segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Um ermitão

Com relação ao caso do excentrico da Costa de Caparica, historia que transcrevemos do "Dia", parece que nada ha que dê logar a proceder se contra pessoa alguma.

Costa da Caparica, As novas edificações, 1887, desenho de João Ribeiro Cristino.
Imagem: Hemeroteca Digital

O ermitão Bunoy Galligan [Bernard Galligan (?-1901)], segundo relata um nosso collega, é um pobre maniaco que o fallecido padre Huggs [Henry Bailey Maria Hughes (1833-1887)] trouxe na sua companhia, de Boston [Newark], a pedido da familia, levando-o, por causa das suas predilecções pela solidão, para o collegio de Caparica, onde elle se deixou ficar.

Os Faroleiros de Raul de Caldevilla, 1922.
Imagem: Vimeo

A pensão que o sr. [Francisco ou António] Calderon recebe para o sustento do ermitão é paga pelos irmãos, que remettem o dinheiro ao sr. padre Russel [Patrick Bernard Russell], de dois em dois annos, por intermedio da casa Baring Brothers.

Lá se foi pois um escandalosinho em perspectiva, tão bello para ser explorado por uns sujeitinhos que todos nós, os da imprensa e o publico, conhecemos, e que assim tinham obra para o logar do caso das Trinas, que já não deixa nada [v. Diário Illustrado, 29 de julho de 1891, pág 3]. 

Bem sabemos nós quem deve estar furioso, por tão simples acabamento. Padres, sotainas, monge, 10:000 libras... uma pechincha que se evaporou.

Costa da Caparica, Colégio do Menino Jesus dito "convento", imagem estereoscópica (detalhe), c. 1900
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

O sr. commissario geral de policia vae mandar para uma casa de saude o "ermitão" da costa de Caparica, para depois de tratado ser entregue ao respectivo consul. 

A escola de Caparica vae ser fechada por ordem da auctoridade. (2)

Costa da Caparica, um piquenique familiar, em segundo plano a igreja e o Colégio do Menino Jesus, década de 1900
Imagem: Arlindo Pereira

Parece fóra de duvida que o ermitão de Caparica tambem calçava da "Sapataria Lisbonense" da rua Augusta. (3)


(1) Diário Illustrado, 17 de setembro de 1891
(2) Diário Illustrado, 19 de setembro de 1891
(3) Diário Illustrado, 20 de setembro de 1891

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Não rebenta a vaga

No areal da Costa não rebenta a vaga; 
Todo o mar sereno! Pobre pescador!... 
Lança em vão os olhos... Da deserta plaga 
Não descobre ao longe nem signal, que traga 
Negra de sardinhas, ondulando á flor!

Costa da Caparica, Antigas casas de pescadores, Acção Bíblica (Aliança Bíblica), década de 1930.
Imagem: Delcampe

A mulher, á porta, de expressão sombria... 
Que fazer lá dentro?... O pequenito dorme. 
Sem ter lume acceso todo o santo dia! 
No interior da casa frio que arripia; 
Na calada aldeia uma tristeza enorme!

Costa de Caparica, Alberto Carlos Lima, colégio do Menino Jesus e casas típicas de pescadores, década de 1900.
Imagem: Arquivo Municipal de Lisboa

Dias após dias de ceu resplendente; 
Nem a primavera com mais luz se alegra! 
Vae faltando aos gados o relvão virente... 
Não dá nada a terra. . . nada o mar dormente!... 
Como o tempo é lindo, e como a fome é negra!

Costa da Caparica, Casa de pescadore, Luiz Salvador Jr., 1947.
Imagem: Luís Salvador Júnior

Vem as creancinhas, mal o sol raiando, 
Procurar remédio... Onde encontral-o? Some 
A estiagem tudo! Desditoso bando! 
Ninguém dá esmola; porém vam cantando! 
Cantam, coitaditas, a enganar a fome! (1)

Aspecto do bairro piscatório da Costa da Caparica, 1938.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo


(1) Raimundo António de Bulhão Pato, Livro do Monte, georgicas, lyricas, 1896, Typographia da Academia, Lisboa.

Alguns artigos relacionados:
Colégio do Menino Jesus, 1876 — 1901
A Costa romântica de Bulhão Pato
Os saveiros meia lua da Costa da Caparica
Arte xávega na Costa da Caparica a Património Imaterial

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

A Barca de S. Pedro

As festas da Costa de Caparica com sua solenidade de Igreja, da padroeira Nossa Senhora do Rosário, com a sua procissão de nove andores, entre os quais a famosa Barca de S. Pedro (na gravura dêste bilhete) com a volta pela praia, a benção do mar, o espectáculo maravilhoso de uma costa com sete léguas, a contemplação do Oceano, as filarmónicas da terra e dos arredores, os festejos nocturnos e urna assistência de 30.000 pessoas, vindas de todos os arredores são dos motivos mais belos do feitio popular e tradicional português.

Costa da Caparica, a famosa Barca de S. Pedro na procissão das Festas de Nossa Senhora do Rosario.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

As festas na praia da Costa de Caparica com seu carácter religioso, o scenário curiosissirno dos festeiros, numa terra de pescadores, com hábitos primitivos e inconfundível aspecto são das mais pitorescas do termo de Lisboa e das mais interessantes do pais.

Costa da Caparica, o andor com a Barca de S. Pedro.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

A Costa de Caparica, cuja população data de há pouco mais de dois séculos, tem a sua otígem étnica de pescadores de Ilhavo (norte de Portugal) e do Algarve (o sul), sendo constituída por elementos do melhor sangue e índole portuguesa, gente sóbria, trabalhadora, resignada, honesta, que faz da pesca o seu ganha pão.

Costa da Caparica, procissão em 1929.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

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ACONTECEO, que derribando se as multidoens sobre elle, por ouvirem a palavra de Deos, estava elle junto ao lago de Genezaret.
2 E vio estar dous barcos junto á praia do lago : e havendo os pescadores descido delles, estavão lavando as redes.
3 E entrando em hum daquelles barcos, que era o de Simão, pedio-lhe que o desviasse hum pouco de terra : e assentando-se, ensinava a multidão desde o barco.

Costa da Caparica, a Barca de S Pedro.
Imagem: Paróquia da Costa da Caparica

4 E como deixou de falar, disse a Simão : Leva em alto mar, e lançai vossas redes para pescar.
5 E respondendo Simão, disse-lhe: Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada tomámos ; mas era tua palavra lançarei a rede.
6 E fazendo-o assim, colherão grande multidão de peixes, e sua rede se rompia.
7 E capearão aos companheiros, que estaváo no outro barco, que viessem ajudar. E vierâo, e encherão ambos os barcos, de tal modo, que quasi ião a pique.

Costa da Caparica, Procissão da Senhora do Rosário, Revista Ilustração, 1937.

8 E vendo Simão Pedro isto, derribou-se aos pés de Jesus, dizendo : Sahe de mim, Senhor, que sou homem peccador.
9 Porque espanto o tinha tomado, e a todos os que com elle estavão, pela preza dos peixes que tomarão.
10 E semelhantemente também a Jacobo e a João. filhos de Zebedeu, que erão companheiros de Simão. E disse Jesus a Simão : nâo temas; desde agora tomarás homens.

A Barca de S. Pedro, em Lisboa, no Cortejo Histórico das festas do VIII Centenário da Tomada de Lisboa, 1947.
Imagem: Delcampe - Bosspostcard

11 E como levárão os barcos á terra, deixando tudo, o seguirão. (1)


(1) Lucas 5

Informação relacionada:
A Procissão