanto o poeta Carlos Alcoforado, muito fatal, muito olhado, passeava só, soturno, junto da vaga, seguido do seu Terra-Nova.

Praia da Vieira, Leiria.
Helena Corrêa de Barros, Arquivo Municipal de Lisboa

Ela saía então da barraca com o seu vestido de flanela azul, a toalha no braço, tiritando de susto e de frio: tinha- se persignado às escondidas e toda trêmula, agarrada à mão do banheiro, escorregando na areia, entrava na água, rompendo a custo a maresia esverdeada que fervia em redor.

Praia da Vieira, Leiria.
Helena Corrêa de Barros, Arquivo Municipal de Lisboa

A onda vinha espumando, ela mergulhava, e ficava aos saltos, sufocada e nervosa, cuspindo a água salgada. Mas, quando saía do mar, como vinha satisfeita! Arfava, com a toalha pela cabeça, arrastando-se para a barraca, mal podendo com o peso do vestido encharcado, risonha, cheia de reação; e em redor vozes amigas perguntavam:

— Então que tal, que tal? Mais fresquinha, hem?

Vieira de Leiria. Praia. 10, sahida das rêdes e venda de peixe.
Delcampe

Depois, de tarde, eram os passeios à beira-mar, a apanhar conchinhas; o recolher das redes, onde a sardinha toda viva ferve aos milheiros, luzidia sobre a areia molhada; e que longas perspectivas de ocasos ricamente dourados, sobre a vastidão do mar triste, que escurece e geme! (1)


(1) Eça de Queiróz, O crime do padre Amaro, 1875 (reescrito em 1878)

Mais informação:
A ARTE-XÁVEGA DA BEIRA LITORAL E AS SUAS EMBARCAÇÕES
Gazeta dos Caminhos de Ferro

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