Costa da Caparica, pescadores, 1901. Imagem: Biblioteca Nacional de España |
Portugal, melhor ainda que Espanha, representa na Europa o fidalgo diminuido, dignamente orgulhoso das suas passadas grandezas, nobremente entristecido por suas presentes ruinas. O admirável autor de A ilustre casa de Ramires, pinta bem vigorosamente o interior e o exterior deste povo, que por acaso ao seu espírito sonhador e romântico deve a sua decadência e a sua pobreza.
Ignoro qual classe de influência tenha podido exercer nele a aliança e a vizinhança da nacionalidade britânica; porém pelos resultados inclino-me a crer que somente tenha influenciado en manter e excitar os sonhos de grandezas, peculiares a todo o espírito poético e romântico.
Porque esta poesia e este romantismo — que hoje parecem demora e lastro assim nos individuos como nos povos — é a nota vibrante que o harmoniza tudo no país lusitano; e é que o dão assim, naturalmente, a alma da Natureza daquela terra e a natureza da alma daquelas gentes.
A terra fértil e exuberante, o Céu mutável e pictórico, o mar sonoro e bravo, fazem almas sonhadoras e aventureiras que pelos caminhos do sonho e da aventura chegam às grandes conquistas ou aos grandes fracassos.
E assim, esse mesmo mar. que um dia cedeu as suas arrogâncias diante dos Vasco da Gama e no outro dia inspirou a audácia náutica dos Magalhães, hoje somente parece servir para tirar do seu seio opulento o vivo e reluzente metal da pesca, de que se mantem miseravelmente todo o povoado marítimo extendido ao longo da costa.
A vida será mísera, porem não falta nela a magia da poesía. Bem cedo aparelham a barca e os mesmos pescadores empurram-na pela areia até ao espumoso rebentar das primeiras ondas, onde permanece como una gôndola extranha, como uma poética meia lua plena de arabescos decorativos.
E quando volta da pescaria, se o Céo está claro e o mar tranquilo, a água parece um espelho onde se reflecte o lençol celeste em que uma meia lua gigantesca vai sulcando nuvens verdosas e prateadas.
Ao amanhecer chegam as mulheres para o produto da minguada façanha, passa o peixe das redes aos cestos, onde recebe um ligeiro polvilhar de sal, e partem para a capital e para os lugarejos vizinhos.
Com a canastra à cabeça, descalças de pé e perna, passam e repassam aquelas veredinhas estreitas, abertas violentamente entre a exuberância dos pinheiros e castanheiros, cantando os típicos fados nacionais.
Costa da Caparica, Peixeiras, 1901. Imagem: Biblioteca Nacional de España |
No romantismo que se desprende dessas canções parece latir a nostalgia dos esplendores
passados, a saudade desperta. A melancolia que essas mulheres vão partilhando pelas sendas escondidas, parece a elegia entoada às nostalgias que os seus homens, à mercê desse mesmo mar, realizaram para a honra da sua História.
Por esse mesmo mar, seus próprios homens, que hoje só sabem encher de peixe os ventrudos cestos, souberam lançar-se a descobrir países esplêndidos, a conquistar riquíssimas terras distantes, a deixar com o seu idioma a perpetuidade de uma raça e a ensinar a rota por onde se podia dar a volta ao mundo.
E assim que as primeiras casas aparecem, cessa a melancólica sonata dos fados — que é como desvanecer-se o sonho — para dar lugar à realidade presente, e então vibra no ar o pitoresco pregão:
— Salpicadinhas da Costa!
Todo aquele que tenha estado neste povoado, actualmente ao menos, creio que com a impressão da sua pobreza actual terá percebido a fragância da sua poesia de sempre,
(1) Julio Hoyos, Iris, n.° 126, Barcelona, 5 de outubro de 1901
Sem comentários:
Enviar um comentário