Alveja o casalito, ao rez d'um pinheiral.
Quando coube em partilha ao dono que o cultiva,
Era tudo um sarçal; mas tinha agua nativa,
E terreno também de boa condição.
Vista de Caparica, tomada dos Capuchos.
Delcampe, Bosspostcard |
O dono, inda rapaz, um fero latagão,
Deitou-se a trabalhar, e não largava a enxada
Desde que o, sol rompia á noite já cerrada.
Pouco depois casou. A sua companheira
Não lhe ficava atraz como mulher fragueira.
N'um casal solitário, embora o passaredo,
Logo pela manhã, chilreie no arvoredo,
É precisa outra voz, a voz duma creanca!
Nasceu-lhes uma filha. inda com mais pujança
O pae lidava só no seu torrão estreito:
A mãe trazia agora a creancita ao peito.
*
* *
Tinha bom lançamento a nova bacellada —
Era o grande remédio! — o pão não deixa nada.
Mas pôr vinha de manta em chão barroso e duro,
E canceira cruel ! Co'a mira no futuro.
Com os olhos na filha, e trabalho inaudito,
Logrou tornar rendoso o breve casalito.
A Praia do Sol, Uma vista parcial, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 108, década de 1930. Delcampe |
Foi crescendo a pequena. Houve uns annos seguidos
De colheita feraz; os vinhos bem vendidos.
O parco lavrador, fazendo economias,
Sonhava no porvir mais descançados dias!
Sonhar, sonhar, sonhar!... Não ha senão sonhar
Co'as coisas ideaes! — a peste é o despertar! —
Sonha o bronze também, saudando os desposados:
Acorda! e dobra... E dobra o dobre dos finados!
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* *
* *
Veiu um dia nublado, e ao mesmo tempo quente.
Aquillo foi um raio! — O míldio de repente.
Como a chamma voraz, lavrou ! Tudo queimado ;
Parra e cachito em flor! Um anno desgraçado !
Costa da Caparica, Terras da Costa e Cabo Espichel, ed. Passaporte, 7, década de 1950. Delcampe |
Ao míldio succedeu, raivando, o phylloxera,
E arrazou-lhe o vinhedo, aquella besta fera!
Ha dois dias passei pelo Casal da Encosta.
A tarde era um encanto! O mar quedo na Costa!
Na soleira da porta, avisto o lavrador,
Sentado e taciturno. — Então, ó Salvador?...
— Isto, agora, o remédio é deitar mão á enxada;
Mas o trabalho falta, e não fazemos nada!
Apertou a cabeça entre os punhos cerrados.
Co'as lagrimas no peito — irmãs dos desgraçados!
A um lado da lareira, apagada e sombria,
A mulher, a cantar, a filha adormecia!
Que singular poder tinha o mavioso canto...
Era alegre a canção, porém a voz um pranto!
Maio, 1896.
(1) Bulhão Pato, Livro do Monte, Lisboa, Typographia da Academia, 1896
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