O cruzeiro da Costa da Caparica à entrada do cemitério. Paulo Zé Silva (fb) |
A haste tem junto à base três datas anuais gravadas com emolduramento, respectivamente de baixo para cima:
- 1780 - data gravada na construção do cruzeiro, assinala um facto, evento ou benefício excepcional não identificado (safra importante, abolição de imposto sobre o pescado, acontecimento religioso?), provavelmente o estabelecimento definitivo da comunidade de pescadores na Costa;
- 178 - data (incompleta) relacionada com a primeira e gravada na construção do cruzeiro, previa um acontecimento dentro dos anos seguintes na mesma década da anterior (a construção/consagração da ermida?) e que não foi registado, ou que ocorreu também em 1780, ou que não teve lugar, reforça o carácter religioso do monumento;
- 1848 - data da inauguração do cemitério (na sequência do decreto de 28 de setembro de 1844 em que tinham sido proibidos os enterros nas igrejas e imposto o depósito dos restos mortais dos falecidos, depois de registo do óbito e obtida licença sanitária, em cemitérios construídos em campo aberto).
Saveiro da Costa. Caderno de Todos os Barcos do Tejo, tanto de Carga e transporte como d'Pesca, por Joao de Souza, 1785. |
O todo assenta sobre uma base circular simples, com quatro degraus, que parecem antigas mós sobrepostas.
De notar, a altura da haste, demasiado longa e desproporcionada e em relação aos outros elements, indica que o cruzeiro estaria originalmente enterrado no areal e manteria assim invisíveis as duas primeiras inscrições. Poderiamos supor que quando o cruzeiro foi desenterrado e mudado para junto do actual cemitério, as inscriçōes foram descobertas e o ano de 1848 ano foi então gravado.
Apesar de bem conservado, o monumento, está mal apresentado, e necessita de tratamento e melhores cuidados. A pintura das inscrições, a preto, desborda os limites das gravações e a base está envolta por uma espessa camada de cal branca (e ainda bem, a má apresentação dos monumentos tem-se revelado um método eficaz para a preservação de património, tendo em conta quantidade de intervenções com resultados lastimáveis no concelho).
Na véspera de Natal de 1868, Bulhão Pato (e não o Pablo Neruda que se senta hoje no miradouro da estrada do Grilo) dedicou ao cemitério da Costa da Caparica uma das suas mais belas e sentidas prosas poéticas, Cemitério de pobres, mas não menciona o cruzeiro.
Rui Granadeiro, 28 de abril de 2022
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Lugar da Costa de Caparica, 12 de setembro de 1833
Cemitério de pobres
Leituras relacionadas:
Rui Manuel Mesquita Mendes, Capela da Costa da Caparica: notas sobre as suas origens (1794-1882)
Carlos Barradas Leal, Outra Trafaria, 2014
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